Director: Marcelo Mosse

Maputo -

Actualizado de Segunda a Sexta

Textos de Marcelo Mosse

Em Setembro de 2015, o economista Carlos Nuno Castel-Branco e o editor do mediaFax Fernando Mbanze, foram absolvidos num caso promovido pelo Ministério Público, que os acusava de calúnia e difamação contra a figura do ex-Presidente Armando Guebuza. Em 2013, Castel-Branco publicara um texto no Facebook e no mediaFax, dizendo, entre outras coisas, que Guebuza estava fora de controlo e que devia sair de cena, levando consigo seus patos. O juiz de direito do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo, João Guilherme, desconstruiu eficazmente o libelo acusatório. O MP recorreu ao Tribunal de Recurso da cidade de Maputo, que acaba de confirmar a absolvição. Ou seja, a acusação perdeu redondamente. Os argumentos do colectivo de juízes defenderam veementemente a liberdade de expressão e de imprensa e frisaram que a figura de Presidente da República está nos holofotes do escrutínio público e isso era uma das essências da democracia.

Filipe Nyusi anuncia, no domingo, o regresso faseado às aulas. E diz que caberá ao Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano garantir que isso seja feito. A Ministra da Educação, Carmelita Nhamashulua, sai do Conselho de Ministros, ontem, e atira a bola para o Ministro da Saúde:

 

“Ainda não há data específica para o retorno às aulas. Em todo o país existem cerca de 667 escolas secundárias e apenas 300 é que têm condições sanitárias adequadas, entretanto, independentemente do que for feito, cabe ao Ministério da Saúde autorizar a reabertura das escolas, dependendo também da evolução epidemiológica dos casos”.

 

Todos sabemos que Carmelita é uma maestrina na fuga às suas responsabilidades. Não diz o que vai fazer em cada uma das 367 escolas secundárias "sem condições sanitárias adequadas".

 

Onde estão os 309 milhões de USD do FMI? Ja passam dois meses, e ninguém diz nada. Aliás, sempre que o executivo abre a boca só fala em repressão, com gente morrendo de fome nas cidades.

 

Eis um Governo sem norte na crise do Covid 19. Filipe Nyusi anuncia um regresso faseado as aulas com "timing" improvável. A não ser que ele não equacionou a dimensão sanitária. Se é isso, então o caos está contemplado (basta olhar comparativamente para lá fora). Se não é isso, como é o Governo vai higienizar todas as escolas em menos de 1 mês?

 

Mas, voltando à ministra Carmelita, afinal tudo depende da "evolução epidemiológica". Só que, é claro que, ouvindo do Dr Ilesh e a OMS, a coisa ainda vai piorar.

 

Eis o Governo numa retórica contraditória, envolvendo até o PR. Eis o país em que vivemos!

segunda-feira, 15 junho 2020 06:50

Estátuas, revisionismo e memória curta

Inhambane também teve sua estátua colonial. Vasco da Gama. Imponente. Era um símbolo da dominação colonial erigido na Praça mais “in” da Cidade, hoje Praça da Independência. Foi removida para os fundos dos estaleiros da edilidade, ainda em finais de 70, pouco depois da Independência. Para além dessa estátua, em Moçambique, as de Mouzinho de Albuquerque e de António Enes foram retiradas para o Museu da Fortaleza. A de Salazar também, por representar o poder colonial opressor.

 

Mas nessa onda de remoção, escaparam alguns monumentos: a estátua de Luís de Camões continua de pé na Ilha de Moçambique. E na Praça dos Trabalhadores (antiga Mac Mahon), temos aquele monumento aos mortos (moçambicanos e portugueses) na Primeira Guerra Mundial. São duas heranças do colonialismo, mas convivem salutarmente com as estátuas de Samora Machel, Eduardo Mondlane e Francisco Manyanga, em Maputo.

 

Camões havia sido removido na Ilha, mas foi reposto. Porquê? Em troca dalguma cooperação? Não sei! Creio que sua ligação à língua, com sua obra, pode ter sido uma razão. Afinal, o português é a nossa língua.

 

Um todo por todo o mundo há uma onda de revisionismo da história na sequência do “Black Lives Matter”, movimento de repúdio à injustiça racial, nascido do horrendo assassinato policial de George Floyd. Nos EUA, foi removida a estátua do general Robert E. Lee, comandante das forças sulistas na guerra civil, causa principal da defesa da escravatura no Sul. No Reino Unido, a estátua dum esclavagista foi deitada ao rio em Bristol. Tenta-se remover Cecil Rhodes, em Oxford. Ele foi o motor do colonialismo britânico no Sul de África, tendo dado nome a dois países, Rhodesia do Sul (Zimbabwe) e Rhodesia do Norte (Zâmbia).

