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sexta-feira, 25 janeiro 2019 08:38

O paradoxo de Manuel Chang

Por volta de 2002, quando Manuel Chang ainda era Vice-Ministro das Finanças de Luísa Diogo, antes da ascensão de Armando Guebuza, ele quebrou um protocolo de silêncio entre a camaradagem: decidiu revelar os bens que possuía na altura. Foi no contexto da apropriação de algumas instituições de integridade pelo nosso Estado, motoras da probidade pública. A declaração de bens era um mecanismo percebido como ajudando na descoberta de sinais de enriquecimento ilícito. Chang apresentou-se como um arauto da transparência e disse publicamente que tinha bens avaliados em 500 mil USD. Isso causou uma danada celeuma. Militantes do partido saíram contra ele: tinha pisado a linha. Para eles, o que Chang fizera era nojento, uma provocação, um atentado contra o segredo dos negócios das elites.

 

Depois da veemente crítica, ele recatou-se. E caiu nas graças de Guebuza, tendo assumido a pasta das finanças durante os dois mandatos do guebuzismo. Ontem, 16 anos depois, quando se esperava que Chang tivesse o mesmo gesto de apego à transparência no Tribunal de Kempton Park, ele estava no antípodas, negando fazer a revelação dos números da sua dinheirama. Chang preferiu escondê-la para o grande público, permitindo que uma velha máxima viesse à tona: quem não deve não deve. O que ele fizera antes como um acto de honra podia hoje ser uma fonte de vexame.

 

Quando o Tribunal quis saber sobre suas posses, ele anuiu que os extractos das contas bancárias fossem apresentados mas negou que a informação fosse partilhada com os jornalistas presentes. A juíza Sagra Subroye retorquiu: toda a informação financeira de Chang seria usada não apenas para a aferição de uma eventual caução, mas também para que constasse do processo, podendo ser mencionada em julgamento, na presença da imprensa. Um dos advogados de Chang revelou os saldos das contas bancárias em Moçambique, Portugal e África do Sul e entregou dados de salário (como deputado da AR) e da pensão de ex-governante.

 

Chang ficou satisfeito com a omissão pública dos seus dados bancários e respirou de alívio. Quando na segunda feira, dia 21, submeteram finalmente um pedido de liberdade de Chang sob caução (depois de perceberem que ainda não tinha dado entrada, formalmente, um pedido de extradição por parte do Tribunal Supremo de Moçambique), seus advogados sabiam que o Tribunal haveria de requisitar essa informação financeira e haveria o risco dela acabar nas mãos de jornalistas. Eventualmente, foi isso que levou a que a defesa não tivesse alertado previamente à comunicação social local e moçambicana sobre uma audiência marcada praticamente em cima da hora. A intenção de guardar segredo era enorme. Chang mostrava desconforto com a perspectiva da divulgação pública da sua informado bancária. 

 

Dezasseis anos depois, ele é um homem com outros valores sobre o instituto da declaração de bens. Já abomina a revelação pública da sua “riqueza” acumulada nos anos em que foi Ministro das Finanças – a acusação americana disse que ele recebeu 15 milhões de USD mas também existe o caso da Odebrecht. Seria interessante perceber quanto dinheiro ele acumulou nestes anos, designadamente qual é a real dimensão do acréscimo do seu património e suas fontes (ele continua a dizer que não praticou nenhum crime em Moçambique).

 

Dois anos depois da sua famosa e solitária declaração dos 500 mil USD, Chang assumiu uma pasta ministerial por 10 anos e depois se tornou deputado da Frelimo na AR. Em termos concretos, ele esteve sujeito à legislação local sobre declaração de bens, que obriga aos titulares de cargos públicos a submeterem uma lista anual do seu património. O objectivo dessa legislação visava monitorar o enriquecimento ilícito. A acusação norte-americana e a investigação moçambicana mostram que Manuel Chang tem um património invejável: enriqueceu ilicitamente tomando decisões ilegais e recebendo subornos para isso. Ou seja, a legislação nacional sobre declaração de bens é ineficaz.

 

Apesar da sua boa vontade manifestada há 16 anos atrás, Chang deu agora um golpe nos princípios de transparência que aparentemente defendia. Um paradoxo em pessoa. Ontem em Kemptom Park, seus advogados apenas revelaram parte das contas bancárias do deputado, nomeadamente as contas em Moçambique, África do Sul e Portugal. Mas a investigação do FBI e os dados coligidos pela investigação moçambicana indicam que ele tem contas em Espanha, Suíça (os subornos recebidos da Odebrecht foram depositados em contas em bancos domiciliados na Confederação Helvética) e em dois paraísos fiscais não revelados. Seu património é invejável, disse à “Carta” uma fonte da investigação local.  

 

Mas a tentativa de esconder a dimensão real do seu património vai sucumbir às pretensões da justiça americana e moçambicana, que pretendem confiscar alargadamente os seus bens. No caso de Moçambique, “Carta” apurou que a maioria dos arguidos dos processos das dívidas ocultas usaram parentes e empresas fictícias para fizeram a lavagem de dinheiro, havendo muito património imobiliário (apartamentos no novo prédio onde era o cinema Xenon e no portentoso número 130 da Avenida Julius Nyerere, que também alberga “flats” relacionadas com a construção do novo edifício do Banco de Moçambique) que será confiscado. No caso de Chang, o rastreio envolve a investigação fora de Moçambique porque, diferentemente da maioria dos outros arguidos locais, ele terá feito a lavagem no estrangeiro. (Marcelo Mosse)

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