Ao segundo segundo dia de paralisação geral, manifestações e confrontos entre populares e as unidades de Intervenção Rápida (UIR) e de protecção da Polícia da República de Moçambique - Maputo, Matola e outras cidades capitais do país sofreram um apagão no serviço de internet móvel. O apagão ocorreu ao princípio da tarde de ontem, sexta-feira (25), e prevaleceu para além das primeiras horas de hoje, sábado, no fecho desta edição. O serviço foi restabelecido ao nascer de um tímido sol desta esta manhã. Subitamente. Tal qual foi desligado, por ordem política.
Os suspeitos do costume voltaram a dominar as eleições gerais em Moçambique. Em primeiro lugar, a abstenção, a beirar os 60 por cento; em segundo, a tinta indelével da fraude, qualificada pelo Director do Centro de Integridade Pública (CIP) e presidente do consórcio nacional de observação eleitoral ''Mais Integridade'' como magia que ocorre da noite para o dia; e, resultado final, a Frelimo e seu candidato presidencial Daniel Chapo são os virtuais vencedores, com maioria qualificada que lhes confere poder executivo e parlamentar absoluto na legislatura 2025 - 2029.
O repórter e redactor da ''Carta de Moçambique'', Abílio Maolela, compulsou os editais de apuramento intermédio das 11 províncias do país (incluindo Maputo-Cidade). Bravado, o coordenador da edição diária da ''Carta'' aplicou uma visão de túnel sobre o substantivo feminino abstenção, esse (não) ser intocável pela mão humana; imanipulável pela inteligência artificial; insípido ao palato humano todavia demolidor como um soco do ''smoking'' Joe Frazier, no estômago de um sonhador e pacato cidadão; e invisível a olho nu mas capturável pela ''lupa'' de uma máquina calculadora.
Nao foi um agradável passeio no parque da aritmética e estatística, pois os dados que Maolela apurou derrubam todas as narrativas optimistas e sonhos de uma votação massiva.
As sétimas eleições gerais (presidenciais e legislativas) e quartas das assembleias provinciais (incluindo dos governadores), realizadas na quarta-feira, 9 de Outubro, foram ensombradas pelo elevado índice de abstenção. Mais uma vez!
Mai de mais de nove milhões e 500 mil (9.549.879) eleitores não foram às urnas escolher o novo Presidente da República. Tal se traduz numa maioria de 56,74% do total de cidadãos eleitores inscritos em todo o território nacional, acima de dezasseis milhões e oitocentas mil pessoas (16.829.847).
Vale lembrar que os órgãos eleitorais recensearam, para estas eleições, um total de 17.163.686 eleitores, 333.839 deles inscritos no estrangeiro.
O vento sopra do Norte
Na província de Maputo, os editais do apuramento provincial denunciam que mais de dois milhões de eleitores (2.338.886) não foram votar. O maior círculo eleitoral do país recenseou um total de 3 milhões e 200 mil eleitores (3.265.572). Ou seja, 71,59% destes gazetaram às urnas, tornando-se na maior taxa de abstenção destas eleições gerais e das assembleias provinciais.
Os eleitores da Zambézia, o segundo maior círculo eleitoral do país, aliaram-se aos de Nampula, influenciando a negaão geral ao voto. Quase dois milhões de eleitores (exactamente 1.906.550) não foram votar, o que representa uma taxa de abstenção de 66,59%, em relação ao total de inscritos. Na segunda província mais populosa de Moçambique, os órgãos eleitorais haviam recenseado quase três milhões (2.862.978) de eleitores.
Na martirizada província de Cabo Delgado, os órgãos eleitorais reportaram a ausência, nas urnas, de 925.570 pessoas, correspondentes a 65,79%, de um total de 1.403.554 eleitores recenseados para o escrutínio de 9 de Outubro.
No Niassa, 585.070 eleitores (67,08%) decidiram ficar em casa, de um conjunto de 872.186 recenseados para votar. Enquanto em Inhambane a abstenção foi de 56,80%, com 569.504 eleitores a optarem por outras actividades que ir escolher o novo Chefe de Estado. Nesta província foram recenseados 1.002.723 eleitores.
