Director: Marcelo Mosse

Maputo -

Actualizado de Segunda a Sexta

Textos de Marcelo Mosse

quarta-feira, 15 abril 2020 06:28

O Fuminho deve ir para os “States”

Depois da conferência de imprensa do SERNIC, ontem, sobre a detenção do Fuminho, antes de ontem revelada em primeira mão pela “Carta”, mudei de opinião. Na manhã de ontem eu tinha bancado numa cegueira patriotice. Eu defendia num artigo na “Carta” que o Fuminho devia ficar por cá detido mais tempo para revelar, em sede de interrogatório judicial, suas relações promíscuas na pérola indica, quem lhe abriu as portas e quem lhe deu guarida, enfim suas relações cúmplices, tecidas junto de sectores políticos e económicos locais, o novo-riquismo torpe gerado da droga e suas lavandarias. Mas eu estava sobre-avaliando nossa Justiça e fazendo tábua razão de nossa porca economia política da corrupção, incluindo no judiciário.

 

Mas o Fuminho detido cá? Onde? Alguém alertou! E recordou-me que o Fuminho fugira de uma prisão no Brasil. Obviamente que nossas prisões são menos seguras. Depois tem a dimensão corrupção. Em menos de duas semanas, ele já terá todas as mordomias inerentes, incluindo acesso a telefonia móvel. E o risco de ser eliminado. O mesmo risco que motivou toda uma repulsa nacional contra a extradição do Manuel Chang para cá: a ideia de que pode levar um balázio perdido ou ingerir um veneno oferecido, queimando-se o arquivo que nele habita.

 

O conteúdo lacónico da intervenção do SERNIC alertou-me para o seguinte: traficante transnacional como Fuminho, procurado até pelo DEA, só pode ter protecção de autoridade pública corrupta. Moçambique não é um oásis de integridade. É um charco gigantesco de promiscuidade. Há cá gente poderosa interessada em que Fuminho se esfume de vez. E tudo farão para que isso aconteça. Por isso. ele deve partir. O DEA esteve envolvido na sua captura. O que significa que Fuminho deve ter traficado também para os EUA. Sendo assim, que vá para os EUA, como o último “El Chapo” mexicano, o Joaquín Guzman.

 

E uma vez lá, as autoridades negoceiam com ele um “plea bargain” (uma delação premiada) para que se tire todos os nabos da púcara. É disto que precisamos! Queremos saber os nomes dos bois que pastavam nesta selva de enriquecimento ilícito, fingindo-se empreendedores de nata quando não passam, também eles, de traficantes cujo património ilícito deve ser confiscado imediatamente. Para isso, o Fuminho deve ir para os States. Ponto final!

O PM Carlos Agostinho do Rosário mais o Ministro da Saúde, Armindo Tiago, disseram hoje aos doadores que Moçambique precisa de 700 milhões de USD para prevenir e combater o Covid 19.


Bastou ser confirmado 1 caso de Covid 19, o governo já está de mãos estendidas pedindo 700 milhões de USD?


Será que vamos ter uma crise assim drástica? Como é que chegaram a essa cifra? Na semana passada, a Saúde falava de um plano de contingência de 23 milhões de USD, essencialmente para medicamentos e material de proteção para os trabalhadores do sector. Curiosamente, esse valor quase coincide com os 20 milhões de USD que a Saúde deve a fornecedores diversos, que estão agora relutantes em fornecer máscaras, luvas e dispensadores de álcool e gel, até que a dívida seja paga.


Hoje, no pedido de esmola, Adriano Maleiane disse que dos 700 milhões de USD, 90 seriam para um tal pacote económico mas ele quer que esse dinheiro seja dado na forma de apoio orçamental. Apoio orçamental? Mas o que é que mudou em termos de transparência na gestão das finanças públicas?

Filimone Meigos e Samito Machel partilham suas vivências em auto-isolamento devido ao Covid 19. Gostei do que li. O Filimone reflete sobre o existencialismo sartreano, sem falar de Sartre, dos temores da morte e da teatralidade da vida. Disseca o pânico geral. Filosofa sobre o sentido da vida no contexto do Novo Corona. Ele conversa com o Elisio, escrevendo para todos nós.

 

Samora Machel é mais intimista mas também pedagógico sobre o que significa o auto-isolamento, o tédio necessário em face de uma hipótese cruel: o receio da infecção e do contágio de quem amamos. É como que uma romaria de desamor para proteger o amor. Ele conversa com todos nós, amando sua família.

 

Adorei seus testemunhos. O exemplo do poeta e seus devaneios de antropologia e sociologia e a exposição de Samora e seu tom de contributo cívico, em tempos de politica errática.

quinta-feira, 20 fevereiro 2020 06:02

O Credit Suisse e o Hospital Provincial de Matola

Há dias fui ao Hospital Provincial de Matola para sondar a qualidade do serviço público. Tinha uma pequena queimadura, que já infectara. Eu podia ter ido a uma clínica privada, ao 222 ou ao Hospital Privado. Mas preferi ir onde vai a maioria do povo. E lá fui eu, ali para os arrabaldes da cidade da Matola, nas margens verdejantes do rio.

 

Dei de caras com o edifício recente, mas já desbotado. No guiché, quatro assistentes solícitas. Na sala de espera do SUR, uma fila enorme de espera. Meu problema estava identificado. Eu procurava uma pequena cirurgia. Entreguei meus dados e apontaram-me logo a porta.

