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segunda-feira, 07 março 2022 09:52

Crianças obrigadas a conviver com luto e traumas do terrorismo em Cabo Delgado

Passam quatro anos em que a província de Cabo Delgado está a ser vítima de ataques terroristas, que já causaram a morte de mais de 3.000 pessoas e a fuga de mais de 900 mil, entre as quais 300 mil crianças. São quatro anos de destruição de património público e privado, para além de destruição de famílias.

 

A cidade de Pemba e os distritos de Montepuez, Metuge e Ancuabe estão lotados de crianças, na sua maioria órfãs e sem qualquer familiar, em consequência da barbárie causada pelos terroristas do ISIS-Moçambique, liderados por Bonomade Machude Omar. Para além do luto, os petizes são obrigados a conviver com imagens chocantes, na sua maioria de assassinato de pais, irmãos, tios, primos, entre outros familiares.

 

Entre as crianças que se encontram nessa condição está Ibraimo Juma, de 10 anos de idade, nascido na aldeia de Narere, no distrito de Mocímboa da Praia. Hoje vive no Centro de Acolhimento de Nakaka, no distrito de Montepuez, onde frequenta a 2ª Classe. Em Julho de 2019, assistiu os terroristas a assassinarem os seus pais com arma de fogo e os invólucros caíram num dos seus pés, tendo-lhe criado ferimentos.

 

Hoje reside com Amina Saíde, sua tia materna, alternando o silêncio com lágrimas. A tia conta que é possível o petiz ficar o dia inteiro sem pronunciar qualquer palavra, apenas jorrando lágrimas. Às vezes, diz a tia, desperta no meio da noite e grita pelo nome dos pais.

 

Para além de problemas psicológicos, Ibraimo Juma deve receber, mensalmente, uma transfusão de sangue, pois, não se alimenta adequadamente.

 

Quem também guarda imagens chocantes é Geraldo Piússe, igualmente de 10 anos de idade, nascido na aldeia de Chitunda, no distrito de Muidumbe. Também assistiu o pai a ser morto pelos terroristas, em 2019, quando regressavam da machamba. A mãe, por sua vez, não aguentou com o sofrimento criado pelos terroristas e anos depois acabou perdendo a vida.

 

Hoje, Geraldo frequenta a 1ª classe, mas nem com a companhia dos amigos, consegue apagar as imagens hediondas que assistiu. A avó diz não saber o que fazer para recuperar a alegria do seu neto, que ficou perdido em Muidumbe.

 

Já Ancha Abdulai, de 14 anos de idade, proveniente de Mocímboa da Praia, e que em Março de 2020 perdeu o pai e a irmã de sete anos de idade, diz estar a passar dificuldades no bairro de Paquitequete, na Cidade de Pemba, onde se encontra acolhida. Diz não estar a receber qualquer apoio, tanto do Governo, assim como das organizações humanitárias.

 

Entre as dificuldades, está o facto de não ter conseguido matricular-se para continuar com os estudos e o facto de não ter nada para se alimentar vestir. Em Pemba, a rapariga reside com a mãe, que hoje procura alternativas para alimentar o seu bebé, feito com carinho ainda em Mocímboa da Praia.

 

Psicólogo defende assistência psicológica aos petizes órfãos de pais

 

Entrevistado pela nossa reportagem, o psicólogo Vasco Achá, baseado na cidade de Pemba, defende haver necessidade de um acompanhamento social e psicológico dos menores que perderam os seus pais, porém, reconheceu que o Estado não dispõe de recursos para esses profissionais, tendo em conta as carências do país.

 

Assim, propõe que se realize actividades lúdicas, com a finalidade de distrair os menores, pois, no seu entendimento, o país está a perder uma geração, que corre o risco de se suicidar devido à depressão.

 

Como habitual, “Carta” não conseguiu conversar com o Governo Provincial de Cabo Delgado, assim como com o Ministério do Género, Criança e Acção Social. As duas entidades invocaram “agenda superlotada” para não falar com a nossa reportagem. (Omardine Omar)

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