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Actualizado de Segunda a Sexta

sexta-feira, 17 abril 2020 05:37

Ataques em Cabo Delgado: Residentes de Palma desenham cenário “desolador e sombrio”

“Estamos todos com medo. Ninguém sabe o que pode acontecer nas próximas horas”. Estas são as palavras de um residente da vila de Palma, sede do distrito com mesmo nome, na província de Cabo Delgado, que aceitou falar à nossa reportagem, acerca do momento pelo qual a província está a passar, com o escalar da violência.

 

“A situação não está boa. Aqui todos os dias há tiroteio. Muita gente inocente está a perder a vida. Outros estão a ser espancados, quando são encontrados pelo caminho. Outros estão a ser dados tiros”, contou a fonte.

 

Segundo a fonte, nesta quarta-feira, houve disparos contra um autocarro, que leva trabalhadores para a Península de Afungi, onde estão a ser desenvolvidos projectos de exploração de gás natural do Rovuma, liderados pela Total.

 

 

Conforme conta, tudo começou quando o referido autocarro ultrapassou uma viatura, num local onde havia um blindado (numa das bermas), com armas apontadas para estrada, o que precipitou os disparos, protagonizados pelas Forças de Defesa e Segurança. A fonte afirma que não se registou vítimas mortais, apenas danos materiais, pois, os vidros do autocarro ficaram totalmente quebrados. Garantiu ainda que o condutor do autocarro terá apresentado queixa no Posto Policial local.

 

Segundo a fonte, até às 19:00 horas, as pessoas são proibidas de circular naquela vila-sede que, há oito anos, era o destino preferencial de quase todos os cidadãos do país, devido à implementação dos projectos de prospecção do gás natural. Fala de uma reunião secreta entre os líderes locais e o Comandante Operacional das FDS destacado para aquele distrito, em que foi decidido que não será tolerada a circulação depois das 19:00 horas.

 

Outra fonte descreve episódios tenebrosos, com os militares a submeterem os cidadãos a tratamentos desumanos sem nenhuma explicação. Conta a história de um jovem comerciante (vende mandioca frita) que terá sido baleado, depois de os militares lhe terem perguntado sobre a identidade das pessoas com quem estava a conversar.

 

“Três pessoas estiveram a comprar coisas como jovem e, de repente, apareceram militares que começaram a perseguir essas pessoas. As pessoas fugiram e depois perguntaram ao jovem se conhecia aqueles senhores e o que vinham fazer. Ele respondeu que não os conheciam e que estavam a comprar mandioca. Um militar ligou a pedir que trouxessem um carro para levar o jovem, mas este tentou fugir e foi aí que dispararam contra ele. Perdeu a vida no hospital”, narra a fonte.

 

Desaparecimento de Ibraimo Abu Mbaruco

 

 

O desaparecimento de Ibraimo Abu Mbaruco, jornalista de Rádio Comunitária local e activista social, continua a suscitar muitas perguntas a nível do distrito.

 

Um amigo próximo disse à “Carta” não saber se Ibraimo Mbaruco terá sido “raptado” por ser jornalista ou por se ter encontrado fora de casa depois das 19:00 horas, pois, na noite do dia 7 de Abril, data em que Ibraimo Mbaruco desapareceu, mais de três pessoas foram dadas como desaparecidas naquele ponto do país.

 

Entretanto, uma fonte militar garantiu que o alvoroço que se verifica naquele distrito deve-se às informações que chegaram naquele local, dando conta de que os insurgentes iam atacar aquela vila, depois de terem levado a cabo acções idênticas nas vilas de Mocímboa da Praia, Quissanga e Muidumbe.

 

A mesma fonte afiançou-nos que Ibraimo Abu Mbaruco se encontra detido numa posição militar naquele distrito por suspeita de estar a colaborar com alguns órgãos de comunicação social, incluindo estrangeiros – uma tipologia criminal ainda inexistente no nosso ordenamento jurídico.

 

Aliás, desde o início dos ataques, em Cabo Delgado, qualquer jornalista que reporta a situação tem sido visto como estando a cooperar com o grupo, facto que já levou à detenção de alguns jornalistas nacionais e internacionais, incluindo Amade Abubacar, detido em Janeiro do ano passado, por estar a reportar a triste situação que se vive naquele ponto do país.

 

Refira-se que o irmão de Ibraimo Abu Mbaruco, Juma Abu Mbaruco submeteu, na passada terça-feira, uma queixa na Procuradoria Provincial de Cabo Delgado, em Pemba, para averiguar a situação. Entretanto, Augusto Guta, porta-voz do Comando Provincial da Polícia da República de Moçambique (PRM), em Cabo Delgado, disse à imprensa que a Polícia não conseguiu encontrar “nenhum rastro desse cidadão”, mas que “por fontes familiares, ouvimos que esse cidadão já estaria morto”.

 

O desaparecimento de Ibraimo Abu Mbaruco vem preocupando várias organizações, que trabalham na defesa das liberdades de expressão e de imprensa, entre elas, o Comité de Protecção de Jornalista (CPJ), a Amnistia Internacional (AI), o MISA-Moçambique e a União Europeia (UE), que já repudiaram este acto e exigem a investigação do caso e restituição do jovem à liberdade.

 

Sublinhar que a limitação dos horários de circulação é extensiva a quase toda a província. Na capital provincial, Pemba, em particular no histórico bairro de Paquetiquete, fala-se também de ordens que orientam os cidadãos a circularem entre as 5:00 horas e as 19:00 horas, por se suspeitar que o grupo tenha infiltrados naquele bairro. (Omardine Omar e Carta)

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