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segunda-feira, 20 janeiro 2020 06:14

Análise de Homero Lobo: Os Ministérios e seus mistérios

Como era expectável, a semana que passou foi eminentemente dominada por uma carregada agenda política. Até porque os acontecimentos impunham-no: tomada de posse dos deputados na nova e “desequilibrada” AR, logo a abrir; investidura de Filipe Nyusi, para o seu segundo mandato como PR, na quarta-feira; e, finalmente, o empossamento (da maior parte) dos Ministros que darão corpo ao governo que dirigirá os destinos deste país pelos próximos cinco anos, no sábado.


E, claro está, ao longo desses dias, ouvimos atentamente a uma sequência de discursos do nosso reconduzido Chefe de Estado, para cada uma das supramencionadas cerimónias a que presidiu, sendo que a tónica dos mesmos não foi muito dissemelhante: “trabalho, trabalho, trabalho”, foi o que, no fundo, apelou aos seus coadjuvantes.

Em comum, as alocuções de Nyusi – que, como sempre, voltou a afirmar que é PR de todos os moçambicanos e que as (boas) ideias não têm cor política – (não) tiveram um outro aspecto, que não passou despercebido: é que, em momento algum, Sexa abordou a questão das “dívidas ocultas” e suas nefastas consequências na vida dos moçambicanos. Pôde, sim, subentender-se a sua intenção de o fazer, quando nalguns trechos, “au passant” foi falando na necessidade de se empreender um combate mais cerrado à corrupção, mas isso… não é a mesma coisa.

Porém, de todos estes eventos que se sucederam ao longo da semana, o anúncio dos membros do novo governo foi, indubitavelmente, aquele que criou maiores espectativas. Até porque Nyusi fez o maior dos “suspenses” em torno do assunto, só abrindo o jogo na última sexta-feira, ao final do dia, mesmo sabendo que a cerimónia de posse estava aprazada para a tarde do dia seguinte – para gáudio dos escolhidos e frustração dos preteridos.

Sobre os nomes dos (até agora) empossados já muito se comentou e contestou.


Para já, a tal propalada aposta na juventude parece que afinal… não é(ra) bem assim. Outrossim, alguns dos nomes indicados para pastas ministeriais de relevo – nomeadamente os de Verónica Macamo, Margarida Talapa e até mesmo Carmelita Namashulua – para grande parte das pessoas, soaram claramente a “acomodação/ recompensa”.

 

Aliás, não tendo a obrigação de justificar as suas escolhas, o PR pode fazê-las sem dar cavaco a ninguém, suscitando assim especulações aos mais diversos níveis.

A imperiosidade de haver um MAE(FP)


Outra questão que não deixou de intrigar a “vox populi” foi o facto de, nesta primeira “leva” de Ministros empossados, não fazer parte o titular da pasta da Administração Estatal (e Função Pública).

 

Não é o único sector ainda sem Ministro, porém, é provavelmente aquele que deveria merecer prioridade nas “cogitações” de Sexa – uma vez que é ele quem, em princípio, deve “enquadrar” os restantes Ministros, ora empossados, os quais passam a ser parte integrante da Função Pública. 

 

Mais do que isso: sendo que existe neste mandato um novo grande desafio – o da descentralização, “cristalizado” a partir do momento em que tivemos as eleições para os governos provinciais, não faz o menor sentido que não exista já em funcionamento um Ministério da Administração Estatal – que, tal como se sabe, possui (ou pelo menos possuía) uma Direcção Nacional, especificamente ligada a assuntos relativos à descentralização e aos Governos Locais.
 
Mas, enfim, como já se disse antes, não há lei que obrigue o PR a justificar as suas escolhas e prioridades…


Não tentar “inventar a roda”…


Muito interessante foi, igualmente, uma das chamadas de atenção do Chefe de Estado aos novos inquilinos dos “sectores centrais do Estado” – o outro nome que se atribui aos Ministérios.

 

Disse-lhes (grosso modo) o PR para que não se apresentassem nas suas novas instituições com “ares” de quem vai lá para “inventar a roda”. Ou seja: que não ignorem, nem desprestigiem tudo o que já lá existe, na perspectiva de implementarem novos paradigmas, programas e projectos.

Não foi por acaso que o PR – que também já foi Ministro – fez este alerta. É que, na verdade, a prática comum no nosso país tem sido exactamente essa: cada dirigente que assume um posto tem por hábito ignorar os antecedentes e as bases já existentes no sector, e (re)começar tudo de novo. Vá lá saber-se porquê.

 

Aliás, saber-se até se sabe – em parte – pois, como é de domínio geral, a política é uma esfera pejada de egos. Logo, cada indivíduo que assume determinado cargo governamental tem a tendência de ofuscar os feitos do seu antecessor, trazendo novas “fórmulas”, muitas das quais têm de ser implementadas a partir do zero – mesmo tendo-se a consciência de que, às vezes, cinco anos são insuficientes para levar tais projectos e programas a bom porto.

No entanto, há que reconhecer que muitas vezes esta atitude dos “newcomers” é absolutamente involuntária.


Isto porque a passagem de pastas de um “consulado” para outro é das coisas mais difíceis de se fazer em Moçambique. Ainda que os detentores das pastas em questão sejam da mesma família política.


Em boa verdade, pode mesmo dizer-se que, por norma, não existe esse acto de passagem de pastas: quem chega tem de “tactear” aqui e acolá, para perceber exactamente o que existe e o que não existe. São os mistérios dos Ministérios.


E, de mais a mais, importa referir que os Ministérios não se resumem apenas aos Ministros.


Em miúdos: ao chegarem aos seus (novos) sectores, e antes mesmo de montarem as suas respectivas equipas de trabalho, os ministros já lá encontram uma pesada máquina burocrática montada. Dela fazem parte, normalmente, pessoas que transitaram do(s) mandato(s) anterior(es) e outras que lá se encontram há décadas, podendo elas estar ou não dispostas a colaborar.

 

E, como é sabido, as pessoas, em geral – mas os funcionários públicos em particular – padecem de um “mal” que se chama “resistência à mudança”, logo, é natural que tudo façam para que a almejada colaboração com quem está a chegar se processe num ambiente de muita fricção.


Não são raros os relatos de “dossiers” e/ou processos que são deliberadamente ocultados aos “vientes”. Só quem não conhece a realidade dos Ministérios (e, já agora, também das Direcções Nacionais, Provinciais e demais instituições estatais) é que se espanta com isto.

 

O pior é que, em grande parte das vezes, isto não ocorre apenas por uma questão de “tramar” os novos inquilinos, mas sim porque existe um rol de insatisfações pessoais e colectivas, que vão desde as condições de trabalho, até ao crónico problema dos baixos salários.


É claro que o PR tem toda a razão de apelar aos novos Ministros para que se abstenham de “inventar a roda” antes de se aperceberem se a mesma já foi inventada no respectivo Ministério, mas também não deixa de ser razoável dar-lhes o necessário benefício da dúvida, se estes assim procederem. É que, como se disse, muitas vezes essa atitude é involuntária.


E o “trabalho, trabalho, trabalho” não pode parar nos Ministérios. Logo, às vezes a alternativa é implementar novos paradigmas, ao invés de esperar que “pseudo-donos da casa” se predisponham a colaborar…
(Homero Lobo)

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