Director: Marcelo Mosse

Maputo -

Actualizado de Segunda a Sexta

Textos de Marcelo Mosse

Como era de esperar, o julgamento de Jean Boustani nos EUA já está a trazer revelações perniciosas sobre os contornos da maior roubalheira da coisa pública na história do Moçambique independente. Os “borderaux” ontem relevados, mostrando transferências para o Partido Frelimo, são indicadores da razão da relutância da elite no poder em permitir que Manuel Chang vá extraditado para os EUA.

 

Mas mesmo sem Chang lá em Brooklyn, muita coisa podre tem vindo ao de cima, incluindo nomes de empresas, como os grupos Afrin e JAT, com investimentos de vulto na indústria hoteleira, envolvidas numa teia de lavagem de dinheiro centrada nas “dívidas ocultas”.

 

Na semana passada, uma especialista americana revelou o “tracking” de transferências, envolvendo bancos americanos, para alguns empresas, arguidos e conspiradores, ressaltando pagamentos às famigeradas do calote (MAM, EMATUM e Proindicus) e à Palomar (de Andrew Pearse), à Privinvest e à Walid Construções (em nome António Carlos Rosário).  

 

Este grupo Walid Construções, cujos sócios são o argelino Mohamed Fekih e a portuguesa Judite Coutinho Antunes dos Santos (que já teve uma função de coordenadora da Escola Portuguesa de Moçambique) recebeu dezenas de milhões de USD e estava à frente dos empreendimentos hoteleiros de Rosário. Com tanta evidência, nunca se compreendeu a razão por que Fekih e Judite dos Santos não foram constituídos arguidos no processo moçambicano. Consta que o primeiro já fugiu de Moçambique. Mas quem efectivamente, para além de Rosário, recebeu parte da massa via Walid? Com que Rosário partilhou o dinheiro?

 

Os dados revelados pela especialista americana, na semana passada, decorrem de um rastreio judicial e, portanto, são mais relevantes que qualquer planilha de subornos intencional encontrada nos registos de funcionários da Privinvest. Esta semana, essa planilha de subornos veio novamente ao de cima, agora com “nomes de guerra” dos potenciais beneficiários. A planilha contempla nomes que já foram alvo de investigação pela PGR mas sobre quem não se encontrou evidências de que tenham recebido, efectivamente, o que é lá sugerido. Mas também indica valores atribuídos a um e outro arguido, que não condizem com o que, efectivamente, foi rastreado, como no caso de Renato Matusse (que recebeu mais do que a planilha de subornos sugere).

 

Isto mostra que, cada vez mais, o que vai contar para a opinião pública (e como prova judicial) são os rastreios trazendo “borderauxs” como prova. Um simples “post it”, com indicação de intenção de pagamento ainda não pode ser considerada como evidência última. Por isso, é de esperar que o julgamento americano traga muito mais evidências judiciais antes do nosso começar, levantando-se, agora, também, a curiosidade e expectativa em relação à reacção da PGR em face das evidências segundo as quais a Frelimo recebeu 10 milhões de USD. Há quem foi detido por muito pouco.

segunda-feira, 14 outubro 2019 07:08

O partido que falta!!!

Esta campanha eleitoral mostrou que Moçambique tem espaço para um quarto partido de dimensão nacional. O MDM vai consolidar-se como a terceira força nacional e este é o grande mérito dos Simangos. Depois de derivas de estômago, de desafectos localizados, de tiques despóticos e nuances de nepotismo, Daviz consegue carregar a máquina no dorso da sua férrea ambição, não necessariamente pela Ponta Vermelha, mas pelo acesso às rendas que o negócio da politica proporciona em Moçambique.

 

Mas o país precisa de uma alternativa à Frelimo e à Renamo. E o MDM já provou que não é. O PODEMOS foi um lapso no tempo e a Nova Democracia uma efêmera proposta tachista do Salomão Muchanga. Há tambem o AMUSI, que decidiu confinar-se em Nampula.

 

Samora Machel Júnior era a esperança dessa quarta força pois ela deve necessariamente ter origem num certo "breakaway" na Frelimo, tal como o MDM resultou duma certa dissidência na Renamo. Ele se recusou a avançar e muitos eleitores ficaram órfãos de uma proposta política mais moralizante, mais responsável para com o bém público e que, em vez de passeatas com promessas com sexos dos anjos, apresentasse medidas de política comcretas para viabilizar Moçambique, dentro de um marco ideológico de esquerda.

Essa ausência vai certamente explicar a grande taxa de abstenção que prevejo, beliscando a legitimidade dos que forem eleitos. Até quando?

terça-feira, 08 outubro 2019 05:40

Anastácio Matavele e um certo banditismo de Estado

O assassinato Anastácio Matavele, em Gaza, é se calhar o indicador mais tenebroso de que a Frelimo ainda se retroalimenta numa narrativa de intolerância política, e, como controla o aparato securitário, num certo banditismo de Estado. As pedradas e pauladas com que militantes impunes da Frelimo se fazem a opositores desarmados em Gaza e por aí além podem não ser o corolário de uma cartilha centralmente redigida, mas o silêncio da cúpula ao mais alto nível, incluindo o silêncio do seu Director de Campanha, o Ministro Celso Correia, mostra que há um certo grau de anuência tácita que protege assassinos a soldo em nome da sua perpetuação no poder.

