Director: Marcelo Mosse

Maputo -

Actualizado de Segunda a Sexta

Textos de Marcelo Mosse

O ciclone IDAI foi tão devastador que o Governo devia recomendar, amanhã, na sua reunião do Conselho de Ministros, o Conselho de Estado a decretar uma situação de Emergência Nacional. A destruição, no centro de Moçambique, vai certamente obrigar a uma revisão em baixa do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) estimado, para este ano, em 3,4%.

 

Toda a infraestrutura produtiva de Sofala foi arrasada. A Estrada Nacional Nº 6, essencial para o fornecimento do “hinterland”, está interrompida em vários pontos. A reconstrução das pontes destruídas levará tempo, assim como a reposição de electricidade e de parte do sector de telecomunicações. Estes dois sectores são essenciais para a vitalidade da economia. Na cidade da Beira, hospitais e escolas foram arrasados. No interior, há relatos de vastas áreas de produção dizimadas e milhares de pessoas desalojadas. E depois, há o risco da eclosão de epidemias de malária e cólera.

 

O IDAI destruiu, enfim, boa parte do tecido produtivo e social do centro de Moçambique. O parque empresarial foi violentado: edifícios e transportes. O Porto da Beira depende, grandemente, de uma rede viária já precária, mas agora inoperacional para as suas operações de importação e exportação. Uma massa de água inundou cerca de 20 km da EN6 e da linha férrea de Sena. A produção agrícola, no centro, está comprometida. As culturas nas margens dos rios Buzi e Púnguè estão praticamente perdidas.

 

E esta é apenas ainda uma fotografia preliminar, um retrato de relance do efeito conjugado das cheias e do ciclone IDAI. O tamanho da destruição não se esgota em qualquer descrição exaustiva. E, mais importante, a resposta para esta tragédia extravasa qualquer plano de contingência. Estamos perante um desastre de proporções gigantescas cuja resposta exige que o Conselho de Estado decrete uma situação Emergência Nacional.

 

Isto permitirá ao Governo rever em baixa as perspectivas económicas para este ano, elaborando um Orçamento Retificativo para definir realocações orçamentais, de modo a robustecer a resposta ao desastre. Permitirá também a redefinição do défice orçamental, de modo a mobilizar recursos da comunidade internacional, no quadro de uma resposta estruturada ao desastre que esteja em consonância com o Plano Económico e Social, também ele redefinido em função das novas necessidades de investimento.

 

Não vejo outra saída. Repito, a resposta ao desastre ultrapassa qualquer paliativo contingencial. E as zonas afectadas precisam de um forte sinal do Governo central com uma intervenção substancial. Este é um desastre nacional de proporções gigantescas e exige uma resposta enquadrada numa emergência nacional.

Com a aproximação do ciclone que paira sobre a região da Beira e que se vai estender território acima até à fronteira com o Zimbabwe, o Governo decretou um “alerta vermelho”. Isto significa que, devido à força devastadora que este temporal traz, aguardam-se vítimas humanas e destruição de infra-estruturas (habitações, escolas, armazéns, culturas etc ). De acordo com a Ministra da Administração Estatal, Carmelita Namashulua, o “alerta vermelho” serve para desencadear medidas de emergência para retirar as pessoas que vivem em áreas de risco e a mobilização de 18 milhões de Dólares para operações de ajuda humanitária.  

 

A declaração deste alerta aconteceu na terça-feira mas de lá até aqui pouco se viu de acções de prevenção. As televisões (sobretudo a TVM) não estão a ser usadas para mobilizar a sociedade para a gravidade do problema. Não há evidências de acções de prevenção e parece que o dinheiro mobilizado vai apenas ser usado, sempre com desvios à mistura, a posteriori. Infelizmente, este é um quadro recorrente em Moçambique. Ao invés de se evitar a ferida, as autoridades preferem que ele aconteça para usá-la depois como um instrumento de mobilização de fundos, boa parte dos quais acaba nos bolsos sem fundos de meia duzia de chefes. Ou seja, o alerta vermelho não é accionado para se fazer a prevenção mas sim como um mecanismo de financiamento das redes de acumulação instaladas nos circuitos mais obscuros do sector de emergência em Moçambique.

