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Actualizado de Segunda a Sexta

terça-feira, 12 maio 2020 06:08

Insurgência: Há riscos de Moçambique se transformar numa pequena Nigéria?

Existem paralelismos entre os dois casos e prendem-se com a origem da insurgência, diz Alex Vines. Mas o investigador britânico acredita que a crise ainda pode ser contida e que Maputo pode aprender dos erros de Abuja.

 

As acções dos insurgentes na província nortenha de Cabo Delgado entraram agora numa nova fase. Aumentou a violência e a frequência dos ataques e as suas investidas passaram a atingir de forma humilhante os símbolos do Estado e religiosos, e sugerem a "tomada" de certas zonas.

 

Mas a resposta das autoridades moçambicanas também já começa a ser ajustada às incursões dos insurgentes. E com isso entram novos atores no palco dos confrontos. É sobre esta nova fase em Cabo Delgado que entrevistámos Alex Vines, investigador do Programa para África no instituto britânico de pesquisa Chatham House:

 

DW África: Pela primeira vez, o Governo reagiu a altura das investidas dos insurgentes, aparentemente com resultados satisfatórios. Se isso acontecer com regularidade, acredita que a insurgência tem os dias contados em Cabo Delgado?

 

Alex Vines (AV): As Forças de Defesa e Segurança (FDS) de Moçambique, durante o último mês, estiveram concentradas numa contra-ofensiva que foi possivelmente bem sucedida. E como todas as operações de contra-insurgência, esse desafio é de longo prazo, conquistando corações e mentes da população local, fornecendo desenvolvimento e segurança.

 

DW: Há relatos sobre a presença de mercenários sul-africanos, zimbabueanos e até de tropas angolanas a apoiar o Governo moçambicano. Também já se fala na possibilidade de uma tropa da SADC para apoiar o país. Como vê a cooperação regional, se considerarmos que os insurgentes podem ter intenções expansionistas na região austral de África?

 

AV:É verdade que o Governo de Moçambique contratou grupo AJA para fornecer aconselhamento e apoio aéreo. Esta dupla presença na experiência de contra-insurgência de Angola, Serra Leoa, Nigéria e de outros países me parece ter revertido os ganhos da insurgência a curto prazo. Igualmente, importante é o recente anúncio de que a Tanzânia enviou tropas adicionais para a fronteira [com Moçambique] do rio Rovuma. Não acredito que Angola tenha enviado tropas, mas ofereceu conselhos como o Zimbabué. A crise em Cabo Delgado é um assunto regional e a SADC desempenha um papel nesse sentido. 

 

DW: Já se fala em insurgentes infiltrados nas aldeias que estarão a usar a população como escudo. Também se advinha que deverão sequestrar ou atacar proeminentes líderes religiosos e altos governantes. Como interpreta essa nova abordagem dos insurgentes?

 

AV: A insurgência entrou numa nova fase. Ataques como o de Mocímboa da Praia evitaram muitas baixas civis e elementos como combustíveis e dinheiro foram restituídos durante a ocupação. Claramente os insurgentes estão a tentar construir uma base social e estão a revesar os símbolos do Estado e dos colaboradores. É por isso que o Governo precisará melhorar muito as suas próprias estratégias de corações e mentes.

 

DW: Já se pode dizer que Cabo Delgado é palco de uma guerra civil?

 

AV: É uma insurgência em Cabo Delgado e as causas principais são locais e regionais. Eu não diria que isso é como a guerra civil, como começou com a RENAMO em 1977 e que terminou em 1992, é diferente. Mas as maiorias das causas e soluções são moçambicanas.

 

DW: Também se acredita que as desigualdades sociais estejam na ordem da insurgência. Como acha que as autoridades deviam resolver isso?

 

AV: Pobreza, desigualdade e a governação são os principais impulsionadores deste conflito. A nomeação de Armando Panguene em março deste ano como presidente da Agência de Desenvolvimento Integrado do Norte de Moçambique é um desenvolvimento importante. Não existe uma solução militar para essa insurgência. 

 

DW África: Acha que os interesses dos gás em Cabo Delgado são o objetivo final dos insurgentes?

 

AV: Pesquisas mostram que nos primeiros anos da década anterior a raiz do descontentamento islâmico já estava lá presente. Os desenvolvimentos do gás não são a causa ou raiz da insurgência, mas podem esperá-lo provocando o sentimento de inquisição.

 

DW África: Há perigo de um conflito inter-religioso?

 

AV: O islão mais puro é uma das razões para apoiar a insurgência. Isso certamente recorre à mediação por meio das mesquitas, ONG islâmicas e da comunidade muçulmana em Moçambique para buscar soluções. Não será resolvido através da violência.

 

DW África: Há o risco de Moçambique se transformar numa pequena Nigéria?

 

AV: A insurgência em Cabo Delgado me lembra o crescimento inicial do Boko Haram no nordeste da Nigéria. As causas principais são semelhantes, assim como o local que faz fronteira, como uma fronteira internacional porosa. Espero que o Governo moçambicano aprenda com os erros dos nigerianos e evite que as crises piorem. A crise em Cabo Delgado ainda pode ser contida e [a situação] gradualmente melhor. (DW, com a devida vénia)

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