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quinta-feira, 20 dezembro 2018 07:20

Três dias de terror: a estória dos jornalistas seviciados em Cabo Delgado

Contado parece ficção. Mas, efectivamente, foi o que aconteceu a uma equipa de jornalistas, em Cabo Delgado, entre domingo e terça-feira última. Estácio Valoi e David Matsinhe, jornalistas investigativos (juntamente com o seu motorista), partiram de Pemba, no último domingo, com destino à aldeia de Chitolo. A intenção era reportar a situação sócio económica da população daquele ponto do distrito de Mocímboa da Praia, em província de Cabo Delgado.

 

Meses antes (em Março) a mesma equipa havia estado no local, poucas horas depois do primeiro ataque dos homens armados que tem estado a causar pânico na região. Nessa ocasião uma pessoa havia sido decapitada e 50 casas incendiadas. Desta vez tratava-se, portanto, de um follow-up…

Pouco passava das 15 horas de domingo quando a equipa chegou ao destino. Só que, para sua surpresa, à entrada de Chitolo, depararam com uma cancela, de onde emergiu um grupo de militares que os impediram de entrar na aldeia, não obstante o facto de terem apresentado uma credencial passada pelo seu respectivo órgão de Informação – o jornal “Moz 24 Horas”, propriedade do CJI (Centro de Jornalismo Investigativo).

É nesse momento que Estácio Valoi decide a ligar ao Comandante Provincial da Policia a informar-lhe do que se estava a passar. Este prontamente garantiu que contactaria o Comandante Distrital de Mocimboa da Praia, para desbloquear a situação. Entretanto, e enquanto esperavam, os jornalistas foram conversando com os militares ali presentes, tentando apelar à sua compreensão. Pior a emenda que o soneto: os militares “lembraram-se” que afinal poucos minutos faltavam para as 16H00, e a que essa hora – em função do clima de tensão que se vive na zona – está interdita a entrada de todo e qualquer cidadão em Chitolo, seja ele quem for.

Assim sendo, os nossos colegas dirigiram-se ao Comando Distrital da Policia, na vila de Mocimboa da Praia, onde foram recebidos pelo Comandante Adjunto. Este disse-lhes que já tinha recebido instruções superiores a autorizar a sua entrada em Chitolo, só que dado o “adiantado da hora”, tal só poderia acontecer no dia seguinte…

 

“Cadê”a guia de marcha”?…

Logo pela manhã, antes de retornar a Chitolo – e até mesmo para evitar novas “surpresas” – a equipa de jornalistas voltou ao Comando Distrital da Polícia. Não só lhes foi “renovada” a autorização (verbal) para avançar, como também lhes informaram que calhava bem o seu trabalho, uma vez que precisamente nessa manhã o pessoal do World Food Program (WFP), estaria na aldeia a distribuir alimentos à população.

Só que, uma vez mais, às portas de Chitolo, e na mesma cancela onde haviam sido barrados no dia anterior, a história repetiu-se. É que os jornalistas não traziam consigo papel algum – na verdade uma “guia de marcha” – passado pelo Comando Distrital da Policia…

A solução foi regressar novamente a Mocimboa, pedir a emissão do “visto” e retornar à cancela de Chitolo. Como diz o adágio popular, “à terceira foi de vez”. Finalmente conseguiram entrar na aldeia.

Entretanto os jornalistas foram avisados de antemão que, assim que chegassem ao centro da aldeia, teriam um outro contingente militar a recebe-los. Foi o que aconteceu: durante todo tempo em que realizaram o seu trabalho (basicamente entrevistas aos membros da comunidade e fotografias às casas que haviam sido incendiadas no primeiro ataque), os nossos colegas estiveram sempre escoltados por tropas…

Findo o trabalho em Chitolo, os “escribas” decidiram rumar a Palma, para realizar um trabalho similar.

