Director: Marcelo Mosse

Maputo -

Actualizado de Segunda a Sexta

Textos de Marcelo Mosse

A cada dia que passa, chega até nós um conjunto incrível de alegações sobre outras negociatas onde Manuel Chang, como Ministro da Finanças, esteve envolvido ou deixou que acontecesse sob seu olhar impávido e cúmplice. O caso Odebrecht, em que terá recebido "luvas" para sobrefacturar o valor da obra do "elefante branco" do Aeroporto Internacional de Nacala, através de uma dívida contraída ao banco BNDS do Brasil, não é único.

 

[A contratação de dívida com valores altamente inflacionadas tornara-se um mecanismo de acumulação primária de renda no consulado de Armando Guebuza; grosso modo, todas a obras públicas realizadas tiveram como "leitmotiv" um apetite de enriquecimento ilícito: o aeroporto de Mavalane estava orçado em 50 milhões de USD, mas um assessor de Armando Guebuza, cujo nome omitimos, impôs ao Ministério das Finanças que fossem acrescentados 20 milhões de USD – que foram para bolsos privados mas aumentando a dívida pública da obra]. 

 

Durante 10 anos Ministro das Finanças do Presidente Armando Guebuza, Chang viu passar na sua mesa várias negociatas orquestradas por elementos da elite política. Adjudicações corruptivas, sobrefacturação de obras públicas em massa e duvidosos negócios imobiliários envolvendo o tesouro público. Nalguns negócios, ele terá participado como sócio fantasma. Noutros foi obrigado a fazer vista grossa, como naquela apropriação massiva de uma linha de crédito concessional de Portugal, que acabou beneficiando privados através de uma mentirosa parceria público-privada (a Ponte de Kassuende, em Tete, com portagem, onde o privado apenas investiu sua capacidade de tráfico de influências, ganhando milhões, e o Estado e seus contribuintes carregam o fardo pesado de um endividamento caloteiro.

 

É óbvio, então, que Manuel Chang esteja na posse de muita informação sobre a sujeira da corrupção que temos vindo a viver em Moçambique nos últimos anos. Ele sabe de mais, dos esquemas urdidos e dos seus principais beneficiários que, se for extraditado para os EUA e der com a boca no trombone, muita gente altamente posicionada na nossa elite endinheirada vai ser exposta como estando envolvida no roubo e no enriquecimento ilícito.  Não é apenas a rede criminosa directamente beneficiária da dívida oculta que anda em pulgas com a perspectiva de uma delação de Chang. É toda uma súcia elitista que vive de negociatas com fundos públicos, também usados para financiar a manutenção da Frelimo no poder. Por isso, o alarido à volta da extradição de Chang para os EUA. E a intervenção da PGR para que o deputado seja julgado em Moçambique.

 

Oficialmente tida como no único e puro interesse da justiça, com o intuito de acautelar o confisco local de bens, a extradição de Manuel Chang é percebida na opinião pública como uma estratégia do poder político para evitar os danos eventuais de uma delação de Chang nos EUA, que exporia o profundo carácter improbo do nosso Estado.

 

 Trata-se, portanto, de um cálculo político. Mas um cálculo político feito a todo o custo, inclusive ante a possibilidade de convulsões sociais e até uma severa punição da Frelimo nas urnas em ano de eleições. A mera perspectiva de Chang regressar a Moçambique já está a causar uma ira profunda na sociedade, habituada a ver uma classe política corrupta se passeando na impunidade e temendo agora que Chang tenha a mesma sorte.

 

 Os moçambicanos gostariam de ver este caso como um novo começo. Um Estado energicamente comprometido em deixar que a justiça corra o seus tramites normais, mesmo que percamos de uma vez por boa parte dos bens roubados. Não seria a primeira vez. Deixar Chang ir para os EUA, independentemente do seu estatuto político, seria um golpe profundo sobre aqueles que continuam vivendo atolados no enriquecimento ilícito. Seria a demonstração de uma vontade política contra a impunidade.

 

Mas a Frelimo faz os cálculos que faz. Para proteger uns poucos, o partido investe contra a sua popularidade já nas ruas da amargura. O cálculo parece completamente errado. Em ano de eleições, não se compra uma guerra política com os EUA. Recordem-se: eles já têm consigo toda planilha de subornos na Privinvest. Todos os movimentos dos dólares corruptos da dívida. Se Chang for trazido para cá, é claro que essa informação vai ser vazada, para que a opinião pública saiba, em ano eleitoral, quem recebeu o dinheiro do calote.  A Frelimo ficará a perder em toda a linha. E o próprio Chang também. Voltar a Moçambique para quê? Para acabar sucumbindo ao tédio ou a uma bala perdida de fogo amigo?  (Marcelo Mosse)

terça-feira, 15 janeiro 2019 08:20

A quem interessa a desestabilização em Palma?

Quando o primeiro ataque da insurgência teve como alvo uma esquadra de Polícia em Mocímboa da Praia em Outubro de 2017, todo o mundo pensava que era uma pequena brincadeira de ocasião. Passageira. Uns gatos pingados haviam decidido brincar ao extremismo falsamente rotulado de islâmico. As autoridades chamaram-lhe de banditismo, um caso de polícia. Nesse ataque inaugural, os bandidos levaram armas e mataram. O simbolismo desse roubo era estratégico: dar a impressão de que eram um bando de maltrapilhos sem logística, uma malta errática à busca de um lugar ao sol. Um ano depois, num balanço que ‘Carta” fez, o número de vítimas era aterrador. Mais de cem mortos, a maioria por decapitação, e milhares de casas populares queimadas.

 

Não, não podia ser banditismo normal.

