Director: Marcelo Mosse

Maputo -

Actualizado de Segunda a Sexta

Jorge Ferrão

Jorge Ferrão

O dia 5 de Maio foi oficializado em 2009, com o propósito de promover o sentido de comunidade e de pluralismo dos falantes do português na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Desde então, esta data celebra este idioma como parte da identidade de todos estes países e povos. Num dia comemorativo tão especial como o de hoje, gostaria de fazer uma menção especial a dois feitos extremamente marcantes.

 

O primeiro, de efeito extraordinário, é o da premiação da escritora moçambicana Paulina Chiziane, a vencedora do Prémio Camões 2021, escolha unânime anunciada no dia 20 de Outubro de 2021 e que só hoje, dia 5 de Maio de 2023, finalmente, chegou às mãos da legítima dona. Este prémio reconhece a vasta produção e recepção crítica da Paulina Chiziane, como também o reconhecimento académico e institucional da sua obra, sobretudo a importância que dedica nos seus livros aos problemas da mulher moçambicana e africana.

 

Esta escritora, a primeira mulher a publicar um romance em Moçambique, tem desenvolvido uma relação muito próxima com a UP-Maputo, a quem já atribuímos, num passado muito recente, um título Honoris Causa e que tem tido presença regular nos eventos científicos e culturais organizados pela nossa universidade. A Paulina Chiziane escreve em português, língua que aprendeu a falar na escola de uma missão católica como muitos outros moçambicanos da sua geração o faziam pela primeira vez. Ela é, indubitavelmente, a prova viva de que, mesmo sendo de origem humilde e sem nenhum arcaboiço linguístico de berço, é possível fazer grandes coisas e chegar a tão destacado reconhecimento no espaço lusófono global.  Hoje celebramos, mais uma vez, este feito que projecta e faz brilhar todo o nosso país e o nosso povo na arena internacional.

 

O segundo feito, não menos importante e também de efeito extraordinário, é o da Ludmila Bata, estudante do 2° ano do curso de Jornalismo, ministrado pela Faculdade de Ciências da Linguagem, Comunicação e Artes (FCLCA) da UP-Maputo, que foi declarada vencedora do Prémio Eloquência Camões do ano 2023. Esta vitória tem um sabor especial para a UP-Maputo, especialmente se se tomar em consideração que a Ludmila Bata, nossa estudante, destacou-se num universo extremamente competitivo de 49 estudantes pertencentes a 6 universidades nacionais. É importante frisar que o Prémio Eloquência Camões, organizado, em parceria, pelo Camões – Centro Cultural Português em Maputo e pelo Camões – Centro de Língua Portuguesa em Maputo, pretende ser uma alavanca institucional para a descoberta de novos talentos na redacção e na oralidade em língua portuguesa.

 

A Ludmila Bata demonstrou, com a sua vitória, que é possível fazer história, ainda em tenra idade e sendo também mulher, como a Paulina Chiziane. Num dia especial como o de hoje celebramos, também, este feito que projecta e faz brilhar os nossos estudantes e a nossa comunidade universitária na arena nacional.

 

Destacar estes feitos, num dia que exaltamos a língua portuguesa, como nosso património cultural e histórico, faz a nossa celebração mais especial e simbólica. Aliás, tornou-se uma tradição – uma boa tradição, diga-se! – que nos juntemos na UP-Maputo, no dia 5 de Maio de cada ano, para comemorar o dia Mundial da Língua Portuguesa e, igualmente, para celebrara amizade entre os povos que partilham esta língua.

 

A língua portuguesa é uma das mais ricas e influentes línguas do mundo e, como Reitor desta universidade, tenho orgulho em fazer parte de uma comunidade académica que valoriza e celebra a sua riqueza e diversidade. Nestas salas e corredores revisitamos a língua portuguesa como factor de unidade nacional.

 

A língua portuguesa é uma língua viva, dinâmica e em premente transformação, falada por mais de 265 milhões de pessoas em todo o mundo. É a língua oficial de 9 (nove) países e de organizações como a CPLP, a SADC, a União Europeia, o Mercosul e a Organização dos Estados Ibero-americanos.

 

Mas, a língua portuguesa é muito mais do que uma língua falada ou escrita. É um património cultural e histórico que representa a rica herança e a diversidade das sociedades e culturas que a falam, cantam, dançam, escrevem e declamam poesia. Na essência, em português se comunicam. É, por isso, necessário que olhemos para a língua portuguesa sem preconceitos. Que assumamos esta língua como nossa! Nenhum angolano, cabo-verdiano, português ou brasileiro fala a língua portuguesa como nós. O nosso português moçambicano é único. Nós, moçambicanos, soubemos tornar o português numa língua melodiosa, poética e sensual. Neste momento, a língua portuguesa não pode ser mais vista como a língua do outro. O outro não consegue falar um português tão belo como o nosso!

