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Textos de Marcelo Mosse

quinta-feira, 04 julho 2019 07:19

Filipe Nyusi: “lobistas” ou tarefeiros?

Em Lisboa, o PR Filipe Nyusi admitiu que existem “lobistas” dentro no nosso espectro político-económico e que isso era normal (“profissional”) pois nem todos os empresários conseguem fazer tudo. Alguns não conseguem tratar determinados expedientes (uma carta de condução ou uma licença) e vai daí surgir o “lobista” que, com o seu talento, consegue fazer andar a engrenagem.

 

Eis o Presidente Nyusi noutra enroscada conceitual!

 

Ele admite que existem “lobistas”. Certo! Mas falha redondamente quando tenta descrever o perfil do “lobista”, confundindo-o com um simples tarefeiro. Pois aqui é que está o problema. O tarefeiro é um prestador de serviços. E isso é legal. Em Moçambique, há centenas de pequenas empresas criadas para prestar os serviços que o PR atribui ao “lobista”. Por exemplo, o tratamento de vistos ou a renovação do BI e do DIRE. Na actual crise dos BIs e passaportes, a que ninguém consegue pôr cobro, são dezenas de tarefeiros que nos contactam todos os dias pedindo-nos para investigar o que é que se passa.

 

Estes não são “lobistas”, senhor Presidente. Estes são faxineiros que procuram ganhar a vida na tramitação de documentos dentro dos procedimentos normais da administração pública.

 

Já o “lobista” é uma figura mais sofisticada (e quase sinistra) e que procura ganhos astronómicos através do tráfico de influências e isso ainda não está legislado em Moçambique. Teófilo Nhangumele é o protótipo de um “lobista” por excelência. Conseguiu convencer todo um Estado a comprar um projecto legítimo de segurança costeira. Traficando influências, ele ganhou o seu quinhão.

 

O nosso “lobista”, senhor Presidente, usa colarinho branco. Geralmente é filho de dirigente ou membro do SISE. Nos tempos de Armando Guebuza na Ponta Vermelha, eram tantos os “lobistas” que cobravam 10 mil USD para facilitarem encontros entre investidores estrangeiros e o dito-cujo. Eram os “lobistas” sangue-sugas. Sentavam-se no Polana com a missão de estabelecer pontes entre quem vinha de fora à procura de uma oportunidade e o poder político local, num contexto, pois, de ambiente de negócios demasiado dependente das traficâncias de influências ao mais alto nível.

 

E houve quem conseguiu se endinheirar nesse desiderato. Durante o guebuzismo, nossos “lobistas” até chegaram a ir ao Brasil tentar vender negócios à Vale em nome do guebuzismo mesmo que Guebuza não soubesse disso. Hoje, uns são seus ministros senhor Presidente!

 

O “lobista” em Moçambique não é uma figura normal para o ambiente de negócios. Porque ele interfere no procurement público. Nosso “lobista” paga suborno para conseguir ganhar um concurso e isso não é saudável. O que se passa com os BIs e passaportes decorre mesmo disso. Ao invés de uma adjudicação transparente, o processo decisório na contratação do novo provedor foi de acordo com a voz do “lobista”. E é o que se vê.

 

Mas o que fazer? O “lobista” usa a Frelimo para conseguir vingar. Aliás, nos últimos anos eles perceberam que ter a Frelimo no bolso era uma carta-branca para o sucesso. Por isso, em processos eleitorais internos na Frelimo, haverá sempre “lobistas” a investirem rios de dinheiro na compra da consciência dos militantes. E depois investem também fortemente nas campanhas eleitorais. A sua anterior campanha, caro Presidente, foi prova disso: havia uma grande competição entre “lobistas” para pagarem as suas despesas de campanha. E houve rios de dinheiro gastos nessa empreitada.

 

Em Lisboa, ao mencionar o facto de termos “lobistas”, o Presidente fez muito bem. Pelo menos agora muitos vão poder falar do assunto e é provável que se abra um debate na sociedade. Porque há muita gente que vive do “lobby” mas a actividade não é claramente legal. Alguns trazem negócios e ganham o seu “sucess fee” mas será que pagam impostos? Outros trazem negócios, como o Mateus Zimba, ganham as suas “comissões” e acabam nas malhas da corrupção, mesmo que o Estado não tenha sido lesado. Precisamos mesmo de um debate aberto sobre o que é isso de “lobby” em Moçambique e como é que a actividade pode ser legalizada a bem da transparência nos negócios. Mas nada de confundir “lobistas” com tarefeiros! 