 

Uma cumplicidade atroz! E assim a Frelimo se mostra alinhada na barbárie.

 

Anastácio Matavele era um senhor activo na sociedade civil em Gaza, um veterano do Fórum Local de ONGs. Apesar de controverso às vezes, nomeadamente nas guerrinhas de “posicionamentos” das ONGs em temas diversos como nos debates recorrentes sobre o “combate à pobreza a la PARPA II”, Matavele era no fim do dia um homem coerente e focado na sua luta. Seu lugar era o da sociedade civil, a partir donde fazia uma “oposição” não partidária ao Governo, com centro na capital do Frelimistão, Xai-Xai. Era um homem incómodo para quem governasse uma província considerada lugar de passeata.

 

A presença de Matavele como coordenador da Sala da Paz, representando o conglomerado de ONGs que fazem a monitoria eleitoral, assustou os mais indefectíveis cultores de uma Gaza onde a oposição não tem espaço. Com Matavele (a Sala da Paz, o CIP e outros actores) a observação eleitoral estava a ser incisiva, com toda a sujeira das pedradas e pauladas e o tom sanguinário da campanha da Frelimo contra a oposição vindo ao de cima.

 

Ele foi assassinado por 4 homens armados até aos dentes. Os relatos apontam que dois morreram logo a seguir; o carro do assalto se despistou. Os outros dois deviam ser os derradeiros confessos autores de um crime político que mais uma vez vai ficar impune. Sua confissão, como sempre, não vai acontecer. Como em Cistak, os esquadrões da morte são instrumentos de um Estado penetrado pelo crime organizado. E por isso, todos os operacionais que actuam nesse expediente macabro gozam da vil protecção desse banditismo de Estado que nos Governa. Na ressaca de 27 anos de uma paz indizível, a política em Moçambique ainda derrama sangue para vingar!

quarta-feira, 21 agosto 2019 05:51

Pagar os Nhongos e desarmá-los sem sangue

Filipe Nyusi deve mesmo perder algum tempo com os Nhongos da Renamo, resquícios do lado mais sinistro do “pai da democracia”, Afonso Dhlakama. O Presidente Nyusi entrou nesta empreitada de pacificação com um profundo registo anti-bélico e é assim que deve continuar até ao fim: negociar com os homens.

 

Ao contrário do que muitos consideram, os Nhongos da Renamo não são apenas produto das desavenças internas no movimento rebelde. E de nada vale agora, nos grudarmos numa plateia horripilante de cinismo, incapazes de gesticular a linguagem da paz sem balázios nas kalashes, só porque nos enche o ego constatar que, afinal, a Renamo era uma turma heterogênea de ambição e ganância.

 

Aliás, o Nhongos da Renamo são também produto dos sucessivos Governos da Frelimo. Desde as eleições de 1999, quase perdidas pelo partidão, que o Governo e Dhlakama engendraram uma fórmula de paz podre. Dhlakama vociferava e a Frelimo, consciente das maracutaias eleitorais, lá abria os cordões à bolsa. Joaqum Chissano foi exímio na monetização dessa paz podre, pensando que era o caminho do fim da Renamo bélica. Mas não!

 

Dhlakama usou esse estratagema para perpetuar sua guarda canina. E esgrimir a linguagem do regresso à guerra para arrecadar mais uns tostões do Governo virou um “modus vivend” da sua tropa. Por isso é que ele nunca quis fazer política sem armas em Maputo. Os Nhongos da Renamo beberam profundamente de suas táticas. E estão a usá-las novamente. Lançar a ameaça de pânico para buscar uma recompensa.

 

Mas é claro, hoje, que os Nhongos tem a consciência de que chegaram ao fim da linha. Com o acordo precário assinado por Ossufo Momade, eles pretendem uma saída airosa das matas: dinheiro. Filipe Nyusi não tem outra opção senão dar largas à sua diplomacia de paz. Falar com os Nhongos, pagá-los e desarmá-los de uma vez por todas. Para o PR, não há outra saída airosa. A não ser que ele queira pintar de sangue esta etapa derradeira de um consulado onde uma pacificação sem violência foi sua jóia de coroa.

Cada vez mais avultam seminários sobre “fake news”, onde se discute toda a teoria à volta da matéria. Nos eventos são feitas generalizações e, raramente, são apresentados casos concretos de “fake news” produzidos pela imprensa profissional. Aliás, o principal culpado para a profusão do fenómeno são as “redes sociais” e o cidadão comum que, hoje, por via das redes, pode emitir o seu “noticiário”.

 

Esta semana, a comunicação social moçambicana e alguma estrangeira replicou uma “fake news” a todo o vapor, num golpe inocente contra a sua credibilidade. E muitos leitores não se aperceberam da mentira, dada a voracidade com que hoje se consomem notícias. Os mais atentos riram-se. Eis os factos.

