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quinta-feira, 09 março 2023 07:14

Combate à fome: SUSTENTA reduziu culturas alimentares a favor de culturas de rendimento – constata pesquisa

Uma avaliação parcial e preliminar ao Projecto SUSTENTA, realizada pelo Observatório do Meio Rural (OMR), revela haver uma redução da percentagem de agricultores que produzem culturas alimentares em benefício das culturas de rendimento.

 

Segundo a pesquisa, realizada entre 2021 e 2022 e com incidência na primeira fase da implementação do SUSTENTA (2017-2019), o milho é a única cultura alimentar cuja produção não reduziu entre os Pequenos Agricultores Comerciais Emergentes (PACE).

 

“As áreas dedicadas às culturas alimentares diminuíram, tanto nos PACE [Pequenos Agricultores Comerciais Emergentes] como nos PA [Pequenos Agricultores], excepto nos PACE com 10 ou mais hectares, isto é, o milho para os PACE é também uma cultura alimentar. Os PA produzem mais para a alimentação e os PACE para venda, obtendo rendimentos para a compra de alimentos nos mercados”, revela a pesquisa, sublinhando existir uma maior insegurança alimentar, com maior incidência nos PA, que constituem o maior tecido social e económico do país.

 

Os dados foram divulgados na passada segunda-feira, 6 de Março de 2023, em mais um número do Destaque Rural (210), uma das principais publicações daquela organização da sociedade civil. A avaliação, sublinhe-se, foi publicada num momento em que o país discute os dados partilhados semana finda pelo Ministro da Agricultura e Desenvolvimento Rural, segundo os quais, 90% da população moçambicana tem acesso a três refeições por dia. A informação gerou uma onda de críticas ao responsável pela implementação do principal projecto agrícola do Governo de Filipe Nyusi. O estudo foi realizado no âmbito do projecto “Avaliação Intercalar do Programa Sustenta”, em curso no OMR.

 

Tal como noutros projectos agrícolas e/ou sociais desenvolvidos em Moçambique, refere o estudo, o Projecto SUSTENTA nem sempre cumpriu os critérios pré-definidos para selecção dos beneficiários, sendo que grande percentagem deles são membros do partido Frelimo; agentes do Estado local; e agricultores com influência política e social. Diz ainda haver pouca coordenação sectorial central e provincial entre instituições públicas e projectos com implementação local, devido à centralização e verticalização dos processos, o que pode “provocar entropias, conflitos institucionais e outros”.

 

Segundo a pesquisa, o SUSTENTA apresenta igualmente relações não contratualizadas e porosas entre PACE e PA; bastantes desistências de PACE e PA por não cumprimento de compromissos de empréstimos e outros; e que os PACE pouco realizam algumas das funções junto dos PA (extensão, mecanização, assistência técnica e comercialização/acesso aos mercados pelos PA).

 

O não cumprimento dos contratos, alertam os pesquisadores, pode levar à redução e/ou ao fim do financiamento administrativo desses recursos, a ruptura do acesso aos insumos, equipamento e crédito por parte do Banco Mundial, o principal parceiro financeiro do projecto.

 

A eventual descontinuidade dos recursos financeiros poderá provocar, como noutros projectos, alterações nos possíveis ganhos produtivos, de produtividade, no rendimento dos produtores e na segurança alimentar (sobretudo devido ao aumento do rendimento monetário e aquisição de alimentos no mercado), reduzindo a segurança alimentar”, defendem os pesquisadores.

 

“A não-criação de mecanismos económicos e de mercado que garantam a reprodução autossustentada dos objectivos do Programa e que correspondam às lógicas reprodutivas dos agricultores pode gerar a insustentabilidade do desenvolvimento agrário, seja do suposto modelo out grower como de outros”, acrescenta.

 

Fraca articulação e preparação técnica dos extensionistas “mina” o projecto

 

O estudo ataca, igualmente, a componente de extensão agrária, demasiadamente publicitada e defendida pelo Ministro da Agricultura e Desenvolvimento Rural, Celso Correia. A pesquisa revela haver pouca articulação entre os extensionistas ligados aos Serviços Distritais das Actividades Económicas e os afectos às iniciativas privadas.

 

“Fraca preparação técnica para o exercício de algumas funções atribuídas de apoio aos PACE, como contabilidade e plano do negócio, assistência/auxílio na gestão da produção (por exemplo, em casos de surgimento de doenças e pragas, tendo estes apenas a função de informar a entidade de coordenação). Não estão definidas funções de extensão agrária”, considera.

 

O OMR revela ainda ter constatado a inexistência de novas cadeias de valor estruturadas nos locais estudados (distritos de Mocuba, Ile, Gilé, Alto Molócuè e Gurué, na província da Zambézia; e Ribaué, Malema, Lalaua e Mecubúri, na província de Nampula), persistindo a soja (cadeia avícola), o feijão bóer e o gergelim (primeira transformação para rentabilizar a exportação).

 

Em relação à concepção de linhas de crédito com juros bonificados, a pesquisa refere que a maioria dos PA obteve crédito por intermédio dos PACE, geralmente em kits de insumos e equipamentos. “Não houve crédito para fundo de maneio e abertura de campos agrícolas”, afirma, referindo que as sementes fornecidas aos produtores foram de baixa qualidade e, muitas vezes, sem poder germinativo e não adaptadas aos solos.

 

Descentralização, profissionalização e despartidarização cruciais para o sucesso do SUSTENTA

O estudo conduzido pelos economistas João Mosca e Yara Nova e pelo especialista em Desenvolvimento Rural Nelson Capaina não indica apenas os problemas, mas também as possíveis soluções para tornar o SUSTENTA num sucesso, tal como almeja o Governo.

 

Entre as soluções, os pesquisadores sugerem a descentralização financeira, técnica e de poderes de decisão, no quadro do princípio da subsidiariedade; e a profissionalização e despartidarização das instituições envolvidas no projecto.

 

Refira-se que é objectivo do Chefe de Estado, Filipe Jacinto Nyusi, atingir “Fome Zero” no país até ao fim do seu mandato e, para tal, conta com o Projecto SUSTENTA, um projecto financiado pelo Banco Mundial. Na sua primeira fase, era avaliado em 16 mil milhões de Meticais. (A. Maolela)

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