Director: Marcelo Mosse

Maputo -

Actualizado de Segunda a Sexta

Carta de Opinião

quarta-feira, 03 abril 2024 11:42

Ainda sobre o refrão dos bitongas

Voltei a passar em frente ao Gabinete do Governador de Inhambane, um edifício de fina arquitectura do tempo, cheio de lâmpadas na fachada, e notei mais uma vez que todo aquele cenário à volta, do qual já falei exaustivamente até não me cansar, continua o mesmo, sem brilho. Os dois aquários colocados no jardim defronte, projectado no sentido de oferecer à cidade uma paisagem esverdeante, e,  consequentemente, trazer beleza e leveza, não têm peixe, o repucho deixou de aspergir água, e o bolor tomou conta de tudo. A estátua de Samora Machel, mal concebedida pelo arquitecto provavelmente coreano, agride violentamente o espírito dos apreciadores da arte, é uma obra deplorável, Samora não tinha pararício no dedo.

 

Naquele edifício trabalha o governador Daniel Chapo, pelo qual nutro uma grande simpatia. É um homem bom, mas também com o nome que tem, não tinha outra opção que não fosse praticar a honestidade e integridade. Daniel, profecta do antigo testamento, é muito atencioso e apegado a família, possui um senso maternal muito forte. É o tipo de pessoa que gosta de se sentir útil e necessário. Então, urge que o nosso “El Chapo”, como lhe chamam a brincar algumas pessoas, dê uma vista de olhos no “seu-nosso” jardim.

 

Passo por aqui sempre que vou à cidade, onde o silêncio tornou-se o refrão dos bitongas. E não posso voltar para casa sem chegar aos Caminhos de Ferro, cujas instalações estão em forma de escombros, não há esperança. Toda esta zona, a defunta serração que já ninguém se lembra dela nas conversas, nem do restaurante Maguluti do Dalsuco, onde conheci o Magid Mussá cantando o lado mais belo da vida, até hoje, com uma voz  muito mais linda, se calhar melancólica como o canto das rolas ao final da tarde.

 

E é neste percurso em que sou levado pelos demónios do amor, que vejo um homem andrajoso entrado na idade, sentado no banco de madeira na Estação dos Caminhos de Ferro. Eu também sento-me ali, partilhando com um desconhecido, a memória do tempo. Há uma diferença aparente entre nós. Enquanto o ilustre desconhecido traja roupa mais do que carcomida e rota e suja e tem cabelo desgrenhado, eu visto calças e camisa de ganga e sandálias de couro, tudo limpo, sem me esquecer do boné que me proteje a calvice, mas as minhas roupas podem ser pura fantasia fantasia, o importante é saber como é que estou vestido por dentro.

 

Saudei hesitantemente o meu futuro companheiro de ocasião, e para o meu espanto, ele retorque: estás bem, Alexandre? Apanhei um susto como no dia em que Deus troveja numa sarsa tornada caixa vocal chamando pelo Moisés, e Moisés perguntou: que és Tu? E a voz que ressurge da sarsa, respondeu: Sou eu, o Deus de Jacob e de David e de Abrahama!

 

E eu também quis saber do homem que vocalizava o meu nome com carinho,“quem és tu, não me lembro de t!?“ e ele contraperguntou-me: lembras-te do Guipfodzo, teu vizinho na Fonte Azul?

 

Prestei mais atenção nele, mesmo assim não podia reconhecê-lo, a não ser o nome que me ribombava. Era o regresso às paródias de criança e de adolescência, ao amor e à verdadeira amizade, e tudo isso era luz.

 

“Não pagas uma garrafinha?” Fui com ele, o Guipfodzo, entrando pelos becos de Chalambe, onde me indicou uma gruta imunda onde se bebe thonthontho, e onde estão outros homens bebendo aguardente de jambalau e de cana-de-açúcar, sem olhar para trás.

 

E eu tinha uns trocados no bolso, com os quais paguei bebida a potes para o Guipfodzo e para toda a gente que estava alí. Bebi com todos eles, no mesmo copo que rodava na roda da frustração até ficar bêbado, e voltei para casa feliz, a cheirar no corpo o odor horrível do meu amigo, transmitido naquele abraço profundo de despedida.

quinta-feira, 28 março 2024 07:57

De todos se faz um Município

O título é um arranjo de um outro título, este de um livro (De todos se faz um País) de Óscar Monteiro, um histórico e membro sénior do partido no poder, e é um apelo que decorre do recorrente frenesim que se assiste com as inundações e derrocadas de infra­estruturas públicas e privadas no país, em particular no Município de Maputo, a capital do país.