 

 

Na passada terça-feira, o “Notícias” publicou um artigo dando conta do acórdão do Tribunal Superior de Recurso (TSR) respondendo a um recurso de três arguidos das “dívidas ocultas”, Ndambi Guebuza, Sérgio Namburete e António Carlos do Rosário, interposto em Fevereiro, solicitando liberdade provisória sob a alegação de que sua prisão tinha sido ilegal.  O artigo do “Notícias” era claro, mas não especificava que o acórdão se referia a uma acção imediata da defesa após a legalização da prisão preventiva dos arguidos pelo juiz Délio Portugal.

 

 

Na mesma terça-feira, a notícia correu viral. Uma vastidão de jornais, tendo como base o texto do “Notícias”, escrevia que o TSR tinha recusado um alegado pedido de “habeas corpus” dos visados. “Negado mais um pedido de “habeas corpus” de Ndambi Guebuza”, foi um dos títulos num jornal estrangeiro, citando a Lusa. A notícia sobre a recusa de “habeas corpus” percorreu meio mundo, com ecos na imprensa estrangeira. Mas essa replicação do artigo do “Notícias” estava deturpada. Construiu-se uma mentira. Uma verdadeira ”fake news”. A Lusa foi um dos órgãos que embarcou nesse noticiário, eventualmente induzindo os jornais portugueses que replicaram o seu texto, o qual referia taxativamente ao pedido de “habeas corpus”.

 

 

Mas o facto é que o TSR não decide sobre “habeas corpus”. Quem decide é o Tribunal Supremo (TS). O TSR estava apenas a reagir a um recurso à prisão preventiva, de Fevereiro, quase cinco meses depois. Ou seja, a menção ao “habeas corpus” foi inventada. Na verdade, o TS tem em mãos, desde 25 de Julho, um recurso extraordinário de “habeas corpus”, interposto por alguns reclusos depois da expiração dos prazos da sua prisão preventiva a 24 de Julho. Mas, apesar de estar sujeito a um prazo constitucional de oito dias para decidir sobre esses pedidos, até ontem o TS não o tinha feito.

 

 

O que terá induzido os jornais a concluírem que a decisão do TSR era sobre este pedido de “habeas corpus”? Não sabemos! O facto é que a “fake news” sobre uma alegada recusa de “habeas corpus” pelo TSR a Ndambi e companhia tornou-se viral. E foi uma “fake news” criada e replicada por órgãos de grande respeitabilidade nacional e estrangeira. (Marcelo Mosse)

quarta-feira, 07 agosto 2019 06:03

60 milhões para quem gerir?

Ontem, já quase no final da “passerelle” dos discursos alusivos ao “acordo oculto” da Paz Definitiva, quando Federica Mogherini anunciou os 60 milhões de USD para as etapas subsequentes, vislumbrei alguns olhares reluzindo de contente. Vai haver boa fruta! Tecnocratas e lobistas que lidam com a mola que cai nas contas do Governo já estão esfregando as mãos, planeando seus recorrentes esquemas.

 

Mas este dinheiro, os 60 milhões, está directamente ligado à Paz Definitiva. Mogherini não foi detalhada sobre quem vai ser o beneficiário directo dos fundos. Também não era momento para determinar os Termos de Referência para o uso do montante, embora ela tenha dado a entender que o dinheiro era destinado a financiar projectos com efeito na população em todo o país!

 

Não! O dinheiro da Paz Definitiva não é para combater nossa pobreza geral. Não é para entrar no orçamento do Estado e desaparecer nos duvidosos critérios de distribuição de renda do Governo ou ser capturado nos sinistros processos de procurementcorruptos que caracterizam as intervenções do executivo no terreno.

 

Nem é para trazer para Moçambique uma catadupa de ONGs europeias (que também já esfregam as mãos), para virem cá meter esse dinheiro nos seus bolsos, com projectos com altas taxas de assistência técnica, que consomem mais de 60% de orçamento só para salários.

 

O dinheiro, deve ficar claro, é para a Paz Definitiva. Por outras palavras, é para financiar a reinserção social dos combatentes da Renamo e ponto final! Isto deve ficar claro e definitivo nos Termos de Referência. Haverá custos com a integração dos oficiais da Renamo nas Forças de Defesa e Segurança, mas estes devem ser custos marginais. O Estado deve arcar com o essencial desses custos.

 

Os 60 milhões não devem ser entregues ao Governo. Em Moçambique já há organizações não estatais com experiência na gestão deste tipo de projectos de reinserção social e devem ser convidadas a dar o seu contributo. Com sua comprovada experiência e inserção cultural e geográfica no território nacional, esses dinheiros serão aplicados de forma mais efectiva para uma paz sustentável. Importa recordar que o calar das armas não significa necessariamente a Paz. É preciso que a pobreza e exclusão social e económica sejam atacadas por quem já provou, aqui na nossa terra, que sabe como isso se faz. Os 60 milhões nas mãos do Governo comportam um risco tremendo: o risco de todo o edifício pensado para a Paz Definitiva ruir mesmo antes de se escavar as suas fundações. 

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