Director: Marcelo Mosse

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Actualizado de Segunda a Sexta

quinta-feira, 30 setembro 2021 06:24

Carta ao Leitor: Novo endividamento para o reforço da segurança pública não deve ir avante sem uma auditoria forense ao primeiro

O Governo diz que sua intenção, já firmada, de contratar cerca de 90 milhões de USD de dívida comercial a juros concessionais não é ilegal e está de acordo com a Lei Orçamental aprovada para este ano. Tudo bem! Mas como é que ficamos em termos de racionalidade económica? Ou, para sermos mais abstractos e moralistas, do ponto de vista ético? Parece-nos uma decisão inconsequente, que raia ao despesismo de circunstância, e esconde um calote, porque consiste na duplicação de um investimento numa área que até bem pouco tempo recebeu, de crédito do Eximbank da China, cerca mas de 140 milhões de USD com a mesma finalidade.

 

Então, porquê duplicar um investimento sem explicar aos moçambicanos o que foi feito com a dívida contraída no anterior regime do Presidente Armando Guebuza?

 

Pelo que apuramos, o projecto em causa foi interrompido ao meio porque as câmaras colocadas em pontos urbanos de Maputo e Maputo exigiam, cada uma, um “chip” que possibilitaria o envio da imagem e sons captados para um satélite que, por sua vez, as transmitiria para um centro de controlo. Os custos dessa transmissão satélite não terão sido equacionados. “Carta” soube que eram proibitivos. Mas a instalação do sistema de segurança já tinha sido consumada.

 

Um relato do jornal  “A Verdade” descreveu, na altura, os contornos deste projecto. Em 2016, centenas de câmaras de vídeo vigilância foram instaladas nas cidades de Maputo e da Matola, pela empresa chinesa ZTE, por cerca de 140 milhões de dólares norte-americanos, num negócio intermediado por uma empresa da família do ex-Presidente Armando Guebuza. Tratou-se, ao todo, de um “lote de 450 câmaras que deveriam ter sido instaladas nas principais vias públicas das cidades de Maputo e da Matola, inseridas no comando nacional de intercepção de informação, concebido e implementado pela gigante chinesa Zhong Xing Telecommunication Equipment Company Limited, comercialmente conhecida pelo acrónimo ZTE”.

 

Os documentos analisados pelo “A Verdade” revelaram que a implantação deste comando nacional de intercepção de informação foi intermediada por uma empresa moçambicana, denominada Msumbiji Investment Limited, uma holding da família Guebuza que foi representada no processo por Mussumbuluko Armando Guebuza, na qualidade de “Chairman”, que, terá recebido 8 por cento dos 140 milhões de USD.

 

Em Abril de 2018, o jornal cita o antigo Ministro do Interior, Basílio Monteiro, dizendo que o projecto ainda estava “numa fase de acabamento, ainda não foi entregue, ainda não está perfeitamente funcional”, embora já existissem na altura 109 câmaras instaladas desde 2016 nas avenidas 24 de Julho, 25 de Setembro, Julius Nyerere e Eduardo Mondlane, para além de outras na avenida da Marginal, na avenida de Moçambique, na Estrada Nacional nº 4 e noutras vias principais das cidades de Maputo e da Matola.

 

O actual projecto do Governo –  instalação de um circuito fechado de televisão (CFTV) para garantia da segurança e ordem públicas e controlo das transgressões ao Código de Estrada, entre outras componentes – tem claras similaridades com o anterior. Trata-se mesmo da sua duplicação, da duplicação de um investimento no projecto securitário sobre cujo desfecho o Governo não diz nem A bem B. Como é que foi aplicado o crédito anterior? E as instalações? Em que estado estão? Por que é que elas não estão operacionais? Quem é o responsável pelo eventual fracasso?

 

Do ponto de vista de “Carta”, mais do que a questão da “legalidade” deste endividamento (como coloca a oposição, no caso a Renamo) o que sociedade precisa de saber é o que foi feito do anterior projecto, e quem foram os responsáveis pelo seu fracasso. O Governo não pode injectar mais dinheiro num projecto que deu errado sem fazer a devida contrição. Trata-se de dinheiros públicos. De modo que os responsáveis pelo eventual fracasso devemos ser responsabilizados, voltamos a frisar.

 

Avançar já sem esse exercício é como dar cobertura a mais um calote. Ou seja, este projecto não deve ir avante sem uma auditoria forense da sua etapa anterior. Vamos a isso? (Marcelo Mosse)

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