 

As consequências das enxurradas, os gritos por soluções e ajudas a quem de direito, as ideias e a vontade de quem queira contribuir ­ para citar alguns exemplos ­ já são do conhecimento público e das próprias autoridades municipais que as chegam de diversas formas, incluindo das "visitas ao terreno", sobretudo a locais e famílias que tenham sofrido o impacto das inundações.

 

Do cenário emerge uma fotografia recorrente: a que retrata uma (ténue) proximidade física entre governantes e governados em tempos de grandes calamidades.  

 

Uma fotografia igual aos momentos de dor por conta da perda de um ente querido, em que o finado é até amparado por um familiar que nunca o estendera a mão e que no momento toma conhecimento do valor que fora o finado em vida, e do potencial que teria sido feito em conjunto, com as ideias e braços de ambos, e de todos, por uma família e mundo melhores. 

 

O mesmo na dor por conta das actuais enxurradas: que as autoridades, sobretudo as municipais, tenham a real dimensão de que "De todos se faz um Município".

 

PS: Hoje é o velório do jornalista e político Manuel Tomé (1952­2024) que a propósito do texto lembra-me uma observação dele quando recebera, enquanto parlamentar, uma delegação de uma organização da sociedade civil moçambicana no âmbito da concertação de esforços para o cancelamento da dívida externa moçambicana. A citada organização, de tão aguerrida, merecera notas prévias de Manuel Tomé que perguntara aos presentes da organização pela cabeça da instituição. Manuel Tomé justificara a pergunta, argumentando que sentia a existência e eficácia de uma espinha dorsal mas de que até então nunca vira a cabeça.

quinta-feira, 28 março 2024 07:13

A ADIN

Por uma razão supérflua, fútil e inimpressionante, a Agência de Desenvolvimento Integrado do Norte (ADIN) - do norte de Moçambique -, acrescente-se, voltou a merecer algumas linhas nos media, nacionais e internacionais, nos últimos dias. E a tal razão de notícia foi, nada mais, nada menos, a substituição do seu presidente de Conselho de Administração. Justamente, como quando, há sensivelmente dois anos e meio, o Professor Ngunga foi substituir o anterior, o ex-diplomata Armando Panguene, que fora nomeado pouco depois da criação da instituição.

 

Uma notícia inimpressionante justamente porque da ADIN, da pompa e circunstância, i.e., do barulho e das expectativas que rodearam a sua criação e lançamento, e todo o clima e ambiente que se vive em Cabo Delgado, esperavam-se/esperam-se mil e uma notícias sobre as suas realizações e ou actividades em toda a extensão do território que se lhe adjudicou. Segundo escreveu uma publicação nacional na altura da entrada em funções do Prof. Ngunga, a ADIN “nasceu com a aura de ser a instituição que iria promover o desenvolvimento sócio-económico em Nampula, Niassa e Cabo Delgado, províncias que compõem a região menos desenvolvida de Moçambique. Era a solução não-militar que faltava para enfrentar o problema do extremismo violento em Cabo Delgado: a ADIN tem a missão de promover empregos para jovens como forma de os desencorajar a aderir aos grupos extremistas.” Por conseguinte, as notícias deviam ser neste vastíssimo e infindável horizonte de acção.

 

Indo-se ao baú de realizações da instituição, muito pequeno ainda, diga-se em abono da verdade, quase nada se vislumbra, senão uns workshops de reflexão aqui e acolá, conferências e… casas de reassentamento em construção algures, absurdamente não nas zonas de origem dos deslocados, em substituição das queimadas pelos terroristas. Acções de desenvolvimento como tais - estradas para escoamento de produtos agrários, pontes, linhas férreas, silos para armazenamento de excedentes de produção, apoios multiformes a camponeses/produtores/criadores na venda dos seus produtos, aumento de empregos, escolas técnicas, hospitais, etc., etc. -, nada de nada; muito menos de algo integrado!