 

No caso concreto da aproximação do ciclone IDAI não há evidências de que entidades municipais da Beira e Dondo, mas sobretudo o INGC e os governos distritais, estejam já a executar um plano preventivo para evitar a catástrofe que se avizinha a grande velocidade e que vai "bater" na Beira no início desta noite. Os hospitais e centros de saúde estão preparados para não terem falta de água e energia e pessoal em prontidão? Já foram identificados edifícios robustos (igrejas, escolas, o Pavilhão do Ferroviário, mesmo o aeroporto, etc ) para recolher pessoas das zonas mais vulneráveis e colocá-las onde haja condições minímas de sanidade  (água, colchões, brinquedos para crianças, pesssoal para-médico)?

 

Quais serão os momentos de maior fustigação do ciclone - por exemplo: chuva intensa combinada com maré-cheia; zonas que as pessoas devem evitar circular; estradas que vão ser utilizadas para apoio de emergência (bombeiros, INGC) e que devem ser deixadas livres por outros condutores? Que precauções para evitar inundações caseiras? Há aconselhamentos para se cortem ramos de árvores que estejam sobre habitações e fios de energia eléctrica, etc?

 

Era fundamental que este tipo de alerta e dicas sobre o que as pessoas devem fazer antes do ciclone estivessem a passar em anúncios de rádio e televisão (a TVM está mais empenhada em passar anúncios de propaganda das realizações do Governo ao invés de dedicar uns minutos a preparar a sociedade para enfrentar um ciclone de tamanho impacto). Mas é sempre assim em Moçambique. Um ciclone, uma depressão tropical, ou mesmos as cheias, são sempre bem-vindas porque ajudam a mobilizar dinheiro dos doadores para encher o bolso das máfias corruptas dentro do Governo.  Todo o resto é cantiga!

Dos 21 arguidos do processo das “dívidas ocultas”, 11 já estão em prisão preventiva (a detenção de Osvaldo Catela continua a passar despercebida). Ontem foi ouvida a senhora Carolina Reis mas não se sabe se vai ser detida. A PGR corre agora em velocidade de cruzeiro para lograr deduzir uma acusação provisória até o próximo dia 26 de Março, dia em que termina o prazo de prisão preventiva dos arguidos presos a 14 de Fevereiro, caso os advogados não requeiram a instrução contraditória. 

 

A investigação conta agora com mais elementos: buscas efectuadas em residências e escritórios dalguns arguidos recolheram evidências documentais essenciais para a acusação ter forças para enfrentar uma instrução contraditória que promete ser dura. São cerca de 14 mil folhas de processo. Se a 26 de Março, o Ministério Público não conseguir deduzir essa acusação provisória (o que parece pouco provável), a defesa vai exigir a alteração da medida de coação mais grave, a prisão preventiva, para uma mais leve, nomeadamente, a liberdade provisória sob caução. 

 

Mas até agora fica pouco claro se haverá mais detenções. Os critérios usados pelo Ministério Público impedem qualquer futurologia. Aliás, os critérios não são claros. Em Janeiro foi dada a ideia de que nem todos os arguidos iriam ser detidos – alegadamente porque havia quem se predispusera a colaborar imediatamente na investigação, desde o seu início, embora isso não conferisse a qualquer fulano o estatuto de protegido da justiça e de isento de responsabilização.

 

Mas e depois a PGR passou à fase das detenções propriamente ditas e o que é que vimos? 

 

Quatro perfis de detidos: i) os alegados orquestradores do calote (Nhagumele, Rosário, Ndambi, Leão e Tandane); ii) os receptores directos de subornos da Privinvest (Inês Moiane, Sérgio Namburete e Fabião Mabunda); iii) os receptores indirectos de dinheiro da Privinvest, designadamente pessoas que venderam bens em operações de lavagem de dinheiro (como Sidónio Sitoe); iv) e um último grupo onde cabe uma mistura de arguidos cujo papel se situa entre a gestão de bens comprados alegadamente com dinheiros do calote (como Ângela Leão e Elias Moiane) e o simplesmente desconhecido (Osvaldo Catela).

 

A questão que se levanta nos meandros mais atentos ao caso é se esta arrumação de perfis corresponde mesmo a um critério mensurável e objectivo ou se o Ministério Publico está a prender com base em outro tipo de critérios completamente insondáveis para a opinião pública. Uma explicação cabal sobre isto é necessária, para afastar nossa tendência imediata de enxergar teorias de conspiração onde ela até não existe, nomeadamente a ideia de que as detenções seguem um cunho eminentemente selectivo.