Gazetas até no ''Frelimistão''
Na província de Manica, de um total de 1.128.189 inscritos, 557.625 eleitores (49,43%) escolheram não foram votar. Na província de Gaza, considerada “bastião” da Frelimo, ficaram em casa 595.922 eleitores (49,73%), de um total de 1.198.262 eleitores.
Gaza tem sido uma das províncias que a narrativa jornalística cognominou de ''Frelimistão'', por se registar (a)normalmente votação acima dos 90% em favor do partido da cor vermelha, números largamente contestados pela oposição e pela sociedade civil, que consideram ser fabricação dos órgãos eleitorais para beneficiar o partido no poder.
A província de Tete é também parte do Frelimistão''. Desta vez, 633.982 eleitores (40,72%) não se deslocaram às Assembleias de Voto, de um total de 1.556.938 eleitores recenseados. Reduto tradicional da oposição mas que a onda vermelha tem erodido nos pleitos eleitorais recentes, em Sofala 622.556 eleitores (48,14%) também decidiram ficar em casa, de um universo de 1.293.158 recenseados.
A excepção chamada Maputo
As taxas mais baixas de abstenção das eleições de quarta-feira, de acordo com os editais de apuramento provincial, registam-se na província e Cidade de Maputo. Na Cidade de Maputo, a taxa de abstenção fixou-se em 37% e, na província de Maputo em 35,92%. Na capital do país, estavam inscritos 676.757 eleitores, e apenas 250.366 eleitores não foram votar. Na província de Maputo, os órgãos eleitorais recensearam 1.569.530 pessoas, mas somente 563.848 não foram votar.
Depois de se fatigar nos editais de apuramento intermédio destas eleições, Abílio Maolela foi aos arquivos mais frescos da história eleitoral de Moçambique. Estes reavivaram-lhe à memória que a taxa de abstenção foi de 48,6% em 2019, nas sextas eleições presidenciais e legislativas e terceiras das assembleias provinciais (as primeiras que elegeram os governadores das províncias). Naquele ano, apurou, estavam inscritos 13.162.291 eleitores, mas somente 6.766.416 foram votar.
Apesar de não termos tido acesso aos editais do apuramento na diáspora, os seus números e estatísticas são insignificantes para mudar esta esmagadora verdade: o fantasmagórico ''partido da abstenção'' mantém sua hegemonia.
Um ''pornográfico'' relatório preliminar
Em Relatório Preliminar sobre a votação, divulgado na quarta-feira, o Consórcio Eleitoral Mais Integridade conta uma história digna de um filme de terror, caraterizado por actos de roubo, inutilização e compra de votos de candidatos e partidos da oposição (PODEMOS, Renamo e MDM) a favor da Frelimo e seu candidato Daniel Francisco Chapo, tendo como protagonistas os Membros das Mesas de Votos.
Segundo o “Mais Integridade”, na noite eleitoral de 09 de Outubro de 2024, para além dos já conhecidos e famosos casos de enchimento de urnas, houve também anulamento de votos pelos Presidentes das Mesas, sendo que os casos mais significativos registaram-se nas províncias de Sofala, Zambézia, Nampula e Tete.
Por exemplo, na EPC Josina Machel, no distrito de Marromeu, província de Sofala, a delegada do PODEMOS encontrou mais de sete votos em branco e mais de quatro votos do candidato Venâncio Mondlane, que tinham sido qualificados a favor do candidato do partido Frelimo, Daniel Chapo.
Na EPC 10 de Maio, no mesmo distrito, o “Mais Integridade” afirma que um dos presidentes de Mesa usou, de forma sistemática, tinta de carimbo para anular os votos a favor candidato Venâncio Mondlane, enquanto na EPC de Mazi Ntunga, um dos presidentes da Mesa agrediu fisicamente o secretário e um dos escrutinadores por reclamarem o facto de o presidente estar a anular os votos a favor dos partidos da oposição.