 

A questão que se coloca, a meus olhos, é justamente a imprecisão, a ausência de um entendimento ou definição clara do “fenômeno” desenvolvimento no projecto, alguma confusão da noção por parte do conceptor; fala-se de uma forma genérica, sem indicadores concretos - não se diz quantas estradas entre a produção e o mercado se vão abrir, pontes que serão construídas… empregos que se vão criar, onde, quando e como. De que estamos a falar quando dizemos “desenvolvimento de Cabo Delgado, Niassa e Nampula”? E, mais especificamente, quando dizemos “desenvolvimento integrado”?... Integrando o quê com o quê?

 

Não parece crível que os arquitectos da ADIN tenham visto ou vejam ‘desenvolvimento’ como Todaro (2012) o viu/vê: um processo científico multidimensional, complexo mas inteligente, laborioso, rigoroso, inclusivo; que envolve grandes mudanças nas estruturas sociais, nas atitudes dos indivíduos e das comunidades (da população, como dizemos aqui); um processo acompanhado de um acelerado crescimento econômico, redução de desigualdades e erradicação da pobreza. Desenvolvimento tem subjacente toda esta gama de transformações que levam a que um sistema social saia do estágio de diversas necessidades básicas, diversas e crescentes aspirações, de condições de vida precárias, insatisfatórias, e ascende, migra (esse sistema social) para uma condição de vida melhor, de qualidade, satisfatória, material e espiritualmente!

 

Que colossal desafio para uma ADIN! Será, ela, capaz de realizar este desiderato? Bastante duvidoso. Mas onde estão os governos provinciais (GP) - agora amalgamados com secretarias de Estado? Fazem o que? O desenvolvimento de uma província não é a razão de ser e de existência de um governo provincial? Os GP só existem para representar o Estado na província? E qual é o papel dos ministérios? Por quê os temos? Não é o de trabalharem/promoverem o desenvolvimento de Moçambique em todos os espaços geográficos?

 

Somos muito exímios em duplicar estruturas e em não aprender com a nossa própria experiência. O que é que o Gabinete do Plano do Vale do Zambeze (GPZ), hoje transformado em Agência de Desenvolvimento do Vale do Zambeze (ADZ) conseguiu fazer de visível e aceitável nestas três a quatro décadas de existência nas quatro províncias de jurisdição? E o GPZ (ou ADZ… não sei como se chama agora, mas completamente apagada) não tem e nunca teve pressão de guerra, ou de deslocados! O muito que o GPZ tentou - mas não conseguiu - foi ficar super-governo provincial, chefe dos governos das quatro províncias…pretender substituir-se aos governos dessas províncias, o que certamente criou confusão, fricção, dispersão e esbanjamento de recursos!

 

Se a intenção, que é nobilíssima, é transformar sobretudo Cabo Delgado e as outras duas províncias (Niassa e Nampula) em face ao terrorismo; e se conseguimos recursos financeiros (que ascendam aos USD700 milhões que a ADIN procura), porquê não potenciarmos os aludidos governos provinciais em todos os meios para fazerem face às situações em que se encontram - um pouco mais do que as outras províncias? Para terem um desenvolvimento mais acelerado? Mais estradas, pontes, linhas férreas, mais apoio aos produtores, mais empregos… etc.? Porquê criar estruturas e mais estruturas e mais estruturas?

 

De que valerá a mudança constante de PCE’s da ADIN? O Eng. Loureiro vai fazer o quê lá? Acaso saberá ele ao que vai? Um claro processo de “nenhumação” de quadros, como bem o diz o nosso Ungulani.

 

ME Mabunda

“Carta Aberta”

I. As últimas de 2024 (em Portugal de Marcelo Rebelo de Sousa) mostram, através das legislativas, um cenário político cada vez mais assustador e perigoso. Disputadas por AD (PPD/PSD-CDS-PP-PPM); IL, BE, PS, PSD, etc., a questão que aqui se põe, a de saber se a democracia constitucional portuguesa – ao nível da qualidade da democracia internacional como exemplo do que é civilização democrática, do que é democracia constitucional, do que é rotativismo democrático (alternância democrática), do que é partilha de poder (democracia pluripartidária) – permanece firme sobre os alicerces do 25 de Abril ou se se trata de um ‘retrocesso democrático civilizacional’ parece-nos inevitável. Vozes há, mais ou menos otimistas e outras nem tanto! As otimistas, falam da existência da chegada da “tripolarização do poder” (AD-PS-CHEGA) – apesar de, em nossa opinião, não a reconhecermos como tal pela natureza belicista do Partido liderado por André Ventura na medida em que ao nível conjuntural e estrutural implica que haja consensos que nem sempre podem facilitar o processo de governabilidade à AD. Ou seja: um acordo com o CHEGA, não nos parece (em ciências políticas) aceitável; uma aliança com a extrema-direita de Ventura seria claramente um pacto com o ‘Diabo’; mancharia a própria AD e o histórico doloroso sobre a conquista da democracia portuguesa. Não é por acaso que Marcelo e Montenegro se “distanciam” de um eventual acordo político com o CHEGA.