 

O problema é que há na lista de arguidos gente com perfil semelhante ao dos arguidos detidos mas que anda à solta. Um exemplo, para não nos limitarmos a já corriqueira menção do nome do ex-Conselheiro Político do Presidente Armando Guebuza, é a figura identificada na acusação americana por "co-conspirador 1". 

 

Juntamente com Teófilo Nhangumele, esta figura, que encaixa no perfil dos detidos que orquestraram o calote, recebeu de subornos cerca de 8.5 milhões de USD, directamente da Privinvest, designadamente em 2013, poucas semanas após o contrato da ProIndicus estar fechado. À luz da delação premida americana, o fulano pode estar isento de responsabilização criminal nos EUA mas em Moçambique também fica isento? Eis, pois, uma questão que merece clarificação imediata. Se a acusação americana foi essencial para a prisão dalguns arguidos por que é que as evidências de que os "co-conspiradores" receberam subornos não são usadas para a sua responsabilização em Moçambique?

 

Quanto a mim, é fundamental que a PGR divulgue a lista de todos os detidos e explique por que é que uns são presos e outros não. A opinião pública moçambicana está sedenta de transparência também em relação aos procedimentos da justiça. E pergunta-se a si mesma, em todos cantos, com um vozeirão infernal: afinal porquê alguns são detidos e outros se passeiam impunemente?

terça-feira, 05 março 2019 06:14

O significado do aumento de capital na GAPI

O que acho relevante no facto de acionistas privados nacionais estarem a mobilizar dos seus bolsos quase 5 milhões de USD para uma instituição focada no desenvolvimento é algo que deveria ser publicamente anotado e notado. Não se trata de meter dinheiro em apartamentos de luxo da Michelangelo Tower, em Sandton, em casas de praia na Ponta do Ouro ou num banco comercial.

 

Estamos a falar de meter dinheiro privado numa instituição obrigada (!) a financiar projectos de desenvolvimento. Para financiar esses projectos é preciso mobilizar outros recursos públicos e de filantropos. Mas a mobilização junto destas fontes só é possível se se tiver uma instituição com Governação e provas de impacto e sustentabilidade. 

 

Os acionistas que metem dinheiro na GAPI sabem que o retorno é de médio/longo prazo. Mas até agora a GAPI tem sido capaz de sempre apresentar uma conta de resultados financeiros positivos, ainda que modestos. Além disso, diferentemente de ONGs e Fundos Estatais, a GAPI paga impostos, sujeita-se a várias auditorias e tem de suportar a pesada regulamentação Banco de Moçambique.

 

O que a GAPI faz é um modelo de "blended finance", que noutros países é super acarinhado e promovido, pois trata-se de um viés incontornável para o alcance dos objectivos de desenvolvimento sustentável (SDG). Mas, em Moçambique, prevalece ainda tamanha ignorância institucional e a abordagem da GAPI ainda não foi bem compreendida por uma camada de políticos e burocratas que não enxergam a natureza especifica de um banco de desenvolvimento. Este aumento de capital poderá ajudá-los a reflectir.

A exoneração da vice-Ministra de Economia e Finanças, Isaltina Lucas,  era previsível. E necessária. Envolvida no escândalo do calote bilionário, sua legitimidade estava arrasada, sobretudo depois que a PGR incluiu seu nome na lista de figuras que devem ser responsabilizadas financeiramente pelo seu papel na contratação da dívida ilegal. Isaltina está a ser investigada em foro administrativo e, se for condenada, deverá pagar uma multa ao Estado, correspondente a uma soma de salários a determinar.

 

Para já, seu papel na contratação da dívida parece resumir-se aos pareces que subscreveu, com base nos quais o ex-Ministro das Finanças, Manuel Chang, accionou as garantias do Estado para o endividamento ilegal. Depois sentou-se no “board” da Ematum, numa situação ética de conflito de interesses. Por essa presença nos órgãos sociais da sinistra atuneira, ela recebeu remuneração que, se se tivesse dado a um julgamento ético razoável, teria declinado. Mas tomou a opção que tomou e hoje seu nome está sob o crivo da opinião pública. E da justiça em foro administrativo. Em abono da verdade, era enorme o coro dos que exigiam a sua cabeça.