“Na EPC Nhamiasse (Morrumbala-Zambézia), para além dos MMV terem votado mais de uma vez, durante a contagem nem sempre marcavam no quadro negro os votos atribuídos ao PODEMOS e à Renamo. Na EP1 Napote, (Gilé - Zambézia), votos considerados nulos foram transformados em votos a favor do partido Frelimo”, narra o Relatório.
Na EPC de Tacuane (Lugela-Zambézia), antes do início da contagem, no tempo dedicado ao descanso, o presidente da Mesa foi encontrado a abrir a urna e acrescentar boletins de voto pré-marcados; e na EPC de Marrupa-Sede (Marrupa-Niassa), a contagem foi paralisada durante largos minutos pelo facto de um dos escrutinadores ter sido encontrado com mais de dois dedos pintados com tinha de carimbo, que usava para invalidar os boletins de voto favoráveis ao PODEMOS.
Um dos casos mais gritantes narrados pelo Consórcio “Mais Integridade” ocorreu na EPC de Chamissava, no Distrito Municipal de KaTembe, na Cidade de Maputo, onde, dos 230 votos que o PODEMOS tinha obtido na eleição legislativa e marcados no quadro negro, apenas um foi registado no edital oficial publicado pela Mesa.
''Magia'' da noite (eleitoral) para o dia (seguinte)
Tal qual a noite é escura e o dia é claro, as eleiões gerais em Moçambique geraram um fenómeno: há a noite eleitoral e há o dia seguinte, com(o) realidades completamente distintas. Em conferência de imprensa concedida na quarta-feira, o Director do Centro de Integridade Pública, uma das organizações da sociedade civil integrantes do consórcio, assumiu ser inexplicável o que aconteceu na noite do dia 9 de Outubro.
“Temos magia, em Moçambique, porque aquilo que a gente viu a ser contado e aquilo que os editais diziam, no dia seguinte, eram coisas totalmente diferentes. Perante esse cenário, é muito difícil o consórcio vir aqui dizer que nós fizemos contagem, baseada nos editais porque a maior parte tem resultados martelados”, defendeu Edson Cortez.
“Mais uma vez, como país, realizamos eleições fraudulentas, que não reflectem aquilo que foi a vontade dos eleitores. Em certas urnas, havia mais gente que só ia votar para as eleições presidenciais e se esquecia do boletim de voto para as eleições legislativas. Isso mostra enchimento de urnas”, sublinhou, apelando à Procuradoria-Geral da República a olhar para os vários ilícitos eleitorais, no lugar de se preocupar apenas com um candidato.
Segundo a plataforma, que contou com 1.900 observadores, distribuídos por mais de 1.500 locais de votação nos 161 distritos do país, cobrindo um total de 3.106 Mesas, a noite eleitoral foi marcada também por falta de iluminação, assim como por cortes sistemáticos de energia eléctrica.
Por exemplo, as Escolas Secundárias de Pebane (Zambézia); a EPC de Chanica (Mandimba-Niassa); a EPC de Thungo (Lago-Niassa); a Escola Básica 16 de Junho (Mecula); a Escola Secundária de Entre-lagos, (Mecanhelas,); e a EPC de Mucujua (Monapo) tinham problemas de iluminação, enquanto a EPC de Chinga (Murrupula) registava cortes frequentes de energia. “As lanternas disponibilizadas pelo STAE não ofereciam iluminação suficiente para operações de qualificação de votos, o que originou novas interrupções devido a discordâncias na qualificação dos votos”, sublinha.
O espectro da maioria absoluta
Os resultados oficiais indicam uma vitória por maioria absoluta de Daniel Chapo e da Frelimo, com mais de 60% dos votos. O PODEMOS alega que sua contagem paralela aponta para uma vitória do partido e do seu candidato Venâncio Mondlane com mais de 53% dos votos.