 

II. Aliás, lembremos nas palavras de Marcelo o seguinte: (i) “(…) é importante, numa democracia que celebra 50 anos que não acompanhemos a evolução de democracias mais antigas e mais velhas que é o de aumento da abstenção em eleições que são todas elas muito importantes”; (ii) “os portugueses vão votar e, naturalmente, ponderarão aquilo que é o significado do seu voto e os portugueses têm demonstrado desde o 25 de Abril uma maturidade e uma sabedoria antecipando em muitos casos aquilo que muitas vezes só se percebe no futuro…” (Marcelo R. de Sousa, 10 de Março para o 1º Jornal da SIC notícias). Discurso realista de Marcelo, mas vejamos até onde vai o “realismo” de Marcelo na prática democrática. Primeiro ponto, Marcelo, ao jogar a democracia para as mãos do Povo, força os eleitores, quase todos, a terem de decidir tudo nas últimas 24 horas… isto é, na boca das urnas sendo resultado disso muitos dos votos, inconscientes. As sondagens de muitos meios de comunicação social, da Universidade Católica portuguesa – politizadas (ou não) para influenciar as decisões dos eleitores flutuantes – apontavam para este cenário de incerteza político-eleitoral sobre em quem votar. O grande pretexto usado foi o de que não pode ser primeiro-ministro quem não foi a votos. Ora, a pergunta aqui é: se o “voto de Marcelo” vale tanto quanto à indispensável e necessária estabilidade parlamentar… talvez seja hora de rever a Constituição para permitir que, reconhecendo a legalidade da dissolução parlamentar, situação superveniente possa ser decidida por meio de um referendo e não apenas por uma decisão presidencial (presidencialismo pós-dissolução?). E, olhem que mau Professor Catedrático… sempre atrasado… vem dizer sobre a importância do 25 de Abril nas vésperas das eleições, sobre os cuidados a ter com a implantação de uma “sociedade de radicais”, tudo isso para disfarçar ainda mais os seus intentos palacianos… numa altura em que já tinha “permitido” que o fascismo e o nazismo se instalassem na democracia portuguesa pluralista de Luís Vaz de Camões.

III. De facto, nunca, nunca na história democrática portuguesa a direita-centrista se aliou com um partido da extrema-direita radical. Nisso tudo, vemos Marcelo! Para nós, o grande autor da “tripolarização do poder” em Portugal, numa cadeira de rodas, de mãos-atadas modo “António Guterres perante as nações em guerra.” Não tenhamos ilusões, Marcelo “lança” a extrema-direita radical e o cenário de ingovernabilidade e austeridade na democracia portuguesa com pretexto na eleição e na inadmissibilidade de um cenário que integrasse um ‘primeiro-ministro interino’ de acordo com a democracia direita (Referendum); uma solução de estabilidade política, económica, social e cultural assente numa maioria relativa como a que foi encontrada e rapidamente dissolvida. Evidentemente, a conjuntura internacional, os conflitos armados internacionais (Rússia vs. Ucrânia; Israel-Hamas, etc) dariam um grande empurrãozinho ao populismo do CHEGA e óbvio que MARCELO sabia disso… Marcelo, suficientemente estudado nestas matérias, agiu com “intenção” dolosa; a intenção de aniquilar “parcialmente” a dimensão cultural – exigência da Carta das Nações Unidas, da Declaração Universal sobre os Direitos do Homem e do Tratado internacional que regula as questões sociais; a intenção de facilitar a ascensão da extrema-direita em Portugal e com isso tornar-se o autor da “tripolarização do poder” em Portugal, pelo menos de uma falsa ideia de “tripolarização do poder”. Como se há de calcular: é impossível negociar com radicais, narcisistas, machistas, mentecaptos, sectários e oportunistas que em nome dos seus interesses individuais e de um Portugal com um espírito ainda muito colonial (pelo número de idosos que tem, que viveram a época colonial e que não abandonam as ideias coloniais) vêm os seus ódios e sentimentos de vingança (íntimos e camuflados), resplandecer. É, pois, com hipocrisia que julgam o socialismo liberal sendo que também elas vivem dela… a história política tem vindo a provar que pela natureza humana e das leis os ciclos se repetem se não formos vigilantes…