 

Um brutal assassinato racista e a memória do povo se rebela contra os símbolos da injustiça do passado. No caso da escravatura, falta debater o papel dos chefes locais e a escravatura para a Ásia, pouco falada. Por outro lado, um dia gostaria de ver estes movimentos, sobretudo os da Europa, numa luta em defesa da compensação africana pela pilhagem do colonialismo europeu (ontem) e pela apropriação ilícita dos dinheiros que nossas elites corruptas (há também uma comparticipação local) roubam-nos e depositam em seus bancos (hoje). Basta de memória curta! (Marcelo Mosse)

terça-feira, 26 maio 2020 05:44

Uma Comissão de Censura para o Gustavo Mavie

Gustavo Mavie

O melhor argumento que eu usaria, se estivesse no lugar do Gustavo Mavie, era evitar ser juiz em causa própria. Eu, eu, eu, eu... Aqui não tem Ética, não! Perante a catadupa de críticas que ele vai recebendo, desabonando sua escolha para a Comissão de Ética, Mavie continua sua campanha “eleitoral”, tentando vender seus atributos de “patriotismo, competência e resiliência”. Melhor seria permanecer calado, e deixar esse trabalho para seus amigos, que têm-no feito com unhas e dentes.

 

A conversa sobre sua inaptidão para a Comissão de Ética baseia-se numa alegada má gestão da AIM, quando ele era director lá, aparentemente julgada pelo TA. Mas o melhor argumento para se desconstruir sua postura anti-ética não está aqui (estes relatórios de inspecção e auditorias são manipuláveis e falíveis).

 

A melhor fonte de aferição da postura anti-ética do Gustavo Mavie são os seus escritos. Seus lençóis de texto onde ataca e insulta quem tem pensamento crítico sobre o rumo da sociedade [recentemente meteu-se com os sociólogos Patrício Langa e Elísio Macamo; Langa propôs um debate sobre Poder e Ensino Superior; Gustavo acusou-lhe de estar a atacar o regime do dia: o debate morreu em decorrência dessa sua desonestidade intelectual].

 

Façam-lhe uma análise de conteúdo e vão descobrir uma personalidade barricada na vingança, panfletária, muitas vezes defendendo o indefensável, forçando argumentos com suas citações rebuscadas, para dar um ar de cientificidade. Um puro “loose cannon”, atirando contra tudo e todos que pretendam debater o rumo de Moçambique. Ele é o anti-debate em pessoa, parecendo mais Frelimo que qualquer um.

 

A Comissão de Ética é para ser preenchida por figuras que, mesmo sendo militantes, demonstraram uma postura pública equilibrada, em defesa da verdade, da razão, da Lei; figuras com uma dose de respeitabilidade na opinião pública, por suas intervenções honestas. Gustavo Mavie não encaixa nisso. Ele é um bom comissário político. Ele funcionaria melhor numa Comissão de Censura.(Carta)

quarta-feira, 20 maio 2020 05:31

O Museu dos Algozes

Anteontem, no Dia Mundial dos Museus, pensei sugerir aqui uma ideia para marcar a data, uma ideia “museulógica” mas, atarefado, perdi a engrenagem. Contudo, a ideia ainda me atravessa a garganta. Duvido, no entanto, do seu consenso. Trata-se de um museu nacional do agreste, no sentido bucólico do termo.

 

Uma coisa para documentar os aspectos mais negros da nossa história recente. Temos a preguiçosa mania de escrever pouco, em livro, sobre o presente. No Brasil, a lava-jato deu dezenas de livros. Imagino agora a matéria-prima bolsonara. Na RAS, o Guptagate encheu as prateleiras da Exclusive Books.

 

Aqui, as Dívidas Ocultas ainda não fizeram um livro, mesmo pejadas de personagens romanescas como os Nhangumeles, o meu ndriyango. De modo que um museu faria sentido. Caberia lá tudo de pária que domina nossa sociedade. O crime organizado. Os raptos. A corrupção desenfreada. As próprias dúvidas ocultas.

 

Exporíamos os raptores usando os bichos recorrentes do Idasse Tembe. Dos algozes do Carlos Cardoso existem imagens à catadupa. Da dívida sinistra tão muita. Seria um museu de imagens e memórias negras das vítimas, do povo sofrido. A ideia é que nossa sociedade se textura entre enredos negros, tenebrosos. O sangue dos nhongos a centro, adiando vidas. E o horror fétido a norte, que nos despedaça como nação. Um museu não serve também para estas coisas?

 

Um Museu dos Algozes? (Marcelo Mosse)

O empresário Juneid Lalgy mostrou que não é um paraquedista no futebol. Ele não está para se servir do futebol; está servindo o futebol. Desde Fernando Gomes, do Nova Aliança da Maxixe, que eu não via um verdadeiro empresário devotado ao desporto-rei, abnegado, sem interesses obscuros. Um carola como havia antigamente.

Juneid levou o Chibuto ao "Moçambola". Imaginem! Agora quer fazer história com o ABB (Associação Black Bulls), da Matola. Deve ter percebido que estar no grande Maputo é um trampolim para voos mais altos. Sua academia de formação é das melhores do país. Ninguém apostou tanto na formação como ele. E ontem apresentou um cheirinho do Estádio de Futebol que está a erguer, um complexo desportivo.

 

Quem é o empresário que fez igual em Moçambique, depois da independência, construindo um campo de raiz? Nem o Estado! Zimpeto foi uma boleia chinoca. Aliás, ao longo dos anos, ao invés de construir, destruímos nosso parque desportivo, algum vendido ao desbarato e depois queremos o futebol em lugares que não merecemos.

 

Empresários de verdade como Juneid Lalgy são necessários no nosso desporto. E devem ser acarinhados. Este texto é minha maneira de tirar o chapéu diante de uma obra ainda em curso, mas que dá conta, sem batota, da presença de um homem erguendo uma história de sucesso no nosso futebol.

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