 

Lá entrei. A equipa, médico e assistentes, estava a postos, mas seus semblantes mostravam rostos carcomidos por uma tamanha falta de motivação. Durante o tratamento, perfeito, percebi uma coisa: uma tremenda falta de materiais. Não tem agua oxigenada! Mas isso eu já sabia. Até o Hospital Central de Maputo não tem. Os materiais de limpeza, como anti-sépticos, eram dados a conta-gotas. As compressas foram pedir esmola a uma sala ao lado. Grosso modo, os hospitais em Moçambique vivem assim. Uma tamanha falta de meios de tratamento. Minha experiência capta apenas uma pequena amostra.

 

E isto começou quando os doadores cortaram a ajuda por causa da dívida oculta.

 

O efeito do endividamento oculto é sentido em toda a sociedade, sobretudo pelos mais pobres. Os doadores suspenderam o financiamento e o governo ficou sem dinheiro para pagar fornecedores ou financiar totalmente os serviços sociais - o que levou a danos directos a muitos cidadãos, que, por exemplo, não têm serviços de saúde ou cujos negócios faliram.

 

O governo já processou judicialmente parte dos implicados locais (os 20 arguidos) e intentou acções em Londres contra o Credit Suisse e companhia. Mas esses são expedientes da política e das elites, os quais não carregam a imagem do rosto humano prejudicado pela crise. Como diz o advogado anti-corrupcão, Rick Messick, os cidadãos moçambicanos podem também processar essa escumalha do grande capital, incluindo a Privinvest, que nos colocou nesta armadilha de pobreza. Um tal procedimento da sociedade civil complementaria as acções do Governo e, eventualmente, evitaria longos anos de litigação entre as partes. O Credit Suisse evitaria uma grande exposição mediática se o processo viesse da sociedade civil.

 

Faz sentido! Agora, a questão é: que sociedade civil pode avançar? O FMO já tem uma experiência acumulada no caso e pode usar disso e seus contactos para engendrar a acção. Urgente! As igrejas podiam fazer a sua parte. Mãos à obra?

sexta-feira, 07 fevereiro 2020 06:46

A deselegância de Pio Matos

Pio Matos pode ter lá as suas razões, mas não ter ido à abertura do ano judicial pode ser considerado uma descortesia para com quem o convidou, ou seja, o poder judicial, que não tem culpa do imbróglio criado por outrem. 

 

Há-de ter tido a delicadeza de dar uma satisfação pela  sua ausência a quem o convidou, por deferência com os cidadãos da província que representa. Como todos os zambezianos bem educados costumam fazer.

 

Se não o tiver feito, dará lugar à interpretação legítima de que não foi à cerimónia por birra, acabando por fazer uma desfeita a quem até tem a consideração devida pelo Governador eleito da Zambézia.

quinta-feira, 16 janeiro 2020 12:53

O cinzentismo de Nyusi e suas incongruências

Eu esperava que o discurso do Presidente Filipe Nyusi fosse um libelo mobilizador, com uma visão sobre nosso futuro a médio prazo, ou mesmo uma imagem do país que teremos quando ele abandonar o poder (se bem que não se pode fazer muito em cinco anos). Eu esperava ouvir um galo cantando uma nova madrugada.

 

Mas Nyusi preferiu apresentar-nos retalhos programáticos da sua governação nos próximos cinco anos. Algumas palavras ocas, algumas medidas concretas. Nenhum assomo visionário, um pensamento estratégico da nação.

 

O povo, como sempre, bateu palmas. Eu também!

 

Seu compromisso com a paz é inigualável. Mas como tratar da insurgência em Cabo Delgado? Nada! Nenhuma ideia central.

 

Sua grande promessa foi a de alocar 10% do orçamento do Estado na Agricultura. Fantástico! Só precisa clarificar: o dinheiro vai todo para o Ministério ou directamente para quem produz? A vontade é boa mas, em Moçambique, os governantes ensinaram-nos a desconfiar.

 

Ele também apoia o projecto de linha férrea para Macuse, um empreendimento que pode fazer muito bem à Zambézia. Agora, é preciso ajudar na mobilização de recursos.

 

Mas o discurso estava cheio de nuances.

 

Sem conteúdo (como na abordagem da corrupção; Nyusi não tem um pensamento estratégico sobre o assunto, nem se esforça para compreender melhor o problema e pensar como fazer);

 

Incongruente (promete reabilitar a linha Beira/Machipanda, mas não faz nada para retornar o ferro-crómio à linha de Ressano, cedendo ao "lobby" rodoviário, que está dando cabo da N4,  numa altura em que falta  apenas 7 anos para a estrada passar para nossas mãos);

 

Omisso (como quando fala de economia azul e faz vista grossa à pesca furtiva, que está delapidando nosso mar, novo take away chinês);

 

Inconsequente (promete uma nova instituição de crédito para a economia, quando existe esse saquinho do BNI, uma vaca leiteira falida, que nunca fez banca de investimento e até já faz retalho e micro-credito);

 

Falacioso (como quando promete um Hospital/um Distrito, mostrando uma ignorância abismal sobre o que é um sistema de saúde; um Hospital Distrital tem requisitos, não é um centro de Saúde. Um Hospital Distrital, por definição, deve ter, Pelo Menos 2 salas de operações, 1 laboratório, 1 serviço de Imagiologia com Rx e aparelho de ecografia, 4 enfermarias, designadamente Medicina, Cirurgia, Pediatria e Maternidade. Deve ter 1 cama por cada 1000 habitantes do Distrito. Deve ter 1 ambulância e 1 viatura de caixa aberta. Deve ter recursos humanos: médicos, enfermeiros, técnicos de laboratório e de RX, parteiras, serventes, motoristas, enfim. Deve ter um orçamento de funcionamento para medicamentos, combustíveis, energia elétrica, água etc.

 

E Moçambique tem 154 distritos. Impossível.

 

O discurso de Nyusi foi cinzento. Agora, apesar isso, esperamos que esse cinzentismo não marque o mandato. 

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