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domingo, 16 dezembro 2018 17:50

A Universidade tem de honrar o seu nome

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Não escrevo este texto porque o Albertino Damasceno, o Tino, é meu amigo há quase cinquenta anos. Escrevo-o para lhe pedir desculpa pela parte que me cabe no mal que lhe fizeram.

Resumo a história:

  1. O Prof. Damasceno é um médico cardiologista, com trinta anos de experiência como especialista, um dos top máximos em Moçambique, com grande prestígio internacional e com uma produção científica de que poucos docentes universitários se podem ufanar.
  2. Depois de um longo processo, o Prof. Damasceno conseguiu submeter o processo para concorrer a Professor Catedrático de Medicina Interna (a Cardiologia é tratada como parte da disciplina de Medicina Interna) na Universidade Eduardo Mondlane, em Novembro de 2017.
  3. O edital do concurso foi divulgado em Julho deste ano, tendo a UEM solicitado ao Prof. Damasceno que apresentasse toda a documentação para as provas no prazo de trinta dias, prazo que foi cumprido por ele.
  4. Tendo-lhe sido solicitados nomes de três Professores Catedráticos de outras universidades estrangeiras para se escolher um para integrar o júri, o Prof. Damasceno enviou-os, eram todos de universidades portuguesas. Aqui, terá havido uma falha da parte dele – um dos indicados, o Prof. Jorge Polónia, um especialista com inúmeros prémios científicos, particularmente pelo seu trabalho na área de hipertensão, é Prof. Associado com Agregação na Universidade do Porto, sendo Prof. Catedrático convidado da Universidade de Aveiro, também uma das melhores universidades portuguesas.
  5. Depois do acerto de datas, ficando as provas marcadas para o dia 11 de Dezembro, a UEM enviou o convite formal ao Prof. Polónia, chamando-o Prof. Catedrático da Universidade do Porto e pedindo-lhe o CV. Não foi feito pela UEM nenhum contacto com a Universidade do Porto.
  6. O Prof. Polónia, talvez por achar que a falha de o colocarem como catedrático no Porto quando ele o é em Aveiro como não muito relevante, aceitou o convite e mandou o CV onde toda a sua actividade, títulos, categorias, etc. está detalhadamente descrito.
  7. Tudo parecia estar portanto em condições quando, na véspera das provas, o director científico da UEM contactou o Prof. Polónia, hospedado pela UEM no Hotel Cardoso, para lhe dizer que as provas já não se iam realizar e insinuando que ele tinha enganado a UEM. Quando o Prof. Polónia lhe referiu ser catedrático em Aveiro e que tudo estava claro no CV enviado um mês e meio antes, o dito director calou-se — mas não mudou de posição.
  8. Às 21 horas, o Prof. Damasceno foi convocado para uma reunião com o Reitor da UEM, com outros elementos da direcção da universidade e outros membros do júri presentes (mas não o Prof. Polónia). Apesar dos esclarecimentos prestados pelo Prof. Damasceno, a posição da universidade não se alterou.
  9. No dia seguinte, ao saber do assunto, troquei mensagens com o Reitor, onde ele reconheceu ter havido falhas dos dois lados.

Pensei, na minha ingenuidade (é verdade, apesar dos anos que se acumulam, continuo a ser um parvo), que a UEM queria tratar do assunto discretamente e que ia rapidamente lançar um novo concurso. Por isso, fiquei surpreendido ao ler na “Carta de Moçambique” do dia 13 (e Marcelo Mosse é um jornalista por quem tenho respeito) este lixo escrito em letra de forma:

Na noite de ontem, “Carta de Moçambique” ouviu ontem uma fonte da direcção da UEM, sob anonimato. A fonte disse que o adiamento foi decidido dentro das normas, e só aconteceu porque não estavam criadas as condições para que as provas fossem prestadas. Disse que o “dossier” do candidato foi submetido apenas na quarta-feira anterior e o júri detectou alguns problemas que deviam ser sanados. Um deles tinha de ver com o facto de que um dos membros do júri ser Professor Associado. A outra era que Damasceno estava a candidatar-se para uma vaga numa cátedra distinta da sua área de docência. Ele é cardiologista mas a candidatura era para Catedrático em Clínica Geral. Albertino Damasceno não quis comentar.

A verdade é que a fonte da UEM mente descaradamente. Mente quando diz que o dossier apenas foi submetido na 4a feira anterior (foi-o em Agosto). Mente quando afirma que um dos membros do júri era Professor Associado (o Professor Polónia é catedrático convidado da Universidade de Aveiro, uma das melhores universidades portuguesas, a UEM recebeu o seu CV um mês e meio antes das provas). Mente ainda quando informa que o Prof. Damasceno se candidatou em Clínica Geral (foi em Medicina Interna) e que devia ter-se candidatado em Cardiologia e não em Medicina Interna (não há uma disciplina e, portanto, uma cátedra em Cardiologia, esta área é tratada como parte de Medicina Interna).

Não estou a discutir regulamentos, bati-me por que eles existissem e por que fossem cumpridos. Mas aqui, regulamentos são apenas pretexto. Tratar desta maneira cavalar uma personalidade como o Prof. Damasceno diz muito sobre o que está a acontecer à nossa mais antiga e mais prestigiada universidade. Como escreveu, a propósito deste assunto, um outro prestigiado nome da Medicina moçambicana, o Prof. António Bugalho: Doutor Albertino, pessoa que na verdade honra mais o título de catedrático do que o título o honra a ele.

Entrei nesta universidade em 1966, formei-me e comecei a dar aulas em 1971, fiz lá toda a minha carreira. Apesar de reformado desde 2007, continuei a dar aulas até este ano. Sinto a universidade como minha, alegro-me quando ela progride, dói-me ao ver retrocessos. Mas creio que, cada vez mais, esta já não é a minha universidade, é outra coisa. Não falo de questões científicas ou pedagógicas, falo de outra coisa, mais importante, que é o seu comportamento ético, indispensável para que nos orgulhemos dela, indispensável para que os estudantes saiam melhores cidadãos, mais ainda quando a universidade carrega o peso do nome Eduardo Mondlane. Infelizmente, o caso do Prof. Damasceno já teve antecedentes em outras situações, até mais graves.

É porque eu tenho o meu nome associado a esta instituição que quero pedir desculpa ao Prof. Damasceno pela parte que me toca nesta malfeitoria. Ao meu amigo Tino só lhe posso mandar um abraço solidário.

 

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