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sexta-feira, 08 março 2019 06:43

Os mal-criados que nós parimos

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-- CREDELEC não devia ser mais cara que rancho de pobre ---

 

["Afinal, meu senhor, quanto é para você não me cortar a energia e não me multar, uma vez que flagrou-me roubando energia? Estou a pedir, senhor! Vou dar refresco mesmo"]

 

A relação Povo-Estado, na qual a esse "Estado" é emprestado o Poder pelo mesmo povo, compara-se à situação Filho-Pais. A distinção, disciplina e carácter (ou não) de uma criança denuncia a qualidade de educação que o Pai tem ou deixa a criança reter. Por isso, clichês similares a "esta criança não presta", ou "criança, tu és mal-criada", são severamente combatidos em contextos de sociedades mais conscientes sobre a dicotomia Pai-Educação vs Filho-Educação. Nenhuma criança no mundo nasce indisciplinada, burra, agressiva, conflituosa, etc. Ela será tudo aquilo que os meios onde estiver inserida a moldarem, e nisso os Pais é que são os principais e, às vezes, únicos responsáveis. Claro que há algumas predisposições genéticas. Se, por exemplo, numa mesma família há criança mais clara, menos alta, muito cabeluda, etc., é então natural que algumas predisposições psico-genéticas ocorram também, como é o caso de se ser mais falador, menos enérgico, mais simpático, muito disponível, etc., mas nada disso castra a influência, quiçá positiva, de uma boa educação dos seus Pais. 

 

É consensual que o maior simbolismo de educação que os Pais devem aos seus dependentes fosse o Exemplo. Descascando, não adianta berrar p'ra criança procurando oprimir as tendências, actos de violência ou antissociais para com outras crianças, se a relação entre os Pais dentro de casa e em toda a sua interacção é de constante conflito, discussões, violência doméstica, etc. - Filho de Peixe, Peixinho É -... Portanto, Pais responsáveis primem pelo exemplo: Poucas palavras, muitos actos. É como, religiosamente, se enuncia: P'ra Deus, não adianta estar-se lá todos os dias no Culto se as obras são iguais às dos "mundanos"... Voltando aos Pais, não adianta tentar convencer aos filhos dizendo que não podem comprar uma pasta ou caderno, melhorar a ementa nutricional em casa para ele estudar e viver melhor, alegando exiguidade financeira, se sempre a Mãe está com extensões novas, unhas de gel reabilitadas, sapatos novos e "muitos programas com grandes amigas". Um filho aceita estar roto na rua, na escola, com amigos, se o seu Pai estiver igualmente roto. É isto que dá consistência à educação. É de EXEMPLOS como esses que famílias extremamente pobres conseguem criar GRANDES HOMENS E MULHERES, pois os filhos, com todos os desafios a eles adstritos, submetem-se à educação, liderança e autoridade dos seus Pais "engordados" pelo exemplo desses pais... 

 

Este "EXEMPLO" de que falo é um dos actos concretos mais notáveis de uma "transparência" na gestão familiar. Filhos que crescem dando-se bem, no fim enchem a boca e falam bem dos seus Pais, pois durante todo o seu crescimento "sentiram" uma autoridade executada desse jeito, com Transparência, Humildade e Supra-Dedicação de seus Pais para com eles. 

 

Com uma sociedade não acontece diferente. Um povo facilmente se submete aos projectos do executivo que o lidera, se o exemplo for a nota sonante. A relação Povo-Estado devia, numa sociedade normal, basear-se na confiança, comprometimento, respeito, que o "Estado", na pessoa de quem foi confiando essa honra de governar, sempre pré-existir a TRANSPARÊNCIA, produzida pelo EXEMPLO, pela dedicação à causa e respeito por aqueles que esperaram do governante os "comandos" justos para a sua vida.

 

Quem hoje pode "confiar" que esta subida do preço da energia eléctrica é justa, e que todos devem contribuir sacrificando tudo, pois os ganhos serão para a totalidade dos moçambicanos, se nunca houve TRANSPARÊNCIA na articulação de preços de energia eléctrica; se não há coerência em actos de governação (com enfoque na preservação da integridade do povo)? Já me explico sobre coerência, e a seguir volto à questão da transparência. É indescritível que o mesmo sujeito que se senta todos os anos nas reuniões da Consertação Social, assumindo-se como guardião dos Povo, ou então o visionário do equilíbrio entre as facções, esteja "hoje" sistematicamente a escamotear o poder de compra do seu cidadão, do Povo que o confiou. É incoerência, sendo representante do Estado, dizer ao agente económico privado: "não suba os preços", mas "cresça os salários mínimos", e por trás subir os preços dos produtos ou itens estratégicos para a economia das pessoas, como é o caso da energia eléctrica. 

 

A energia eléctrica é um bem necessário e transversal. Subir a energia promoverá a subida de outros preços, pois a sua produção está relacionada com a electricidade. E energia eléctrica, dentro da família, representa um elemento central de subsistência: crianças precisam de energia eléctrica para fazer TPC, para engomar a roupa. Os pais precisam para ligar o congelador e conservar a lâmina de carapau que é a única "comida de prestígio" que podem garantir aos seus filhos. Portanto, a energia eléctrica não é um produto de luxo, passível de ser preterido na economia familiar. Então, não se compreende que o mesmo Estado (na pessoa do Governo) que sabe que o salário mínimo é de 6.250,00Mt esteja a aprovar subidas de preços da energia eléctrica ao ponto de significar mais de 70% do orçamento familiar. Quais são as opções que se deixam para essas pessoas? Resposta: "talvez roubar a energia que já é delas, porque Cahora Bassa é delas, e ir gerindo (com jogatanas de subornos) as inspecções dos agentes da EDM ou sucumbir, e tornar-se pessoas mais pobres do que já eram"...

 

A questão da TRANSPARÊNCIA na articulação de preços da energia elétrica devia traduzir-se pela apresentação do projecto que "existe", mostrando como "pagar mais pela energia vai beneficiar mais e melhor", facto que nunca ocorreu. A inexistência de um propósito claro nestas subidas só se agudiza pelo facto de as mesmas terem sido feitas num período muito curto, e nos momentos em que devia ter ido exactamente no sentido contrário. É que de 2015 à 2019 houve um agravamento de cerca de 80% no preço da energia eléctrica (em 2015 uma família poderia gastar 400Mt ao mês pela sua energia e hoje, com os mesmos 400 só fica cerca de 7 dias), deixando claro que a EDM não tem estratégia consolidada, de facto, que integre por exemplo: investimento no alargamento da base dos clientes, segmentação e diversificação de serviços, a não ser pura e simplesmente equilibrar seus balanços aravés do aumento das receitas obtidas com o pagamento feito estritamente por aqueles clientes que eles já têm.

 

Este é o meio caminho para a destruição de uma sociedade, com enfraquecimento da sua sustentabilidade familiar. Energia eléctrica, num mês, não devia ser mais cara que fazer rancho de pobre. As consequências serão devastadoras. A rebelião não será por violência, mas por sabotagem. Moçambicanos tornar-se-ão mal criados por isto. Ninguém os segurará, pois o espelho deles, que é o Estado, não demonstra "preocupação, carinho, dedicação, exemplo e transparência" nas suas acções. Por outro lado, existem os passivos. Com estes, será por cedência (há quem não luta mais), e assim a falência ou morte de várias famílias moçambicanas.

 

Um Estado responsável, jamais faria isso a quem o confiou... Jamais...

Sir Motors

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