 

A teoria da insurgência extremista foi estudada. A da instrumentalização da desordem, cara a Patrick Chabal, repetida como tese inabalável. Mas, para quem, como este jornal, dedica muitas das suas linhas ao assunto, o traço islâmico da coisa era muito forçado: um islamismo arcaico, de aprendiz. Os atacantes são, mais do que milícias importadas, jovens da terra, recrutados em troca de dinheiro e futuros de abastança. 

 

Nas últimas semanas, o Governo reforçou a zona de contingentes militares. Em resposta, bandidos abraçaram outra táctica de terror: incendiar viaturas civis nas rodovias que vão dar a Palma. E, também, aproximarem-se dessa região, onde já estão implantados os acampamentos das ENI, Anadarko e Exxon Mobil, perto donde as duas últimas multinacionais preparam-se para construir 4 trains de produção de gás natural liquefeito, num investimento que vai catapultar Moçambique para o estatuto de principal “player” global no fornecimento do produto. 

 

A aproximação do banditismo a Palma, como a nova característica de queima de viaturas civis nas estradas que vão dar à vila, tornou mais claro agora o objectivo de que lhe financia: inviabilizar o gás. Afinal quem está interessado que nosso gás não aconteça? Qual é o país que ganha com o atraso do gás moçambicano? A resposta a esta pergunta está-nos na ponta, mas não ousamos mencionar sem termos evidências palpáveis do envolvimento desse país numa conspiração para desestabilizar Moçambique.

 

O efeito imediato do caos que se está a criar à volta de Palma levará a que a ENI, Anadarko e Exxon contratem empresas de mercenários para protegerem seus investimentos, criando-se pequenos estados dentro de Moçambique, “compounds” de acesso altamente restrito, condições suficientes para que o nosso gás seja exportado sem o devido controlo por parte do INP. O cenário que se está a montar é o mesmo que o da SASOL, que bombeia o gás de Temane a rodos sem qualquer tipo de controlo por parte das autoridades. Moçambique está e vai viver mais uma era de saque de rapina aos seus recursos.

 

Depois, a aparição dessa figura sinistra de Erick Prince, um homem que só actua em lugares de desordem. O Governo tem a obrigação de clarificar quais são as actividades deste senhor em Moçambique. E por que é que ele anunciou uma entrada na Ematum (mudando seu nome para Tunamar), quando seu "core business" nunca foi a pesca de atum e quando esse anúncio não passava afinal de um golpe teatral abrindo caminho para a presença da sua empresa de segurança, a Lancaster 6, em Palma? Quem lhe dá guarida cá dentro? Que acordos o Governo fechou com a Lancaster 6? E o que é que esta empresa tem a ver com a disseminação da insurgência em Palma? 

 

Nos apetites empresariais de Prince em Palma poder estar também uma parte da explicação para o crescimento da desestabilização em Cabo Delgado que, agora é mais claro, não tem nada a ver com gatos pingados. Tem a ver com bilhões e bilhões de USD em disputa entre actores globais com o beneplácito da nossa elite política. Mesmo que não nos dêem respostas a estas questões, tal como no caso do calote da dívida oculta, a verdade um dia há-de cair de madura, como o caju do Juiz Paulino.

segunda-feira, 31 dezembro 2018 08:37

O significado da prisão de Manuel Chang

A prisão do ex-Ministro das Finanças, Manuel Chang, é como que um abalo sísmico para a nossa elite política. Mas também um atestado de irrelevância para a nossa Justiça. Chang foi preso na África do Sul, a mando da justiça americana. Chang foi preso no OR Tambo, em Joanesburgo, onde estava em trânsito para o Dubai, onde boa parte do dinheiro sem rasto da dívida oculta foi guardado. Ele foi o Ministro desse sinistro endividamento, que levou este país ao descalabro. Com ele, uma franja enorme de dirigentes, sob a tutela do ex-Presidente Armando Guebuza, enriqueceu e os moçambicanos ficaram mais pobres.

quinta-feira, 20 dezembro 2018 05:53

Nyusi eleitoralista

Filipe Nyusi aproveitou ontem o palco da apresentação do Estado da Nação para cimentar sua disponibilidade para as presidenciais de 2019. Boa parte do seu discurso não foi centrada na radiografia sobre o ano prestes a terminar, mas numa projeção sobre o que aí vem. O Presidente acabou fazendo promessas com um condão eminentemente eleitoralista. Nalgumas delas, ele estampou o seu nome, mais do que o nome do governo, mais do que o nome da Frelimo.

sexta-feira, 14 dezembro 2018 06:32

O Memorando Nyusi-Ossufo já é letra morta?

dia d integracaoO Ministro da Defesa, Salvador Mtumuke, disse ontem que, ao nomear interinamente 3 oficiais da Renamo, ele estava a seguir uma coisa acordada com Afonso Dhlakama, que morreu em Maio em Gorongosa. Para o Ministro, a reivindicação da Renamo de que os oficiais as integrar nas FADM são 14 e não 3 é uma reclamação mentirosa. Ele frisou que o que vale agora é um acordo feito com um homem já morto, na base da informalidade que caracterizou o diálogo entre Nyusi e Dhlakama.

Quando tomou posse a 30  de Outubro de 2017, o Comandante Geral da Polícia, Bernardino Rafael, deu numa de campeão da repressão. Para dentro da corporação, lançou um discurso de tolerância zero contra desvios de comportamento, que fazem escola na nossa polícia. Numa parada com seus correligionários em Maputo, tentou impor a circulação zero de mensagens nas redes sociais entre colegas. Mas isso era como fazer parar o vento com as mãos. Por causa do seu tom e estilo ele foi percebido na sociedade como tendo sido a escolha certa para moralizar a polícia e torná-la atuante. Essa perceção estava afinal errada.

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