As últimas projeções veiculadas veiculadas por canais de televisão e viralizadas pelas redes sociais indicam um futuro parlamento, de 250 deputados, em que a Frelimo obtém maioria qualificada de 192 deputados. O PODEMOS, catapultado pela popularidade de Venâncio Mondlane, emerge como oposição oficial parlamentar, com 32 deputados; a RENAMO sofre uma hecatombe histórica passando, pela primeira vez em 30 anos de democracia multipartidária, a ser terceira bancada parlamentar, com 21 deputados; e o MDM não consegue número suficiente de parlamentares para formar bancada, com apenas três membros. Os outros dois parlamentares sao da diáspora, eleitos nos círculos eleitorais da África e de Europa e resto do mundo. Os resultados finais só serão conhecidos na próxima quinta-feira, dia 24 de Outubro. (Carta da Semana)
“O voto em branco significa que o eleitor opta por não votar em nenhum candidato. Para fazer isso, ele aperta a tecla “branco” na urna electrónica e depois confirma. Na época da votação em papel, esse tipo de voto era contado quando o eleitor não preenchia a opção na cédula”
“Sou um cidadão moçambicano, não sou membro da Renamo, mas vejo na Renamo um actor relevante na política nacional, não somente porque está no parlamento, mas sobretudo pelo seu histórico. A Renamo tem e deve continuar a ter um papel preponderante na vida social, económica, política e cultural de Moçambique. O Acordo Geral de Paz de 1992 trouxe para a sociedade moçambicana um novo actor político, que conseguia equilibrar a balança política nacional, não pela retórica, mas pelo conhecimento real da nossa sociedade, por isso, presidente Ossufo Momade, face aos resultados eleitorais, ainda que provisórios, convoque um Congresso Extraordinário para reflectir sobre a vida do partido ou coloque seu lugar à disposição”.
AB
A presente carta aberta ao Presidente do Partido Renamo não pretende, de forma alguma, criar cisões internas no seio do partido. Ela é escrita por alguém que se considera patriota e, por isso, pretende ver Moçambique a trilhar por caminhos de Paz e Concórdia, caminhos da Democracia Multipartidária que a própria Renamo ajudou a criar, com a alteração da Constituição em 1990. Por isso, a passagem hipotética deste partido para um terceiro lugar, ainda que não aconteça, mostra que algo deve ser revisto internamente. A questão é: estará em condições Ossufo Momade de promover um debate interno franco e aberto com vista a essa mudança?
Desde já, é preciso ressalvar que a Renamo é criada logo a seguir a independência nacional. Existem muitos argumentos sobre a sua criação e motivações, contudo, vamos nos cingir naquilo que é publicamente sabido e recorrentemente escrito dentro e fora do país. Fazendo fé à documentação que encontrei sobre a sua criação, diz-se que a Renamo foi criada em Novembro de 1976, num dos Quarteis da Capital, por camaradas das Forças Populares de Libertação de Moçambique, insatisfeitos com a Direcção do Presidente Samora Moisés Machel. Isto consta do Primeiro Estatuto da Renamo publicado em Abril de 1979.
Quem cria e sustenta a RNM – Resistência Nacional Moçambicana e com que objectivos?
“O engajamento dos regimes racistas da África do Sul e da Rodésia na disputa sobre os destinos de Moçambique, criando e sustentando a Renamo, era parte da estratégia de inviabilizar um possível êxito das experiências de autogoverno negro, o que teria reflexos subjectivos e objectivos em toda a região. As acções de sabotagem contra o governo da Frelimo foram parte desta guerra de baixa intensidade que buscava manter o desgaste provocado pelo estado de conflito permanente. Não se tratava de vencer, mas de impedir o outro de governar”.
In: Juvenal de Carvalho Conceição Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar.
