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quarta-feira, 20 dezembro 2023 05:11

O Estado da Nação é penoso, patético, pungente, putrefacto e pária. Não se recomenda!

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Filipe Nyusi faz hoje o seu discurso sobre o Estado da Nação. É o último discurso, ou penúltimo, desse requisito constitucional ao cabo de dois mandatos presidenciais. Neste sentido, ele poderia começar a fazer mais do que o balanço anual da sua penosa governação; mas um exame mais global da sua quase década de governação. 

 

E o sumo espremido do retrato só pode ser penoso. As últimas eleições foram a nódoa mais gravosa do nosso processo democrático. A Frelimo não fez um “fair play”, como sempre, batotando a dois níveis. 

 

Com o apoio de uma máquina eleitoral, incluindo o Conselho Constitucional, manipulado e subserviente, por um lado. E, por outro, amordaçando a voz do povo com recurso aos cifrões usados para silenciar a liderança da oposição. 

 

Estamos a viver uma democracia em contrapé, uma crise tremenda das suas instituições, fruto do estilo autocrata da liderança de Filipe Nyusi e seus lugares tenentes no partido e no Estado. 

 

É óbvio que ele não vai reconhecer qualquer crise. Fazê-lo seria autofágico, qualquer coisa entre o gesto haraquiri e o ardor kamikaze, abrindo brechas para a justificação de uma Reunião Nacional de Quadros, que esvaziaria sua ascendência sobre um Comitê Central moldado à sua imagem e medida; e cujo domínio é essencial para a sua reprodução no partido e no Estado, mantendo o controle  sobre a economia política da execução orçamental, feita mormente com base em práticas de “procurement” opacas, e projectos de viabilidade duvidosa como um Tribunal Um Distrito ou um Hospital um Distrito, autênticos sugadouros de dinheiros públicos.

 

Nyusi deverá enaltecer o DDR e a aparente acalmia em Cabo Delgado. Aparente porque a segurança na zona só está garantida dentro do cordão das operações da TotalEnergies, que já está plenamente construindo suas plataformas em Afungi mesmo sem levantamento oficial da “Force Majeure”, para não despertar atenção.

 

O resto da paisagem é dolorosa, com hospitais sem compressas, o ensino público cada vez mais precário e a economia definhando. 

 

O banco central faz das suas e ninguém põe um guizo nos excessos de um governador errático; antigos ministros controlam o “procurement” por onde passaram e o SUSTENTA não se reinventa para passar a gerar rendimento real para os produtores rurais, através de uma comercialização agrícola decente. 

 

Moçambique é o único país do mundo sem uma bolsa de mercadorias operacional. 

 

Multinacionais de rapina tomaram conta dos silos e armazéns destinados à comercialização agrícola, tornando o Instituto de Cereais de Moçambique (ICM) numa mera entidade rendeira, deixando os produtores camponeses à mercê de “traders” indianos e bengalis, que cavalgam os atalhos montanhosos do Alto Molocue, pagando migalhas pelo feijão bóer e outras leguminosas produzidas com o suor do campesinato e que depois são vendidas na Índia a preços sobre-facturados. 

 

Noutro plano, a dívida pública interna cresce a olhos vistos, perante uma liderança sem soluções para taxar os carteis econômicos instalados em todo o país, os quais gosam da vista grossa fiscal, que decorre do contributo desses cartéis para os cofres do partido e dos seus dirigentes do Secretariado e da Comissão Política. 

 

E no turismo extrapolam-se os números, para dar a imagem de um “boom”apenas sentido nas estatísticas oficiais e nunca nos bolsos dos verdadeiros operadores. 

 

E a EN1? Onde está? Com o Banco Mundial? 

 

Sem essa turma perversa, o nyusismo não consegue enxergar outras soluções? 

 

Parece claro que nao!

 

O discurso de Nyusi hoje vai ser o mais do mesmo, pintando uma paisagem idílica com o verde da esperança, quando todos os dias a pobreza urbana coloca pratos vazios nas mesas dos moçambicanos. 

 

O actual PR nunca gostou de tocar na ferida. Esse será o principal pecado dos seus dois mandatos. 

 

As recentes eleições mostraram que nossa Constituição da República precisa ser renovada, para renovarmos nossa democracia. Nyusi poderia introduzir essa agenda na governação. Saindo com, pelo menos, com o legado de quem iniciou uma reforma constitucional visando reforçar os pesos e contrapesos no plano na governação e proteger a democracia e a vontade do povo. Mas será que ele pensa nisso? Duvido!

MMosse

Sir Motors

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