Completamente embrenhado na sua pré-campanha eleitoral, esquivando-se na figura de Presidente da República, Filipe Nyusi deu, há dias, um ar de pouca graça, mostrando o quão está completamente desfocado quando se mete a falar sobre corrupção. Foi em Mapai, nas profundezas de Gaza. O Presidente disse que tinha uma lista de médicos e enfermeiros envolvidos em corrupção. E ameaçou: vamos perseguir!

 

Assim mesmo, o candidato da Frelimo, que é o actual Presidente da República, tem a vontade de fazer-se de Polícia. Com a corrupção desenfreada – virou modo de vida a todos os níveis – Nyusi parece não ter armas nem visão sobre como abordar o fenómeno. Ao invés de incentivar o trabalho das entidades do Estado que devem prevenir e repelir a corrupção, ele decidiu exibir seu dedo persecutório, como quem quer implantar um Estado policial contra os funcionários públicos de baixo escalão.

 

Mas foi sempre assim. O Presidente Nyusi quando tenta falar sobre corrupção cai, facilmente, numa retórica desastrada, desfocada. Seu consulado nunca esboçou uma ideia sólida de reforma anti-corrupção. Com Joaquim Chissano, o aparato institucional foi melhorado com o estabelecimento da Unidade Anti-Corrupção (UAC), depois transformada no actual Gabinete Central de Combate à Corrupção (GCCC).

 

Com Armando Guebuza tivemos uma substancial melhoria do quadro regulatório, com o estabelecimento da Lei da Probidade Pública. Com Nyusi, é legítimo dizer que nada andou. Nenhuma reforma foi feita. As evidências do saque ao bem público ficaram expostas com o calote da dívida oculta e, nos últimos anos, seu Governo fez tudo para proteger os prevaricadores, não fosse a prisão de Manuel Chang por ordens da justiça americana. E a reacção penal não anda; ou anda a passo de camaleão e, na maioria das vezes, com sinais claros de violação de preceitos legais e de garantias constitucionais dos cidadãos.

 

Em Mapai, Filipe Nyusi mostrou como está equivocado, completamente sem norte quando aborda a corrupção. Por exemplo, disse que distinguir pequena da grande corrupção era uma falácia. Que tudo era igual. Pior, ele declarou que a corrupção que mais afecta as classes baixas da sociedade era a corrupção do enfermeiro, do médico da maternidade, do funcionário da migração, que cobra para emitir passaportes. Ou seja, a pequena corrupção. Eis o desfoco total do Presidente. Ele está mesmo precisando de umas pequenas aulas sobre probidade e ética na esfera pública.

 

A distinção entre pequena e grande corrupção é uma distinção operacional. Ajuda na análise ao fenómeno e na busca dos remédios para a sua cura. Misturar tudo no mesmo saco só serve a quem não quer tocar na ferida e insiste em olhar a corrupção apenas como o mal perpetrado por funcionários públicos. É o que faz Filipe Nyusi.

 

Em Mapai, ele recusa a distinção, mas acaba falando apenas da pequena corrupção, e é isso que convém à Frelimo, um partido afinal mergulhado na grande corrupção. É fácil apontar o dedo aos médicos e aos enfermeiros que falar do efeito nefasto das “dívidas ocultas”, contraídas pela elite do regime. É fácil dizer que a pequena corrupção é mais prejudicial para as classes baixas, pois isso evita que se toque na ferida profunda que a crise causada pelo endividamento ilegal causou na maioria das famílias moçambicanas.

 

A escolha da corrupção do funcionário público como alvo parece ser uma artimanha para Filipe Nyusi esconder a vergonha que são os negócios públicos deste país, controlados por lobistas sem dó nem piedade, que ganham milhões traficando influências, intrometendo-se no grande procurement público e vendendo ao Governo, grosso modo, muitos serviços que não passam de gato por lebre, degradando a qualidade das instituições do Estado. Adivinhem quem, recentemente, forneceu a máquina de Radioterapia que Filipe Nyusi inaugurou, a 28 de Março, no Serviço de Oncologia do Hospital Central de Maputo. Adivinhem!

 

Para a população de Mapai é melhor falar no funcionário da migração que atrasa com o passaporte quando a emissão do documento de viagem (e dos BIs) está refém de uma gang que conseguira um contrato (ilegal e ilegítimo) com o Estado para oferecer um serviço de soberania. (Tal como no passado, o Estado ofereceu a inspecção não intrusiva a uma empresa privada, participada pela holding da Frelimo, a SPI, há poucos anos oferecemos a produção de BIs e Passaportes a uma empresa estrangeira, de conduta suspeita, chamada Semlex, belga.

 

Agora que essa gang foi empurrada para fora do negócio (por outra gang ligada a uma família do topo em Moçambique) eis que a geringonça dos BIs e Passaportes já não anda. Na fábrica, quando os técnicos da Malbauher, a nova concessionária, tentam imprimir o BI biométrico e novos passaportes sai tudo branco. O pior é a alegação de que afinal toda a base de dados com nossos dados de identificação está depositada em servidores fora do país, tudo refém da Semlex, zangada por seu contrato ter terminado.