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, Brasil
Como se sabe, a primeira liderança operacional foi de André Matade Matsangaissa. Consta ter sido militar das Forças de Luta de Libertação de Moçambique (por confirmar) que, com apoio dos colonos Portugueses, Rodésia do Sul de Ian Smith e do Regime do Apartheid de Peter Botha, organizou, treinou, equipou e definiu alvos em Moçambique. Os primeiros combates de Matsangaissa tiveram lugar na província central de Manica e sabe-se que a sua base central era na Serra da Gorongosa e denominava-se “Casa Banana”. Este primeiro Chefe e Comandante da Renamo viria a morrer em combate, a 17 de Outubro de 1979, na Gorongosa.
Para a sucessão no comando da Renamo, na altura, segundo literatura compulsada, pontificavam um militar de nome Charles e Dhlakama, tendo saído vitorioso Afonso Dhlakama, que teve apoio da ala externa, liderada pelo Regime do Apartheid. Este homem comandou a Renamo da Guerrilha de 1979 a 1992, altura em que, por força do Acordo Geral de Paz, assinado em Roma, Itália, a Renamo se torna num partido político. Lembre-se, o acordo foi assinado pelo Presidente Joaquim Alberto Chissano e o Líder da Renamo, Afonso Macacho Marceta Dhlakama, colocando fim aos 16 anos de guerra entre moçambicanos no território nacional.
Ora, Ossufo Momade não entrou para a Renamo por livre e espontânea vontade. Terá sido sequestrado por homens da RNM e, em seguida, forçado a integrar a Renamo, para o que terá sido confiado o comando de Manica e Sofala na Guerrilha. Ossufo Momade desempenhou alguns cargos de relevo antes da morte de Afonso Dhlakama, como seja Secretário-geral da Renamo entre 2007 a 2013, Chefe de Defesa e Segurança da Renamo. Entretanto, com a morte de Afonso Dhlakama, a 03 de Maio de 2018, Ossufo Momade torna-se Presidente Interino da Renamo e, em 2019, Presidente eleito no Congresso.
Sucede que Ossufo Momade não foi feliz na sucessão a Afonso Dhlakama, quer interinamente, quer depois do Congresso. O resultado disso foi o surgimento da Junta Militar da Renamo.
A Junta Militar da RENAMO (Resistência Nacional Moçambicana), conhecida pela sigla JMR, é um grupo militar desintegrado do maior partido da oposição de Moçambique, a RENAMO. O grupo foi criado durante o mês de Junho de 2019, no decurso do processo de Desarmamento, Desmobilização e Reintegração dos homens armados da RENAMO, na sociedade. É presidido pelo Tenente-General Mariano Nhongo, eleito no dia 19 de Agosto de 2019 numa conferência nacional extraordinária de três dias, em Piro, nas imediações da Serra da Gorongosa, Sofala, Moçambique. in Wilkipedia.
Mas não só, militares de relevo, no tempo da liderança de Afonso Dhlakama, que não concordaram com os métodos de Ossufo Momade, foram de alguma forma colocados na “prateleira” e ou forçados à desmobilização sem eira nem beira, como sói dizer-se. Isto por um lado, e, por outro, a ala política, que tornou a Renamo um partido relevante no debate dos assuntos nacionais, foi colocada igualmente de lado e, no seu lugar, surgiram novos actores políticos. Infelizmente, esses actores não conseguiram ocupar, de forma efectiva, o lugar dos anteriores políticos e a Renamo foi se deteriorando.
Nas eleições de 09 de Outubro de 2024, por razões não públicas, Ossufo Momade não se fez presente na abertura da campanha eleitoral. Não sei se se tratava de uma imitação a Afonso Dhlakama, nas últimas eleições em que participou, mas é preciso ter em conta que Dhlakama era o tipo de animal político dos raros!
Ossufo Momade não conseguiu aglutinar diferentes sensibilidades internas e a cisão foi confirmada no Congresso da Renamo e na forma como o mesmo foi convocado. O número de aspirantes a Presidente da Renamo era a expressão de diferenças internas insanáveis e, depois da eleição, Ossufo Momade não teve arte bastante para juntar as alas internas em torno de um objectivo comum.
