Eu penso que o grande problema dessa discussão sobre o xarope malgaxe que previne a Covid-19 não é a cientificidade do produto. Ou seja, a discussão não é sobre se o remédio é cientificamente provado ou não. O problema, quanto a mim, é aquele mesmo antigo: a ocidentalização do conhecimento. O problema é onde o remédio foi descoberto e quem descobriu e, acima de tudo, em que momento foi descoberto.
Se você entrar no Google e escrever "diabetes", "trombose", "hipertensão", "diarreia", "gengivite", etecetera, vão aparecer milhares e milhares de informações, entre causas, sintomas, prevenção e tratamento. Dentre as "prevenções" e "tratamentos" vão aparecer também os "caseiros". E, na verdade, quando você busca por tratamento na internet, você quer saber do tratamento caseiro, daquilo que você pode fazer em casa com aquilo que você tem em casa, que muitas vezes não está cientificamente aprovado.
É paradoxal um africano - particularmente um moçambicano - desacreditar numa cura não-científica quando no seu próprio país existe uma Associação dos Médicos Tradicionais de Moçambique (AMETRAMO), uma agremiação de cidadãos que tratam doenças por meio do conhecimento empírico legalmente constituída e reconhecida. Uma prática do senso comum milenar e aceitável. É paradoxal! Aliás, a maior parte das curas científicas são desenvolvidas a partir das curas tradicionais já existentes. Os xaropes e bálsamos de eucalipto, da moringa - só pra citar - já eram usados pelos nossos antepassados antes dos europeus industrializaram e enviarem em bisnagas estampadas com marcas.
Hoje, tem pó de moringa nas farmácias, mas os nossos tetravôs já usavam antes mesmo do primo Vasco chegar às ilha. Hoje, tem pasta dentífrica de "miswak" nas farmácias, mas o "miswak" é uma raíz que até o profeta Maomé usava para escovar os dentes, segundo os "hadithes" alcorânicos. Eu reconheço, porque vi, a cura da asma e da trombose a partir de plantas não testadas cientificamente.
Então, eu acho que no fundo no fundo o problema da "Covid Organics" é por ter sido descoberto por um africano, em África (logo, numa ilhota mal afamada) num momento crucial como este de grandes concorrências de patentes da indústria farmacêutica. O problema desse xarope é tentar puxar o conhecimento do seu "merecido" e " inquestionável" lugar. O problema é tentar colocar o conhecimento na periferia. O problema não é a sua cientificidade. Até porque a verdadeira ciência reconhece o conhecimento empírico e o senso comum, tanto é que são matérias do seu estudo. A verdadeira ciência reconhece o lugar e o valor do conhecimento empírico e do senso comum. Sabe que é a partir dele [do não-científico] que ele [o científico existe] existe.
Podemos até duvidar do xarope do "Di-Djei" (é um direito), mas não devemos desacreditá-lo. Se não der 100 por cento certo não há problema. Pois, há "remédios científicos" que também não são 100 por cento eficazes, mas vão se estudando e melhorando aos poucos. Aliás, tem até remédios que foram descobertos acidentalmente em laboratórios, e hoje são celebrados com pompa no mundo inteiro.
Eu penso que este pode ser a causa da fuga de cérebros africanos para a Europa: o descrédito das suas descobertas quando são feitas fora do Ocidente e até do Oriente. Eu duvido que teríamos a mesma dúvida se esse xarope tivesse sido produzido por um curandeiro japonês a partir de ervas aquáticas ou por um bruxo australiano a partir de fezes de canguru. Duvido!
Para ser sincero, eu tenho muito medo da indústria farmacêutica que chega a matar mais do que a de armamento. É a pior que existe, infelizmente!
- Co'licença!