 

Tanto quanto “Carta” tem conhecimento, Isaltina Lucas não é arguida na lista das mais de 18 figuras arroladas pelo Ministério Público no processo 1/PGR/2015. Ou seja, não consta que ela tenha recebido subornos da Privinvest. No entanto, isso não impediu que o Presidente Filipe Nyusi a exonerasse, numa atitude de extrema coerência, abrindo caminho para que o julgamento do Tribunal Administrativo seja isento. Nyusi dá assim um sinal positivo, protegendo a independência do judiciário, ao retirar sua confiança a figuras por si nomeadas, designadamente quando estas figuras estão sob a alçada da justiça. É uma atitude louvável, de indismentível coerência. Mas...

 

Mas e Helena Taipo?

 

Pior que Isaltina Lucas, que não é arguida em qualquer processo crime até prova em contrário, a Embaixadora de Moçambique em Angola é arguida num processo de corrupção, que vai ser julgado brevemente. O Ministério Público já reuniu provas suficientes que sustentam a acusação contra Taipo e, sendo assim, o Presidente também deve exonerá-la e já. Espera-se que Filipe Nyusi não desminta, por omissão neste caso, a coerência que mostrou ao exonerar Isaltina Lucas. O estatuto de arguida em processo-crime é muito mais grave que o de arguida em processo de responsabilização financeira dirimido em foro administrativo. 

 

Neste sentido, o Presidente não tem escolha. Ou exonera imediatamente a Embaixadora Taipo ou deixa ficar no ar uma imagem de tamanha incoerência, num momento em que ele precisa de mostrar uma vigorosa vontade política contra a corrupção em Moçambique, essencial para si e para a Frelimo em ano eleitoral.

No ano passado, ainda sem a plataforma de “Carta”, despoletei uma questão candente: o ensino privado em Moçambique é uma autêntica selva e a educação das nossas crianças, que devia ser acessível também no ensino privado, acaba sendo um autêntico fardo no orçamento das famílias, sobretudo nas de classe média. Grosso modo, as escolas fazem cobranças de forma indiscriminada; cada uma tem sua tabela de propinas. Como é que preços são formados? Será que elas pagam impostos? Quando despoletei o escândalo, houve da parte das autoridades da educação uma intenção de actuar.  E também da parte das autoridades tributárias uma promessa para autuar. 

 

 Mas foram promessas em vão. A selva continua intacta e os espinhos do capim crescendo, violentando os nossos bolsos. Os cidadãos estão praticamente indefesos. Ninguém define os critérios de cobrança de propinas no ensino privado. Algumas escolas dizem que usam o famoso currículo de Cambridge, mas trata-se de uma farsa curricular. A maioria vende gato por lebre. O sector privado da educação está praticamente desgovernado.  Em Maputo, há dezenas de escolas privadas ditas de elite que, só porque se localizam em bairros nobres como a Polana ou a Sommerschield, cobram uma pipa de massa. Escolas são montadas em vivendas e casarões sem as mínimas condições para albergarem um ensino de qualidade em todas as componentes, incluindo a educação física e actividades extra-curriculares. Não tém laboratórios de ciências nem bibliotecas apetrechadas. São uns autênticos "dumba-nengues" do ensino. Mas cobram valores astronómicos, funcionando como uma mafia instalada para sugar os bolsos dos cidadãos, que não têm alternativa porque, salvo algumas raras excepções, o ensino público é uma lástima. 

 

O facto é que o negócio das escolas privadas virou uma forma de endinheiramento fácil dos seus proprietários. Em Setembro, depois que denunciei essa selva fiscal e curricular, esperava ver acções concretas. Mas parece nada estar a acontecer. Agora que as aulas estão à porta, milhares de pais andam à nora. Seus bolsos estão a saque. O mais revoltante é que, quase todas as escolas, cobram uma taxa fantasma referente ao mês de Janeiro, por inteiro: 200, 300, 400 USD. Mas porquê pagar Janeiro se as aulas começam em Fevereiro? Ninguém sabe, ninguém explica o racional desta cobrança e ninguém manda para-la. É uma grande aberração. Um assalto indecente. Mas na modorra do desgoverno em que vivemos como esperar que alguém saia em defesa da decência?

Pág. 26 de 28