Director: Marcelo Mosse

Maputo -

Actualizado de Segunda a Sexta

Textos de Marcelo Mosse

terça-feira, 24 agosto 2021 06:01

O julgamento da consolação

O julgamento do caso das “dívidas ocultas”, que começou ontem em Maputo, é o segundo de oito capítulos onde se tentará destapar o véu de uma novela trambiqueira que envolveu ganância, enriquecimento ilícito e depauperação de um povo. Uma quadrilha de políticos, governantes, lobistas de meia tijela e funcionários da secreta em conluio com magnatas e vendedores de barcos do eixo Beirute/Paris (apadrinhados por François Holland, que nunca foi tido nem achado), mais a banca suíça (o Credit Suisse com seus banqueiros) e a russa (o VTB), lucrou num processo de endividamento fraudulento, tramando a utopia dos moçambicanos e o sonho de credores que compraram gato por lebre.

 

Na semana passada, a União Postal Universal (UPU) reuniu-se em Abidjan, Costa do Marfim, para discutir os «Correios do Futuro», uma iniciativa do governo marfinense para apoiar a promoção da inclusão digital e a prestação de serviços postais e financeiros modernos e inovadores. A ideia central era debater “como posicionar a rede postal como um dos principais catalisadores do comércio eletrónico em África, com base num ecossistema integrado, inclusivo e inovador, composto por operadores postais designados”.

 

Os temas abordados para definir a futura Estratégia Postal Mundial em Abidjan incidiram sobre:o comércio eletrónico em todas as suas componentes; a logística global; a melhoria contínua da qualidade do serviço; os benefícios para os cidadãos através da inclusão global (social, financeira e digital).

 

No fundo, ficou claro que os países membros da UPU (não sei se Moçambique é membro) querem aprofundar a transformação dos serviços postais e reafirmar o importante papel que os Correios devem desempenhar na dinâmica da vida social, económica e digital do continente africano.

 

Em Moçambique, o “mindset” vigente não discute a transformação…cultiva o pensamento derrotista como desculpa para a apropriação do vasto e rico património dos Correios de Moçambique. A ideia é matar a empresa para gerar uma acumulação de renda não produtiva para perpetuar o enriquecimento de uma elite com seus bicos de abutre debicando no bem público. Quando outros africanos – e o mundo – debatem os Correios como plataforma para a inclusão digital, Moçambique já decidiu-se pela liquidação da empresa, sem qualquer discussão palpável. Isto é inaceitável. É uma agressão ao bom senso, à nossa inteligência. (M.M.)

Na semana passada, uma mensagem de WhatsApp circulou, viral, pela net fora, sendo consumida vorazmente pelos utentes daquela rede social. Era o relato do drama de uma família que teve uma paciente internada no famigerado Hospital Privado de Maputo (HMP). 

 

Quase cinematográfico, o enredo juntava dor, chantagem e morte. Uma mulher foi internada, melhorou (e sua conta subiu drasticamente) e depois virou óbito (quando a família revelou dificuldades de juntar as somas cobradas). Mesmo depois do óbito, o HPM insistiu na cobrança, como o cobrador do fraque...com seu bisturi apontado para uma veia jugular da doente. Os detalhes dessa vergonhosa trama estão descritos num artigo de “Carta” nesta edição. Mas, são factos que em Moçambique repetem-se ao longo do tempo, com personagens diferentes.

 

O problema – métodos funestos que as clínicas usam para cobrar preços exorbitantes pelos seus serviços médicos – tem barbas.  Ele decorre da ausência de regulação. Com a introdução da economia do mercado, em meados da década de 80, Moçambique foi liberalizando actividades que eram, então, da exclusiva alçada do Estado. A propriedade de clínicas privadas e o exercício da actividade médica foram liberadas.

 

Ao longo dos anos, clínicas privadas cresceram como cogumelos, mas o Estado nada fez para impor ordem na sua actuação, mormente no que diz respeito à regulação da oferta de procura de serviços médicos, especificamente na determinação dos preços dos actos médicos.

 

Nos seus primeiros anos, as clínicas privadas usavam como referência os preços praticados na RAS, fazendo tábua rasa da diferença do poder de compra entre os consumidores dos dois mercados. Mas assim foi...que o próprio Estado foi arrastado para essa perversão, usando de um artífice qualquer para abrir uma clínica com preços de privado no serviço público, concretamente no Hospital Central de Maputo.

 

Ao longo dos anos, a falta de regulação oficializou uma selvajaria que se foi sedimentando nas barbas de um Estado ausente, de Governos incompetentes e de uma Assembleia da República completamente à leste do problema. Chegamos a este ponto de pandemia ética. Cada clínica tem o seu precário, carcomendo as poupanças dos seus utentes, que não têm onde se queixar, nem na Provedoria de Justiça, cuja função de advocacia para a melhoria de quadros regulatórios é quase nula.

 

Se as nossas elites políticas quisessem, o Governo já teria posto alguma ordem no precária dos actos médicos. Mas não, essas elites são tratadas em hospitais de fora do país (embora a epidemia do Covid 19 tenha mostrado que essa saída tem limites). Por outro lado, no advento do associativismo, era esperado que as organizações de classe no sector dessem um contribuído para varrer a podridão.

 

Mas nada! A Associação dos Médicos de Moçambique (AMM) tem sido uma nulidade nesse sentido. Era ela que devia chamar para si a prerrogativa de estabelecer, anualmente, um precatório para os actos médicos em Moçambique, numa perspectiva de auto-regulação. É assim que se faz na RAS. No país vizinho, todos os anos a associação dos médicos local determina os preços para cada acto médico.

 

Em Moçambique chegamos à aberração de o Instituto do Coração vir divulgar seu precário, como fez recentemente, num fingimento de transparência que só acontece em país desgovernado: cada clínica tem o desplante de marcar seu próprio preçário, sugando o pobre bolso dos moçambicanos. Este vazio ético se estende ao papel esperado da Ordem dos Médicos de Moçambique. Mais de 15 anos depois dela ter sido estabelecida, ainda não fez o suficiente para que o seu Código de Ética Médica fosse aprovado pela Assembleia da República.

 

Mas chegou a altura de dizer basta! As novas gerações que hoje comandam as entidades relevantes da Saúde têm uma oportunidade histórica: reverter esta prática de medicina de rapina que comanda nossa medicina privada. Já chega! 

 
segunda-feira, 02 agosto 2021 11:17

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quinta-feira, 08 julho 2021 13:30

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