 

IV. Uma “tripolarização do poder” como a que se pretende a todo o custo não vai a bem da democracia, da democratização da sociedade. Antes! A bom senso, vemos a bipolarização do poder continuar na prática democrática. Do mesmo modo que uma mulher adulta finge orgasmos para agradar quem ama, a ilusão da “tripolarização do poder” não deixa de ser importante aos olhos da comunidade internacional. É sempre importante manter o casamento aos olhos dos povos, mesmo que ambos (os cônjuges) saibam que não existe mais comunhão plena (…). Os media, uma vez mais, são os que mais sabem dar de comer aos ignorantes esses venenos promovendo essas falsas ideias. Um veneno que nos vai matando aos bocados… Não é o Ventura o principal autor da “tripolarização do poder”, é o “São MARCELO” – o troca tintas, o que se veste de “Bom Samaritano.” As “asneiras” e as “infantilidades” de Marcelo parecem infindáveis, nem SANTOS SILVA conseguiu escapar a rasteira dada por Marcelo… primeiro, estão os seus interesses individuais e políticos. Legitima a geringonça; depois, promove uma maioria parlamentar que certamente sabia que tarde ou cedo havia de resvalar para a ditadura da maioria… inflama o ego do Governo, com isso faz reacender nas massas o descontentamento mais ou menos generalizado; a bomba atómica é instalada e acionada por via da PGR, a tática mais perfeita! Onde há um campo colonial aberto, tudo flui naturalmente. Claro que a conjuntura internacional, dissemos, dão aqui um grande empurrão. Ninguém desconfia da “Justiça” – são sempre os homens de Deus (Roma locuta causa finita). Portanto, temos na Constituição formal portuguesa um sistema constitucional semi-presidencialista, mas que na prática MARCELO continua o Rei soberano, o grande mostro – o leviatã hobbesiano, o príncipe maquiavélico que emana o Estado sob as vestimentas mais sagradas do Estado – o respeito pelo Estado de Direito democrático e de Justiça social; um Estado de Direito que afasta o sistema presidencialista. Marcelo, sem fazer parecer, funciona como um verdadeiro camaleão. Tanto arrota santidade perante o grande público como destila o seu veneno em trajes do Rei João sem Terra, o tirano que forçou a imposição da Magna Carta em 1215. Assume a figura do Sto. Padre, o Francisco, e (ao mesmo tempo) o de Imperador-tirânico como se de uma monarquia ditatorial se tratasse.

 

VI. O “caso Galamba” foi o auge; a não exoneração de Galamba inflamou o ego de MARCELO, o menino mimado que não pode ser contrariado e/ou desafiado. Afinal ele é o grande Monarca. Custou a Costa (e seu Governo constitucional) – que tentou cumprir com excelso zelo e inegável diligência política as regras estabelecidas pelo Estado de Direito os seus direitos políticos constitucionais – uma demissão seguida de dissolução parlamentar que nos parece até hoje fruto dos violentos coices de MARCELO – um golpe de Estado palaciano bem estudado… Apesar disso, a estratégia de Marcelo terminou mal, isto é, para além de só conseguir criar uma mera “geringonça” (AL) na fase pré-eleitoral, o maior efeito dominó foi a má fama da existência de uma extrema-direita radical na democracia portuguesa e na democracia da União europeia (UE). Sobre a extrema-direita radical, dissemos, tendo em conta a formação académica de Marcelo, custa-nos muito a acreditar que tenha sido um “acto político” intencional… Como reza a religião de Marcelo, em Provérbios: “quem provoca o Rei, arrisca a vida.” Um duro golpe que certamente Costa (seu Governo) e a esquerda liberal ressentir-se-ão para sempre. Zezinho, o Sacerdote da Congregação Jesuíta, figura incontornável na doutrina e literatura cristã-católica, na sua Música Nênia chora. Chora perante a sepultura da democracia pluralista, (…) pela falta de inclusão e nós, seres sensíveis, choramos com ele por amor ao próximo: “tem piedade de nós Senhor, tem piedade do teu Povo; confiamos e mentiram para nós; É teu povo que não sabe mais o que esperar; Já não sabe mais em quem votar; Trapaceado e explorado e sem ninguém; Confiou e foi traído lá nas urnas; Manda-nos profetas; Manda gente honesta; Manda novos líderes, Senhor; Estes de agora não nos amam...” estamos certamente diante de um novo murro das lamentações made in MARCELO REBELO DE SOUSA.