 

Neste simpósio, debatemos a especificidade do Português de Moçambique na diversidade da língua portuguesa. Temos, hoje, a oportunidade de conhecer melhor a língua em que nos comunicamos diariamente e de compreender o contributo de Moçambique para a afirmação da língua portuguesa no Mundo, mas, não menos importante, temos também uma oportunidade para perceber de que modo o Português de Moçambique pode contribuir para o nosso desenvolvimento individual e colectivo.

Patricio Jorge min

Retomamos a segunda parte do texto publicado recentemente, sobre a necessidade da reforma da estrutura da organização académica no subsistema de ensino superior em Moçambique. A proposta, da autoria do Professor Brazão Mazula, surge no seguimento das celebrações dos sessenta (60) anos do Ensino Superior em Angola e em Moçambique, decorridas em 2022. Na referida proposta, Mazula sugere que o departamento e o respectivo chefe, como unidade orgânica primordial na organização da actividade académica, tivessem maior autonomia, autoridade e legitimidade científica do que o director da faculdade, enquanto unidade orgânica académica político-administrativa.

 

A pirâmide invertida da autoridade académica

 

A unidade mínima de produção académica é o docente-investigador, ou o professor, nas suas múltiplas e diferentes categorias. Os processos de gestão administrativa e burocrática na academia, em princípio, se constituem para criar as condições ideais para aumentar a produção e produtividade dos académicos. Actualmente, na academia moçambicana a pirâmide está invertida. Os académicos (professores) é que prestam contas aos administradores, no lugar de serem os administradores a prestarem conta aos académicos.

 

Os académicos é que têm iniciativa para propôr novos cursos, preparar as aulas e criar projectos que concorrem aos fundos de pesquisa. Todavia, os académicos depois se sujeitam aos ditames e vontades do poder discricionário dos chefes, a todos os níveis, particularmente os directores de faculdade e, nalguns casos, aos chefes de departamentos, até para conseguir uma simples assinatura num pedido de autorização para participar numa conferência da sua disciplina.

 

Esta inversão da pirâmide de autoridade académica infantiliza os académicos, principalmente os professores, e transfere todo o incentivo dos processos académicos para as estruturas de gestão administrativa. Consequentemente, esta inversão intensifica a luta pelos cargos de chefia e direcção que se tornam mais politizados.

 

A inversão da pirâmide também cria incentivos para que os chefes sejam incluídos nos projectos de académicos e em publicações, mesmo sem darem alguma contribuição significativa em termos científicos, mas, simplesmente, para não dificultarem a implementação dos mesmos. O mesmo ocorre com a supervisão de trabalhos de pesquisa para dissertação onde vários estudantes, até em áreas que não são do domínio científico do chefe, são sujeitos a mau acompanhamento e à reprodução da mediocridade.

 

Faz-se vista grossa ao incestuoso procedimento de ter um director de faculdade a presidir um júri ou supervisionar um estudante, na sua faculdade, num contexto em que ninguém pode ousar questionar a autoridade do chefe sem sofrer represálias, muitas vezes, com efeitos catastróficos para a carreira profissional.  

 

A arbitrariedade de alguns chefes atinge níveis exagerados de abuso de poder. Alguns chegam ao ponto de usurpar, impunemente, a propriedade intelectual de projectos concebidos por colegas. Tratam-nos como (in)subordinados, entre outros comportamentos perversos protegidos pela autoridade de gestão administrativa, incluindo a possibilidade de instaurar processos disciplinares ilegítimos aos colegas que resistem ao despotismo administrativo na academia.

 

A academia moçambicana não matou, de pequeno, o (crocodilo) Leviathan académico que devora, sem dom nem piedade, os seus melhores filhos. Mazula tem o mérito de ter lançado o repto para um debate sobre a reforma académica. Quanto a nós, pensamos que este é um debate necessário em todas as instituições de ensino superior moçambicanas que pretendem ser uma Universidade de Pesquisa e Pós-graduação de facto.

 

A remuneração de cargos de gestão académica

 

Tivemos o privilégio de colaborar em sistemas onde o director de faculdade, ou mesmo o chefe de departamento, é uma função não-remunerada. Quando muito, atribui-se um subsídio que não suplanta o vencimento regular como académico de acordo com o enquadramento na carreira profissional. Este princípio não se aplica ao Corpo Técnico e Administrativo que faz carreira diferenciada, ainda que dentro da academia.