Para finalizar, realçar que, com esta Carta Aberta, dirigida a si Senhor Presidente da Renamo, General Ossufo Momade, pretendo convida-lo a duas coisas”:
1) A convocar um congresso extraordinário, respeitando as etapas estatutárias, para debater, de forma franca e aberta, a vida interna da Renamo, de forma a aproximar as partes desavindas. Isto é fundamental, não somente para a vida da Renamo, mas para o país;
2) Caso contrário, coloque seu lugar à disposição!
Adelino Buque
Ossufo Momade é eleito coordenador da Renamo, depois da morte de Afonso Macacho Marceta Dhlakama, a 03 de Maio de 2018, na Serra da Gorongosa e viria a ser eleito Presidente da Renamo a 17 de Janeiro de 2019, no último dia do VI Congresso do Partido, que teve lugar no mesmo local.
Depois da eleição, Ossufo Momade iniciou uma caça incessante aos membros que trabalharam com Afonso Dhlakama, isolando-os e tirando-lhes visibilidade política. Com a sua forma de agir, criou condições para a emergência de duas Renamo, a da Cidade, liderada por si e da mata liderada por Mariano Nhongo, que se passou a designar Junta Militar da Renamo. Hoje, nesta campanha eleitoral, não aparecem nomes sonantes da Renamo como, por exemplo, Elias Dhlakama que no VI Congresso ficou em segundo lugar, de entre outras figuras que não cito por uma questão ética.
A questão é: que Governo iria formar Ossufo Momade, em caso de uma vitória eleitoral, como Presidente da República. Embora se trate de um exercício de reflexão, que não tem o mínimo de materialidade, ao que me parece, todo aquele que, aos olhos de Ossufo Momade, brilha, ele procura apagar. Assim sendo, em caso de vitória, com quem contaria para o seu Governo?
Mais uma vez, trago aqui uma reflexão sobre a possibilidade de Ossufo Momade ganhar as eleições Gerais para as Presidenciais de 09 de Outubro de 2024. Sabe-se que o partido que suporta a sua candidatura é a Renamo, um partido fundado em 1992, por força do Acordo Geral de Paz, assinado em Roma, Itália, entre o então Presidente da República de Moçambique, Joaquim Alberto Chissano, e o então Líder da Renamo, Afonso Macacho Marceta Dhlakama. Mas antes o que era a Renamo?
A Renamo foi criada como uma força militar, com o objectivo de desestabilizar o Moçambique Pós-independência, isto imediatamente a seguir a independência nacional, em 1977, numa guerra que durou 16 anos. Numa primeira fase, a Renamo teve o financiamento da Rodésia de Ian Smith e, mais tarde, da África do Sul. O saldo desta guerra foi de 1 milhão de mortos e mais de 5 milhões de deslocados. As mortes foram resultado da guerra e da fome severa que assolava o País, devido à estiagem.
Renamo, Partido Político!
Como me referi antes, a Renamo torna-se partido político por força do Acordo Geral de Roma. Por conta desse Acordo, um pouco antes, em 1990, a Frelimo teve de adoptar uma nova Constituição, que abria espaço para a existência de mais partidos políticos em Moçambique assim como a adopção da economia do mercado. Sabe-se que antes o País tinha a economia centralizada, ou seja, o domínio da economia era do Estado. Aqui também é preciso que recuemos alguns anos para encontrar o PRE – Programa de Reabilitação Económica, em que a economia estava de tangas, como sói dizer-se.
Com o fim da Guerra de desestabilização, que se convencionou chamar Guerra pela Democracia, por isso temos os combatentes pela democracia, os combatentes pela defesa da soberania e temos os combatentes de Luta de Libertação Nacional, a Renamo entra no jogo político e participa nas primeiras eleições Multipartidárias em 1994. Concorre às Presidenciais pela Renamo o seu líder, o carismático Afonso Macacho Marceta Dhlakama e pela Frelimo, Joaquim Alberto Chissano. A Renamo perde, contudo, teve um número significativo de Deputados na Assembleia da República.