 

VII. Espero que lhe sobre um grande peso de consciência. É com profundo desgosto que começo a acreditar que fomos iludidos. Pensávamos que apreciávamos o nosso Mestre-Catedrático por nos falar no espírito quando afinal só nos falava na letra. Mas as ciências já nos tinham advertido que um bom professor catedrático nunca se mete na política. O discurso inicial, o de nem a esquerda, nem o centro e nem a direita, mas o Povo no seu todo cego a pureza da nossa alma. No fim, revelou-se um grande promotor e defensor oficioso do seu Partido; depois de ter conseguido a estabilidade económica por conta das excelentes habilidades políticas de negociação com Bruxelas por parte de quem acaba de governar, Marcelo sacode o capote sem mestria nem elegância; sacode o Governo de Costa sem piedade, sob a deixa de um processo-crime para cima da democracia socialista. Ainda bem que continuamos democracia! A democracia de Abril, a dos nossos egrégios avós, não morre com a “ditadura” de Marcelo e Ventura. A dignidade da pessoa humana, muito apregoada e defendida (ao nível do direito internacional, regional/comunitário e estadual) não se defende só em papéis, vive-se; não se defende só para certos grupos, para ou entre iguais; defende-se a dignidade de e para todos, na medida e proporção da sua diferença, pelo simples facto de serem pessoas humanas. Não se defende só a disciplina, mas também o Amor. Viva Abril.

 

PhD in Law - Lisboa; Professor Auxiliar & Investigador da Universidade Católica de Moçambique. Antigo Director-Adjunto Pedagógico da Faculdade de Direito da Católica (UCM). Colunista do Jornal Impresso Canal de Moçambique (2012- ao presente).

terça-feira, 26 março 2024 07:05

Estamos a apodrecer

Não me canso de percorrer o mercado Mafurreira, tenho-o entranhado todos os dias, quase todos os dias nas manhãs, sem procurar, no entanto,  nada em especial a não ser a necessidade de rever as mesmas pessoas com as quais lido há anos, e assim, nas saudações que vão acontecendo quase mecanicamente, busco espraecer-me, mais do que querer comprar qualquer coisa. Todavia, vou notando em cada passo, que as minhas amigas deixaram de ser as mesmas vendedeiras dos tempos em que o negócio fluía, perderam o entusiamo.

 

Já são quase doze horas e muitas delas, a maioria, ainda não “fizeram” cem meticais. Outras nem sequer o mínimo que seria preciso para comprar pão para as crianças que esperam lá em casa, não há negócio. As pessoas passam nos corredores, apreciam os produtos colocados nas bancas, porém não compram, nem sequer perguntam o preço, o que torna o cenário ainda mais desesperador para as negociantes que podem voltar para casa de mãos vazias, e não poucas vezes, com os produtos deteriorados.

 

É triste querer comprar tomate, cebola e pimento, numa conta que não chega aos cinquenta meticais e ficar a saber que a senhora que me atende não tem troco, “nunca vi esse dinheiro desde que amanheceu”, e eram duzentos meticais que eu trazia. A companheira do lado também, sentada num saco feito esteira com as pernas flectidas e o corpo apoiado no braço, sem qualquer esperança, ainda não vendeu nada, e se vier a fazê-lo será com muita sorte. Então esta situação magoa.

 

Tivemos tempos em que as coisas floresciam. Havia muita conversa e risos no mercado, entre o movimento do dinheiro que entrava e dos produtos que saíam. O brilho no rosto das mulheres, que nos deixavam sentir o estado vivo da alma, ressurgia em cada gesto e isso era o sinal inequívico da aurora. Era assim, intensamente ao longo de toda a manhã, todos os dias, e aos finais de tarde quando os funcionários voltavam para casa e passavam por alí e enchiam o saco plástico para a alegria da família. Hoje não, o desespero é total, ninguém compra nada, não há “mola de impulsão”.