 

Ou seja, toda a máquina de produção de BIs e passaportes está emperrada em Maputo, num gigantesco emaranhado de corrupção protagonizado por agentes de colarinho branco bem conectados na hierarquia do poder e o Presidente sabe disso. Mas em Mapai, Nyusi prefere lançar para a fogueira o pobre funcionário público da Migração.

 

Ao evitar a distinção entre pequena e grande corrupção (mas focando seu discurso na pequena corrupção), Nyusi mostra como o programa da Frelimo não visa mudar as coisas. Como é que Filipe Nyusi insiste na perseguição dos médicos que trabalham nos distritos, como seu grande cavalo de batalha contra a corrupção, quando nos últimos anos as evidências mostram que as finanças públicas estão a saque em montantes astronómicos e ele nada diz sobre isso?

 

Todos os dias são publicados na imprensa anúncios de adjudicação de bens e serviços ao Estado que são de arrepiar. O mais recente que nos chegou às mãos tinha tanto de ridículo como de arrogante. A contratação de empresa de hortícolas em Chimoio (15 milhões de Meticais) era adjudicada a uma papelaria. Como este, são vários os anúncios mostrando como o bem público está a saque em Moçambique. E o assunto já tem barbas. A reforma do procurement público, com o apoio dos doadores nos anos 2000, acabou sendo um grande fracasso. A lei até pode ser boa, mas a prática é perversa. Se Nyusi mandasse recortar todos os anúncios de adjudicação claramente manipulados teria consigo uma lista fecunda de casos a perseguir, representando vários milhões de USD.

 

As evidências da manipulação do procurement são tão patentes que leva a estranhar o silêncio do Governo sobre o assunto. Nunca nenhum governante saiu à rua mostrando sua contrariedade. Todos os ministros aprovam a roubalheira em curso. Seu silêncio é tão gritante que até dá para suspeitar se essas adjudicações rocambolescas não envolvem a canalização de uma taxa de corrupção para o partido Frelimo. Em ano eleitoral, pode ser provável que a Frelimo se vá financiar nesse lamaçal de improbidade.

 

Ouvir o Presidente Nyusi falando sobre corrupção em Mapai foi penoso. Revelou-se um homem sem ideias e sem orientação. Com a campanha eleitoral à porta é de esperar que o Presidente seja mais assertivo e apresente ideias claras sobre o que vai fazer para controlar a corrupção. A sociedade moçambicana precisa de um programa claro para lidar com o fenómeno. A prisão dalguns peixes-graúdos já não é suficiente para nos convencerem de supostas boas intenções. Falta um élan programático com reformas tangíveis mas que exigem coragem. X

É mesmo isto que vai acontecer. Com o aproximar dos 90 anos do nosso Lilinho Micaia, o poeta de “Mãe negra...embala seu filho”, ou seja, para os não conhecem sua versão literária, os 90 anos de Marcelino dos Santos, figura que se confunde com a génese da Frelimo e do Estado-nação que hoje somos, combatente nacionalista de primeira hora, na véspera do seu nonagenário, a Frelimo e o Estado vão sai à rua para exultá-lo, reerguê-lo ao pedestal mais alto do heroísmo nacional. Vai sair toda uma nata de ”frelimos” exaltando Marcelino. Contando suas façanhas e sua abnegação à luta. É normal que assim seja. Mas, mas não devia ser!

 

É criminoso o uso de linguagem ofensiva em público. Sim, em público, porque as redes sociais como o Facebook atingem um público vasto. E as mensagens nelas publicadas são copiadas e enviadas para milhares de pessoas.

 

Não conheço a Srª Alice Tembe. E não tenho a certeza de que o comentário tenha sido feito por ela. Mas como eleitor e cidadão, não gostaria de ser representado por alguém que se comporte desta maneira. 

 

Então, espero que a AR não fique indiferente e faca imediatamente o seguinte:

 

1. Averiguar, ouvindo a Deputada e apurar informaticamente de onde foi emitido o comentário publicado no mural de Yola Bernardo.

 

2. Confirmada a autoria, instaurar processo disciplinar para julgamento, por violação de deveres estatutários.

 

 3. Aplicação da competente sanção (eventualmente a perda do mandato).

 

Simples e eficaz quanto isto.

 

A bancada da Frelimo devia tomar a iniciativa, distanciando-se do ignóbil comentário e pedindo até desculpas à jornalista Fátima Mimbiri. Para mostrar um cometimento com a decência, a Frelimo não precisa de fazer muito contorcionismo. Pode marcar pontos com gestos simples que remetem para o civismo e para o respeito do ponto de vista contrário. A sociedade apreciaria!

