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quarta-feira, 07 outubro 2020 04:17

Lei de perda de bens e recuperação de activos vai a debate na AR

Depois de ter dado entrada em Maio último, a proposta de lei que Estabelece o Regime Jurídico Especial de Perda Alargada de Bens e Recuperação de Activos vai, ao que tudo indica, a debate na II Secção Ordinária da IX Legislatura da Assembleia da República, que arranca no presente mês de Outubro.

 

É que a proposta de lei consta do rol de matérias aprovadas para sessão, cujo arranque está previsto para o dia 15 de Outubro. Concretamente, o Executivo depositou a propositura no parlamento no passado dia 29 de Maio, tendo quatro dias depois, ou seja, no dia 04 de Junho, a Presidente da Assembleia da República, Esperança Bias, mandado distribuir pelos deputados.

 

A lei que Estabelece o Regime Jurídico Especial de Perda Alargada de Bens e Recuperação de Activos, por objecto, estabelece o regime especial e os mecanismos de detenção, localização, perda e recuperação de bens ou produtos, a favor do Estado, relacionados com a actividade criminosa. Ao todo, a proposta de lei comporta um total de 18 artigos.

 

Este dispositivo é aguardado com enorme expectativa, mormente pelo Ministério Público (MP), que há muito se vem queixando da falta de uma lei específica de gestão e recuperação de activos. O guardião da legalidade sempre defendeu que uma lei sobre a matéria garantiria que os proventos decorrentes de actividades criminais não sejam reinvestidos no cometimento de novos crimes e contaminação da economia dos Estados. Anotou também que tem enfrentado constrangimentos de gestão e manutenção de bens móveis e imóveis apreendidos, enquanto os processos correm os seus termos.

 

A oportunidade da aprovação de uma lei de gestão e recuperação de activos começou a ganhar eco na sequência do escândalo das chamadas dívidas ocultas, que lesaram o Estado moçambicano em mais de 2.2 mil milhões de USD.

 

Após receber a proposta do Executivo, o parlamento solicitou, com intuito de enriquecer, contribuições dos vários seguimentos da sociedade. Apesar do consensual reconhecimento da oportunidade da propositura legal, alguns aspectos constantes da mesma não colheram, de resto, consensos. Dentre as inovações trazidas pela proposta, a competência para a criação do Gabinete de Recuperação de Activos bem como de Administração de Bens levantou alguma celeuma.

 

De acordo com a proposta enviada pelo Executivo ao mais alto e importante órgão legislativo do país, os dois gabinetes (Recuperação de Activos e Administração de Bens) são criados pelo Governo, a quem, igualmente, cabe a regulamentação, devendo fazê-lo no prazo de 90 dias, que começam a contar a partir da data da publicação.

 

Entretanto, das diversas contribuições apresentadas por várias entidades relativas à proposta, quase todas reprovaram o facto desta prerrogativa ter sido reservada ao Executivo. Consideraram que, pela natureza das duas instituições e pelo trabalho que pretendem desenvolver, os seus limites bem como a estrutura devem ser definidos por lei e não por um decreto do Conselho de Ministros.

 

Aliás, durante um debate organizado pelo Centro de Integridade Pública (CIP), no qual falava na qualidade de representante da Procuradoria-Geral da República (PGR), Eduardo Sumana chegou mesmo a afirmar que o draft inicial da proposta fazia menção à necessidade das duas instituições serem criadas por lei, mas já em sede de harmonização com o Ministério da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos (Governo), esta última entidade decidiu que devia ser mesmo o Executivo a entidade competente para sua criação.

 

Ainda sobre os Gabinetes, houve quem defendeu que deve ser a AR a definir a composição dos mesmos e que a mesma deve incluir personalidades idóneas provenientes de diversos sectores da sociedade, incluindo deputados das bancadas representadas no órgão, juízes no topo da carreira da magistratura judicial, destacados membros de organizações da sociedade civil e de confissões religiosas.

 

No que respeita à prova, o prazo de cinco anos considerado para a transferência do património do arguido para terceiros também esteve longe de colher consensos. O horizonte temporal é visto como sendo “curto”, sendo que o parlamento devia alargar isto por se estar a lidar com a criminalidade organizada e os seus autores conseguem, quase sempre, ocultar a sua prática por longos anos.

 

Produtos e Vantagens de facto ilícito

 

Produtos e Vantagens de facto ilícito típico serão declarados perdidos a favor do Estado. Nos termos da presente proposta de lei, produto de facto ilícito típico são considerados todos os objectos que tiverem sido produzidos pela sua prática. Já as vantagens são todas as coisas, direitos que constituam vantagem económica, directa ou indirectamente resultante desse facto, para o agente ou para outrem.

 

A perda dos produtos ou vantagens tem, determina a proposta, “lugar ainda que os mesmos tenham sido objecto de eventual transformação ou reinvestimento posterior, abrangendo quaisquer ganhos quantificáveis que daí tenham resultado”.

 

Em situações em que os produtos ou vantagens não puderem ser apropriados em espécie, a proposta determina que a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respectivo valor, podendo a substituição ser operada a todo o tempo, mesmo em fase executiva. Entretanto, o dispositivo legal salvaguarda que a perda de produtos e vantagens não prejudica os direitos do ofendido.

 

A recuperação de activos é descrita na proposta como sendo a “actividade administrativa e processual que visa identificar, apreender e confiscar, bem como dar destino, ao produto, bens resultantes ou relacionados com prática de crimes”.

 

Crimes cobertos pela presente lei

 

De acordo com o número 1 do artigo 3 (âmbito de aplicação), a lei aplica-se aos crimes de tráfico de estupefacientes, substâncias psicotrópicas e precursores; terrorismo e financiamento ao terrorismo; tráfico de pessoas; tráfico ilícito de armas; corrupção e crimes conexos; agiotagem; fraude fiscal e crimes tributários; pirataria; contra o ambiente; branqueamento de capitais; associação para delinquir; rapto; pornografia de menor; informáticos; falsificação de moedas, títulos de crédito e valores selados; lenocínio; contrabando; e falsificação de documentos. Entretanto, o número 2, do mesmo artigo, ressalva que a lei é aplicável ainda a qualquer crime organizado de que resulte vantagem económica.

 

Arresto preventivo

 

À luz da presente proposta de lei, o arresto preventivo (artigo 17) de bens do arguido é decretado para a garantia do pagamento do valor determinado da perda de bens.

 

A perda de bens é definida nos termos da presente lei como sendo a sanção ou medida decretada por um tribunal na sequência de um processo relativo a uma ou várias infracções.

 

Em casos que se verificar a existência de “fundado receio de diminuição de garantias patrimoniais e fortes indícios de prática de crime”, refere a proposta, é requerido o arresto dos bens do arguido antes da própria liquidação.

 

O número 4 do retromencionado artigo 17 determina que o arresto é decretado pelo juiz, independentemente da verificação da condição de solvabilidade económica do arguido, se existem fortes indícios da prática do crime.

 

O artigo 18 versa sobre a modificação e extinção do arresto. No seu número 1, o arresto cessa se for prestada a caução económica pelo valor referido no número 1 do artigo 17 (o arresto preventivo de bens do arguido é decretado para a garantia do pagamento do valor determinado da perda de bens). (Ilódio Bata)

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