 

Nesses sistemas, e de forma rotativa, todos os professores têm a prerrogativa, e por vezes a obrigação, nalgum momento da sua carreira, de assumir a direcção da sua unidade orgânica para melhor servir aos seus colegas. Ser ‘chefe’ nestes casos não é um privilégio, pelo qual vale tudo, mas um dever de servir aos colegas com responsabilidade.

 

Todos os professores devem, pelo menos uma vez, sacrificar alguns anos do seu trabalho, estritamente, académico para gerir a Faculdade e/ou o Departamento como parte das suas obrigações e, para isso, não precisam de ser remunerados além do salário normal, pois todos passarão por isso, rotativamente. Não se é chefe para se servir e abusar dos pares, mas para servir aos colegas e ao templo da ciência. 

 

Ainda nesses lugares, a principal função do director e do chefe de departamento é a de garantir as condições de trabalho dos seus colegas. Durante dois ou três anos, o colega se dedica à gestão. Ninguém, após cumprir o seu tempo na gestão tem interesse em lá permanecer, querendo retomar a sua função principal de académico.

 

No entanto, em Moçambique, pelo contrário, temos indivíduos que querem ser chefes vitalícios na academia. Esse é o maior sinal de mediocridade e parasitismo académico. Querem ser chefes eternos e, ao mesmo tempo, académicos a tempo inteiro. Numa  universidade histórica do país, por exemplo, houve várias tentativas de propor a extensão dos mandatos de directores de faculdades de três para cinco anos renováveis. Não podia haver proposta mais reveladora do carácter profano e perverso do sentido da academia e da inversão da pirâmide da autoridade académica. Enquanto esta inversão se mantiver, haverá cada vez mais déspotas académicos atraídos pelo poder administrativo a lutar por cargos administrativos do que académicos, com mérito, predispostos a ocupar cargos de chefia e direcção com base na confiança.

 

Há indivíduos com reputação de académicos, mas cuja carreira académica destaca-se apenas pela ocupação de cargos de chefia e direcção, desde chefe de secção, chefe de departamento, director de faculdade, até ao topo da gestão universitária. No entanto, como académicos deixam muito a desejar aos seus próprios pares, pois a sua produção académica não tem nenhum mérito reconhecido entre os seus pares. Se não fossem chefes ninguém lhes reconhecia o mérito académico. A autoridade académica que detém deriva da ocupação de cargos de confiança, chefia e direcção, na gestão e administração das unidades orgânicas.

 

Há chefes com inveja dos colegas que se dedicam à vida académica como vocação. Esses chefes usam o seu poder administrativo para impedir, a todo o custo, a progressão académica dos colegas com recurso a todo o tipo de esquemas e manipulação de mentes de colegas, estudantes e da opinião pública.

 

Escondem a sua mediocridade nos cargos de chefia e direcção que ninguém pode ousar questionar sob pena de sofrer represálias. Instalam um clima de medo e terror, manipulam processos de sucessão, supostamente democráticos, nos cargos de chefia e tornam a academia nesse tempo profano denunciado por Mazula.

 

Em resumo, Mazula tem razão – o templo da academia ou da ciência foi profanado. O sacrilégio anuncia a miséria da academia ou, ainda, a academia da miséria.

 

A reforma do departamento, receamos, poderá não ser suficiente para devolver a sacralidade do templo profanado. A estética da vulgaridade se revela no dramático esplendor diurno da ousadia da mediocridade decorada com altos títulos académicos ocupando as poltronas do poder-administrativo Leviathanico, ou mesmo satânico, dos cargos de confiança, chefia e direcção. Um novo templo exorcizado se faz necessário onde a autoridade escolástica do professor-investigador guiado pelo Bourdieuiano ‘líbido sciendi’ se sobrepõe, de forma responsável, com pesos e contrapesos, à arbitrariedade despótica e corrupta instaurada no templo da ciência. 

 

[1] Sociólogo, especialista em Estudos do Ensino Superior

[2] Reitor da Universidade Pedagógica de Maputo

Patricio Jorge min

A presente reflexão aborda sobre a necessária reforma da estrutura da organização académica no subsistema de ensino superior em Moçambique. No seguimento das celebrações dos sessenta (60) anos do Ensino Superior em Angola e em Moçambique, decorridas em 2022, retomamos uma das propostas apresentadas pelo Professor Brazão Mazula. O académico e filósofo da educação, ex-Reitor da Universidade Eduardo Mondlane (UEM), Brazão Mazula, participou de uma mesa-redonda que discutia os desafios do ensino superior. Mazula apresentou um diagnóstico geral e propôs uma modesta reforma organizacional da academia.