Seria nas eleições de 1999 que a Renamo ganhou um peso maior na Assembleia da República e a diferença de votos entre Joaquim Chissano e Afonso Dhlakama foi mínima. Depois da divulgação dos resultados, a Renamo não aceitou os mesmos e iniciou uma série de reivindicações. Chegou a haver conversações entre o Governo e a Renamo, sem um desfecho que agradasse a Renamo. Lembre que, apesar de se assumir como partido político, a Renamo continuava armada, alegadamente, para a protecção dos seus quadros superiores porque não confiava na Polícia da República de Moçambique.
Nas eleições em que Armando Guebuza ganhou para o segundo mandato, as relações entre o Governo de Guebuza e a Renamo de Afonso Dhlakama degeneraram de tal sorte que Afonso Dhlakama retornou às matas, tendo regressado para a assinatura dos Acordos para o fim das Hostilidades Militares. Em seguida, participou das eleições gerais, em que concorreu com o candidato da Frelimo, Filipe Nyusi. Nestas eleições, Afonso Dhlakama voltou a perder e seguiram-se novas exigências, que incluíam a prerrogativa de governar nas províncias onde a Renamo teve a maioria. Foi assim que se iniciaram as discussões sobre as eleições para os Governadores Provinciais.
Afonso Dhlakama viria a morrer a 03 de Maio de 2018, nas matas da Gorongosa, província central de Sofala. Lembre que Afonso Dhlakama nasceu a 01 de Janeiro de 1953 e, de acordo com as notícias postas a circular, Dhlakama morre devido à crise diabética e sucumbiu na altura à espera de socorro, o que pode significar que o socorro foi tardio. Mas não é disso que me proponho a reflectir. Com a morte de Afonso Dhlakama, Ossufo Momade sucede-lhe na direção do partido.
Com a morte de Afonso Dhlakama, a Comissão Política da Renamo reuniu e indicou Ossufo Momade para Presidente interino da Renamo. Ossufo Momade até então desempenhava as funções de Deputado da Assembleia da República e já foi Secretário-geral da Renamo, um cargo que exerceu com pouca ou nenhuma visibilidade. No VI Congresso da Renamo, realizado na Serra da Gorongosa, onde participaram 700 delegados, Ossufo Momade foi eleito com 410 Votos, tendo seguido Elias Dhlakama, irmão de Afonso Dhlakama com 238 votos. Manuel Bissopo ficou com sete votos e Juliano Picardo com cinco votos.
A eleição de Ossufo Momade para o cargo de Presidente da Renamo no VI Congresso na Serra da Gorongosa agudizou as fissuras no seio da Renamo e passamos a ter duas Renamo, a Renamo da Cidade e a Renamo das matas liderada por Mariano Nhongo. A Renamo sob liderança de Mariano Nhongo denominava-se Junta Militar da Renamo e, neste contexto, o País viveu momentos de incerteza, contudo, a situação foi gerida até à morte de Nhongo.
Mariano Nhongo morre em combate a 11 de Outubro de 2021, em Sofala, província central de Moçambique. O anúncio oficial foi feito pelo Comandante-Geral da Polícia da República de Moçambique, Bernardino Rafael. O desafio que se seguiu foi o de acelerar o DDR que, oficialmente, foi lançado a 09 de Outubro de 2018 e teve o término em 2023.
Tanto na sua indicação para Coordenador Interino da Renamo e mesmo depois da sua eleição a Presidente da Renamo, Ossufo Momade nunca granjeou simpatia dos membros da Renamo. Os 410 votos que o elegeram contra 238 de Elias Dhlakama são disso sintomático. Entretanto, no lugar de trabalhar para juntar em seu torno diferentes sensibilidades, Ossufo Momade iniciou a caça aos considerados seus adversários e, nesse processo, isolou muitos quadros competentes que trabalharam com Afonso Dhlakama e, muito recentemente, a “guerra” entre si e Venâncio Mondlane, que arrastou muitos membros, explica um pouco isso. Que Governo formaria Ossufo Momade!
Adelino Buque