 

Os intervalos das onze para o “matabicho-almoço”, outrora passados quase em regabofe, com peixe frito, pedaços de frango, salada  e pão, chá quente com limão, e bastante tagarelice para alimentar o coração, passaram a ser frustrantes e dolorosos. Há um silêncio na Mafurreira. As mulheres passam maior parte do tempo a dormir no chão sobre as capulanas sem sonho, ninguém compra nada.

 

Ainda no mesmo espaço temos as peixeiras que passam o tempo todo espantando as moscas sobre o marisco. “Compra, amigo! Se não tens dinheiro, leva, vais pagar amanhã! Mas essa condescendência toda pode significar que está-se no fim da linha, ou no princípio do fim da linha, e o peixe vai apodrecer, e se calhar nós também.... estamos a apodrecer!

Há situações extremas que nos deixam com um enorme amargo na boca. A ser verdade a foto divulgada, uma enorme pompa e circunstância se criou em torno da inauguração de uma casa para um Administrador de um dado Distrito. A casa assemelha-se em tudo a uma dessas vivendas de luxo situadas nos bairros ricos de Maputo. Casas que não apenas custam enormes fortunas para construir, como depois para equipar e manter. Acredito que a ser construída pelo Estado é um modelo que irá ser replicado em todos os distritos do país. Um gasto significativo que perante tanta necessidade básica fica impossível não causar indignação.

 

A lista de necessidades básicas é extensa e mesmo infindável. Temos milhares de crianças sem carteira ou mesmo tecto para estudar, hospitais por construir, equipar e suprir dos mais elementares consumíveis, estradas por manter e construir, salários por pagar e melhorar e por aí fora. Mas assistimos a um chocante despesismo improdutivo que não pára de crescer e que consome uma não contabilizada fatia do orçamento público. Infelizmente, essa lista é tambem extensa. São as escoltas que se multiplicam, as viagens que não param, os constantes “retiros” que muitas instituições do Estado fazem em estâncias turísticas como se não tivessem salas nas suas instituições, banquetes e comemorações luxuosas repletas de champagne, vinhos e whiskeys que nada de mal teriam se não fossem pagos com o erário publico. Temos até dois governantes por província que consomem muito e não sei medir o que realmente fazem. Temos um Estado cheio de chefes e directores, cujas regalias dificilmente se traduzem na produtividade que deles se espera. Temos milhares de viaturas, muitas de luxo, muitas vezes em triplicado para o mesmo dirigente. E, por  detrás disso tudo, uma enorme  alocação de pessoal e meios necessários para manter essa máquina dispendiosa.

 

Um exemplo desse despesismo e das necessidades básicas que ficam por suprir está hoje a acontecer. Como consequência da inexistência de um sistema de drenagem adequado, a chuvada intensa que caiu sobre a cidade está a provocar o sofrimento de milhares de citadinos a níveis chocantes. Esta situação não pode ser atribuída a mudanças climáticas pois as chuvas intensas são um fenómeno natural já há muito existentes. O problema de fundo tem sido apontado pelos especialistas e vem se agravando por um crescimento desprovido de planeamento urbano cuidadoso que inclui os sistemas de drenagem. Por isso as zonas correctamente urbanizadas pouco sofrem com as chuvas e as desordenadas enfrentam calamidades por demais conhecidas. Sem qualquer dúvida o enorme desperdício em consumos não essenciais tem de ser revertido.

 

Está na hora de quem de direito reequacionar toda a gestão publica e fazer cumprir o papel do Estado em tomar conta do país e das necessidades dos seus cidadãos. Uma tarefa muito complexa e difícil, mas totalmente necessária. Um trabalho gigantesco que, contudo, tem de ser feito se queremos ter uma gestão a nosso favor. E, enquanto agora temos de gerir esta emergência em que há que acudir as vítimas das cheias, deixemos de julgar que a caridade abafa as nossas consciências, e comecemos desde já a tratar do que tem de ser feito para que não haja necessidade de caridade e possamos viver tranquilamente com ou sem chuva.  

 

António Prista

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