Hoje, na AR, o deputado da Renamo, António Muchanga, voltou a “brilhar”. Mas ele só faz sua passeata acutilante porque a Frelimo se demitiu de fiscalizar o Governo e se abalou do prato da balança dos contrapesos necessários ao peso do executivo e do judiciário. No parlamento, a bancada da Frelimo é uma nulidade circense. Um grupo actuando completamente desfasado das aspirações da sociedade. O discurso do grupo parlamentar da Frelimo sobre as “dívidas ocultas” não tem pensamento nem ideologia. É politiquice de mau gosto, a táctica da avestruz, como mostrou o penoso discurso do deputado Francisco Mucanheia. Tiros no pé que certamente sairão caros em ano eleitoral.

 

Mas o grupo parlamentar da Frelimo é apenas a imagem mais penosa de um partido que deixou de discutir o país para se preocupar apenas com a discussão de tachos entre pares e o comércio de influências entre suas famílias mais notáveis em busca da impunidade e da protecção recíproca.

 

A presença de Beatriz Buchili hoje na AR era uma oportunidade para a Frelimo mostrar que está disposta a sacudir a poeira de muitos anos mergulhado na complacência com a corrupção e com um sector de justiça amorfo, cujo estado é tão lastimável que nem os esforços mais recentes chegam para nos atiçar a chama da esperança. A actual reação penal contra a roubalheira deve ser aplaudida mas ela ainda não provou nada. Só com condenações transitadas em julgado poderemos lograr cantar hossanas. Mas até aqui, nada feito!

 

Ao longo dos últimos anos a inércia foi tanta que, agora, com este súbito despertar, há novos temores no firmamento: uma percepção de que essa mesma inércia sedimentou e escondeu doses enormes de incompetência. E o risco subsequente, cada vez mais perceptível, é o de termos hoje uma justiça que se quer impor fazendo tábua rasa das liberdades e garantias constitucionais dos cidadãos. Eis o risco, repito, o risco de anos sem fim de desinvestimento num sector essencial para o nosso progresso colectivo – e esse desinvestimento teve como objectivo último garantir a im(p)unidade das franjas de rapina da Frelimo, mergulhadas numa cultura de tráfico de influências nos negócios do Estado e repartição de comissões ilegais como modo de vida.

 

Hoje, nem o pesadelo das “dívidas ocultas” muda a política da Frelimo. Seus deputados e militantes não percebem que já deviam ter abandonado a cegueira política e barricarem-se em defesa da sociedade. E defender a sociedade é tudo o que se pode fazer para granjear as simpatias dessa mesma sociedade, que hoje, como trágica alternativa, se acoita no demagogo deputado da Renamo, António Muchanga (que recentemente perdeu as eleições municipais na Matola por um voto e remeteu-se a um silêncio estranho) para ser o veículo derradeiro das suas demandas.

 

Ou seja, a sociedade decidiu canalizar para o deputado Muchanga todas as suas mágoas; é ele quem as transporta na AR, tornando-se a voz da transparência e da boa governação, ele que nem tem créditos firmados nessas matérias; é apenas um vozeirão cacofónico que apela às massas. Tal como Julius Malema na África do Sul, que vezes sem conta é usado por militantes do ANC para criticar políticas do ANC, em Moçambique é Muchanga quem faz o expediente de muitos militantes da Frelimo que não se reveem no registo insosso da sua bancada no parlamento e na deriva do governo do dia.

 

Por outras palavras, boa parte das demandas que Muchanga faz não são genuinamente do seu campo político. São as agendas do progresso, que a Frelimo abandonou. No parlamento, Muchanga capturou partes relevantes do discurso e da agenda que a Frelimo finge ter mas navega nos antípodas. E isto é uma grande tragédia para um partido que continua alimentando a passeata solitária do deputado.

 

Esta é a grande tristeza que vivemos hoje em Moçambique: a Frelimo abandonou completamente o discurso crítico construtivo dando lugar ao triunfo do populismo do bota-abaixo destrutivo encarnado pelo senhor Muchanga. E, numa sociedade sem diversão, as picardias de Muchanga contra o novo-riquismo torpe da Frelimo assente no roubo ao Estado fazem um número pleno. Todo mundo exulta...e exalta! Nas redes sociais a farra é de arromba. A política, essa passa ao lado. Ninguém está interessado em construir uma sociedade sã. É o descalabro em que vivemos. Dum lado, a avestruz embrenhada em seu refúgio; doutro um vozeirão destrutivo. E uma plateia aplaudindo! Comédia ou tragédia? (Carta)

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