Director: Marcelo Mosse

Maputo -

Actualizado de Segunda a Sexta

Textos de Marcelo Mosse

Na semana passada, alguém recuperou uma intervenção do Governador do Banco de Moçambique, Rogério Zandamela, e pô-la a circular como se fosse uma espécie de “Ted Talk” seminal sobre os efeitos nefastos da corrupção burocrática no investimento estrangeiro. Mas era uma ladainha corriqueira sobre o assunto. Funcionários obrigam os investidores a olearem a máquina para que seus processos andem. Os investidores são uns santos sempre com boas intenções, merecedores de todo o tipo de hossanas, incluindo tapetes vermelhos fiscais. Zandamela olha para a corrupção burocrática sem dissecar suas causas sistémicas. Não diz nada de novo. Seu discurso foi, no entanto, partilhado de todos os lados, como algo genial. Na verdade, a corrupção burocrática aumentou tremendamente em Moçambique. E esta é uma percepção isolada com base nas minhas observações: a crise do calote da dívida fez aumentar a corrupção; os esquemas e as boladas tornaram-se para muitos a principal fonte de rendimento, mecanismo funcional para a paz social.

Dez dias depois da morte do Procurador Geral-adjunto da República, Januário dos Santos Necas, é escassa a informação sobre as suas causas. Isto não pode ser! Necas era um alto quadro da magistratura do Ministério Público e, por isso, sua morte deve ser investigada até às ultimas consequências. Dez dias depois e ninguém diz nada. A medicina legal tem a obrigação técnica de revelar o laudo da autópsia, para dissipar a enorme curiosidade da opinião pública sobre este caso. A PGR e o SERNIC têm o dever de dizer o que já fizeram até hoje.

quarta-feira, 27 março 2019 06:16

O vendedor de zips

Encrustado no regaço de um cadeirão, ele embrenhara-se numa sesta quase de barriga vazia, mas esses são aqueles momentos em que o sono eclipsa a dor e a angústia das perdas arrastadas pelas águas na madrugada de uma noite em que, quem sabe, mais um zip se encravaria nas frabiquetas de orgasmos de cada um. E, depois, em cada despertar de cada sesta renasce sempre a esperança. 

 

O homem, encontrado na viela central de Buzi, não ronca. Seu sono parece profundo, a clientela ausente e a mercadoria amontoada numa mesinha bem junto de si. O homem é um dos vários heróis do Buzi. Aliás, no Buzi todos são heróis. Nenhuma hierarquia captaria uma diferenciação do heroísmo, a não ser por decreto oficial. 

Se houvesse um ranking global para medir a credibilidade de um Estado, Moçambique seria avaliado negativamente. Imagine um ranking de 0 a 10, onde 0 é menos credível e 10 o mais fiável em termos de moralidade e integridade. Nosso país estaria abaixo do zero. Fazendo um paralelo com o critério de notação da dívida pública, estaríamos abaixo do lixo, que é o lugar onde nos colocaram todas as agências de notação financeira.

 

Por causa do calote da dívida pública, nosso Estado é olhado com desconfiança nos mercados financeiros internacionais. Os credores são aconselhados a não emprestar porque nosso Estado não tem estrutura financeira para honrar compromissos, como se revelou com o “default” relativamente à dívida da Ematum e, subsequente, das restantes MAM e ProIndicus.

A romaria solidária que inundou a zona de cabotagem do Porto de Maputo é uma demonstração inequívoca de que os moçambicanos podem facilmente abraçar o outro, independentemente da origem regional ou étnica, credo ou partido político. Mas, para isso acontecer, é preciso que tudo o que seja figura do Estado ou elemento de partido político esteja a milhas de distância da mobilização dos apoios.

 

É o que se vê com esta onda de afectos das gentes de Maputo para com as gentes da Beira, do Buzi, de Nhamatanda ou do Matundo, enfim, os moçambicanos violentados no seu quotidiano desprotegido por uma classe política enredada na ganância e que fez do saque do bem público e da pura ladroagem um meio de vida, adiando vários programas de protecção social.

 

Meia dúzia de moçambicanos puseram mãos à obra num projecto que está a tornar-se na maior onda de solidariedade jamais vista em Moçambique. Uma torrente de afectos embarcando em contentores ofertados por empresas com gestores sensibilizados pela causa. Essas empresas e esses gestores e todo o voluntarismo consequente não representam nenhumas cores políticas ou partidárias. Ali não há Partido nem Estado. É o chamado terceiro sector fazendo renascer redes de solidariedade há muito tempo destruídas pela política.

 

Ainda bem que é assim. Ainda bem que o INGC é um elemento passivo neste processo particular. Houve tempos em que os moçambicanos eram mais solidários. Mas essas redes foram capturadas. A CVM e o INGC tornaram-se antros da privatização da ajuda. E abriu-se um fosso de desconfiança entre a parte da sociedade que pode doar e as instituições do Estado ligadas à emergência, privando a parte da sociedade carente de ajuda. Nos últimos anos, a coisa se agravou. A política capturou todos os espaços da sociedade, imiscuindo-se até no terceiro sector. Pior, as calamidades naturais foram também instrumentalizadas, tornando-se fontes de enriquecimento ilícito. E, hoje, a percepção de que muita ajuda local e externa não chega a quem realmente precisa é geral.

 

Por isso, se o mobilizador central desta onda de apoios tivesse sido o Estado é provável que muita gente com capacidade de doar ficaria retraída. Mas como é a própria sociedade civil fora da politiquice barata, então a adesão é enorme. Os moçambicanos de todas as matizes mostrando uma marca do seu ADN: abraçar os outros, não olhando a meios. Afinal, há muitas coisas que poderíamos fazer melhor sem os políticos.

terça-feira, 19 março 2019 05:56

Afinal onde raio se meteu o Daviz Simango?

Com a Beira profundamente ferida, surge o Governo central a encher o palco num expediente simbolicamente cheio de significado mas que vai fazer parar por um dia os trabalhos da reparação do tecido social, comercial e industrial da cidade. Do ponto de vista psicológico, a cúpula do Governo reunir-se na Beira reconforta e mobiliza as almas violentadas pelo IDAI mas há sempre o efeito da distração e da perda instantânea do foco. Em ano de eleições, qualquer Governo do mundo faria o mesmo. 


Mas vamos lá ver se esse Conselho de Ministros reúne-se num oásis de luxo no meio de tamanha destruição ou se as sumidade se sentarão nos escombros do Hospital ou de uma escola arrasada. 


E espero que o Governo central abandone a politiquice bacoca e faça dessa reunião um encontro alargado ao Conselho Autárquico da Beira, que é quem aliás melhor sabe o que a cidade (no caso específico da cidade) precisa para se reerguer. Também espero que por artes de berliques e berloques o Governo central não tenha vaporizado o Daviz Simango. Seu sumiço é gritante. E não me venham dizer que ele está a ser censurado pelos canais de televisão (TVM, STV, Miramar) controlados pelo regime. 


Ele tem alternativa. Através da Motivel, Simango podia estar a fazer circular vídeos nas redes sociais com testemunhos da destruição, partilhando para o mundo o espírito do lugar, desse lugar que já quase não existe, para roubar do Mia sua expressão de desolação pelo desastre que deixou seu lugar de infância sob escombros. 
Onde raio se meteu do Daviz Simango?

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