 

Novo pesadelo em Palma

De acordo com Estácio Valoi, a cerca de 15 km de Palma, eis que surge no meio da estrada um grupo de militares, que os manda parar. “Eram cerca de 50 homens e todos com as armas apontadas para o nosso carro. Ordenaram-nos que descêssemos imediatamente, que não tocássemos em mais nada, e que lhes entregarmos todo os nossos equipamentos”…

Sem perceber o que se estava a passar, os jornalistas ainda tentaram exibir a “guia de marcha” passada pelo Comando Distrital da Polícia. Debalde. Foi-lhes simplesmente informado, que (eles, os militares) estavam ali a cumprir ordens superiores. E que quem autorizara os escribas a realizarem o seu trabalho, agora os desautorizava…

“Nesse momento apercebemo-nos que, afinal, atrás de nós também vinha mais um outro grupo de militares e um BTR, do qual saiu um Comandante Militar. Ordenaram-nos que voltássemos a entrar no carro e retornássemos a Mocimboa da Praia, naturalmente escoltados por eles. Só que desta vez, levaram-nos para uma escola (a Escola Primária de Quelimane) onde está sediado o seu quartel” – conta Estácio Valoi …

 

Uma vez ali, os militares recolheram o equipamento que ainda restava aos jornalistas: os seus telemóveis. E exigiram que revelassem as respectivas “passwords”. O que vale é que antes disso, no trajecto até Mocimboa da Praia, Estácio Valoi e David Matsinhe, já haviam enviado mensagens à sua agencia e também ao Comandante Distrital da Policia, a informarem o que se estava a passar. Deste ultimo ouviram apenas uma instrução enigmática: “ignorem-nos” (referindo-se aos militares)…

 

Na EP Quelimane – isto é, no quartel general – novo interrogatório, e novas ameaças, sempre com as armas em riste. De acordo com Estácio Valoi, o Comandante Militar chegou a dizer-lhe: “Aqui posso retirar-vos todos os vossos direitos…” Quando a noite caiu, os jornalistas e o motorista foram obrigados a dormir no canopy da viatura em que se faziam transportar. “Durante a noite acordaram-nos várias vezes para nos interrogar e ameaçar. Um deles chegou mesmo a dizer: `vocês vão morrer por causa disso que andam a fazer`. A partir daí deduzimos que já haviam vasculhado todos os nossos computadores e telemóveis” – diz Valoi.

 

Matabicho, almoço e jantar…

Na manhã seguinte a equipa de jornalistas investigativos foi informada que deveria permanecer ali, no pátio da Escola, enquanto esperavam por ordens superiores. Para seu espanto foi-lhes oferecido um pequeno almoço: chá, pão e… mangas.
Nada aconteceu à hora do almoço, que também lhes foi servido. Uma almoço principesco (para as circunstâncias), diga-se de passagem: massa-cotovelo com peixe. Aliás, foi-lhes informado que aquela era a refeição que normalmente se serve aos chefes.

A meio da tarde apareceu uma viatura de marca Mahindra, cujos ocupantes se dirigiram directamente ao “gabinete” do quartel. Um dos militares que escoltavam os jornalistas segredou-lhes que provavelmente iriam ser “libertos” em breve, uma vez que aquela viatura vinha directamente de Mocimboa da Praia.

No entanto, antes que algo de especial acontecesse, foi servido o jantar – Xima com pedaços de carne – aos jornalistas, embora ainda fossem 17H00. Segundo Estácio Valoi, “cerca de uma hora depois, do Gabinete saíram cerca de 10 militares, encabeçados pelo respectivo comandante, e ordenaram-nos que partíssemos, mas que o nosso material ficaria ali com eles, para ser analisado. Diante dos nossos protestos, foi-nos informado que se quiséssemos ficar à espera da inspecção ao nosso equipamento, podíamos ficar, mas que isso poderia levar mais de… uma semana”

 

Sem outra alternativa os jornalistas partiram nessa mesma noite de terça-feira (18) com destino a Pemba, onde chegaram pouco antes da meia-noite. Desde ontem que tem estado a contactar uma série de organizações para ver o que poderão fazer doravante, se por mais não seja, para pelo menos tentarem recuperar o seu equipamento. Além disso já recorreram aos serviços de um advogado. De salientar que o equipamento apreendido consiste de 3 câmaras fotográficas, 6 telemóveis, 2 laptops…

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