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terça-feira, 29 outubro 2019 08:39

As Eleições não foram livres, justas e transparentes e os resultados não são credíveis

Declaração da sociedade civil sobre eleições gerais e das assembleias provinciais

 

As eleições gerais e das assembleias provinciais de 15 de Outubro não foram livres, justas, nem transparentes porque o partido no poder capturou e assaltou a máquina eleitoral, concluem o Centro de Integridade Pública (CIP), o Centro Desenvolvimento da Democracia (CDD), o Centro de Aprendizagem e Capacitação da Sociedade Civil (CESC), o Forúm Nacional das Radios Comunitárias (FORCOM), o Observatório do Meio Rural (OMR), o Mecanismo de Apoio à Sociedade Civil (MASC), a WLSA Moçambique e a plataforma de observação eleitoral VOTAR Moçambique, que subscrevem este comunicado.

 

Das seis eleições gerais multipartidárias já realizadas em Moçambique, estas foram as mais viciadas e fraudulentas. Para a justiça e neutralidade nas eleições, é preciso repensar-se o sistema eleitoral em que o partido no poder nomeia agentes eleitorais-chave, que podem violar a lei com impunidade, protegidos pela intimidação promovida pelo partido e pela polícia.

 

A constituição de uma nova Comissão Nacional de Eleições (CNE), em Abril do próximo ano, deve ser o ponto de partida para a mudança e as OSCs irão promover uma campanha a favor da criação de uma CNE independente e neutra.

 

A manipulação flagrante das eleições começou com as eleições municipais do ano passado, nas quais a contagem de votos aconteceu de forma secreta e ilegal em, pelo menos, cinco municípios (Matola, Marromeu, Moatize, Alto-Molócuè e Monapo), dando vitória ao partido no poder, apesar do apuramento provisório da CNE e a contagem paralela mostrarem vitória da oposição. O recenseamento deste ano foi flagrantemente manipulado, com a província de Gaza a recensear  300.000 eleitores acima da população em idade eleitoral, enquanto na Zambézia o recenseamento foi abaixo do esperado.

 

A campanha eleitoral foi caracterizada por uma mistura de uso excessivo de recursos do Estado pelo partido Frelimo e pela intimidação da oposição e da sociedade civil. Alunos e professores foram obrigados a fazer campanha pelo partido no poder e viaturas e outros meios do Estado foram usados ilegalmente durante o processo. Tudo isto foi acompanhado pela crescente intimidação - pelo bloqueio de caravanas da oposição, o registo e até a recolha de cartões de eleitores para fins desconhecidos.

 

O que aconteceu, pela primeira vez, este ano, foi a tentativa de impedir ilegalmente a observação independente, atrasando e não emitindo credenciais de observadores em larga escala. Em algumas províncias, as credenciais não foram, simplesmente, emitidas para observadores independentes. Mais de 3.000 observadores independentes não receberam credenciais e alguns, em número reduzido, –receberam -nas no dia da votação, muito tarde para se deslocarem aos postos de votação.

 

Tudo isto limitou, em grande medida, a observação eleitoral por Organizações da Sociedade Civil (OSC) na Zambézia, Gaza e Tete. Do lado oposto, foram emitidos milhares de credenciais para "observadores" de grupos desconhecidos ligados ao partido no poder, cujos titulares intervieram activamente no funcionamento das assembleias de voto.

 

Continuamos a assistir a observação internacional a legitimar processos eleitorais viciados e caracterizados por ilícitos eleitorais que desvirtuam o resultado final das eleições, como se essas práticas fossem aceites e comuns nos processos eleitorais dos seus países. Vivemos um cenário caracterizado por uma forma pouco respeitosa de chamar as nossas eleições, designando-as de segunda categoria e onde os eleitores são chamados simplesmente para legitimar a fraude.

 

No decurso do processo eleitoral, o mais horrível foi o assassinato hediondo de Anastácio Matavel, voz activa da sociedade civil e chefe de missão de observação eleitoral, executado por um esquadrão de morte constituído por agentes da Polícia de elite, 9 dias antes das eleições. Isto, claramente, pretendia intimidar e impedir a observação das eleições pelas organizações da sociedade civil, principalmente na província de Gaza, onde a vítima foi assassinada.

 

Houve falhas graves e generalizadas no cumprimento das regras de apuramento parcial de votos nas assembleias de voto, no transporte de editais das assembleias de voto para as sedes distritais do STAE e no apuramento distrital. A exigência legal da publicação de cópias de editais de apuramento parcial nas assembleias de voto e de apuramento intermédio nas Comissões Distritais de Eleições (CDE) foi violada de forma generalizada, tornando-se ainda mais difícil o monitoramento do processo pelos observadores das OSCs. Face a tudo isto, exige-se que os tribunais e o Conselho Constitucional, que têm a nobre missão de garantes da aplicação da Lei e do respeito pela Constituição da República, façam julgamento justo e transparente do processo eleitoral, julgando o mérito das questões e não apenas as formalidades, como fizeram no passado. Esta é a única forma de conferir alguma credibilidade a um processo que é posto em causa pelos concorrentes, pelos cidadãos e tem potencial para gerar um conflito pós-eleitoral, como já se viu, ciclicamente, nas últimas duas eleições gerais (2009 e 2014).

 

Nós, enquanto organizações da sociedade civil, declaramos que as eleições não foram justas, livres, muito menos transparentes e que os resultados não são credíveis devido ao bloqueio ilegal da observação independente das organizações da sociedade civil. Isto é inadmissível e não pode acontecer num país que se pretende democrático. As OSCs estão unidas para lançar uma campanha em memória de Anastácio Matavele para garantir que os órgãos de gestão eleitoral nunca mais sejam capturados por qualquer partido. Começamos exigindo a constituição de uma Comissão Nacional de Eleições reputada, neutra e que possa liderar a reforma do sistema eleitoral.

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