 

Nesse contexto, Mazula sugeriu que o departamento e o respectivo chefe, como unidade orgânica primordial na organização da actividade académica, tivessem maior autonomia, autoridade e legitimidade científica do que o director da faculdade, enquanto unidade orgânica académica político-administrativa.

 

A proposta de Mazula foi mais longe, ao sugerir que o mandato do chefe do departamento académico, em termos de longevidade em anos, fosse mais extensivo do que o do director de faculdade. Mazula propôs também que a nomeação do chefe de departamento académico fosse autónoma e não dependesse da nomeação do director da faculdade.

 

A proposta de Mazula surge como um contributo para reflectir sobre as condições de possibilidade destas universidades de pesquisa e pós-graduação face aos desafios e perigos no actual contexto.

 

Mazula apontou alguns pecados da academia que, em parte, são associados ao actual figurino do papel e função do director de faculdade como autoridade académica de gestão administrativa, que toma precedência e maior relevância no poder académico, administrativo e organizacional da academia do que o departamento, e o respectivo chefe, considerado como unidade primordial da actividade académica.

 

De acordo, mas...!

 

No geral, concordamos com a proposta Mazuliana e, por isso, pretendemos radicalizá-la. Radicalizar a proposta significa propôr um modelo de estrutura organizacional académica que dê precedência à dimensão académica e não à dimensão administrativa da academia – aliás, uma tendência global resultante das abordagens da Nova Gestão Pública (New Public Management).

 

A Nova Gestão Pública (NGP) surgiu, inicialmente, em países anglo-saxónicos, tais como Estados Unidos, Inglaterra, Austrália e Nova Zelândia, a partir do início dos anos 1980; mas, depois, tornou-se num movimento global com propostas teóricas de reforma da administração pública burocrática de modo a dotá-la de modelos de gestão inspirados na administração de empresas privadas percebidas como menos burocráticas, flexíveis e cujos resultados eram orientados para as necessidades do mercado.

 

Em países como Moçambique, não existe evidência de que o ascendente da administração pública e burocrática resulte da NGP, mas parece ser mais uma herança da planificação centralizada do Estado e dos vícios de modelos de liderança institucional e organizacional com tendências autoritárias, onde o chefe exerce o poder burocrático de forma discricionária, arbitrária, incontestável e com poucos ou quase nenhum mecanismo efectivo de pesos e contrapesos.

 

O profanado Templo da Ciência 

 

Mazula defendeu, analogicamente, que uma Universidade de Pesquisa e Pós-graduação é algo próximo ou igual a um templo da ciência. Assim, como que um templo profanado, Mazula apontou aspectos que são incompatíveis com uma Universidade de Pesquisa e Pós-graduação e cujos sinais estão manifestos na nossa academia. Esses aspectos elencados ilustravam o facto das instituições de ensino superior moçambicanas terem sido transformadas em instrumentos de exibição de uma falsa envergadura económica e superioridade intelectual, de rampas de lançamento de carreiras políticas, de casas bancárias onde se mercantiliza currículos e onde o estudante é apenas tido como um mero cliente, de centros de formação rápida e massiva sem o devido acautelamento em qualidade, e de clubes de exaltação da personalidade dos seus dirigentes máximos. Estas referências todas ilustram um Mazula indignado com a profanidade da academia moçambicana. A nossa proposta é radicalizar a proposta de Mazula.

 

Radicalizar a proposta de Mazula

 

A proposta de conceder ao chefe de departamento maior autoridade académica do que o director de faculdade nos pareceu pertinente e necessária, ainda que insuficiente como solução para parte dos problemas arrolados por Mazula que concorrem para a profanidade do templo da ciência. Os problemas arrolados, que contaminam o templo, parecem-nos transcender a vida das faculdades, em si, e abrangem comportamentos individuais de académicos e de algumas lideranças das instituições do ensino superior.

 

No essencial, a proposta de Mazula não é apenas a de uma reforma administrativa conferindo mais poder ao chefe de departamento e um mandato mais longo do que o do director da faculdade; é a de uma reforma da função académica do departamento e do respectivo chefe. Trata-se de uma proposta importante e de uma oportunidade para reflexão que só podia ser trazida ao público, sem receios, por um académico da estatura intelectual de Mazula.

 

O poder académico e administrativo

 

Na academia coabitam, cada vez mais em conflito, dois tipos de poder. Por um lado, o poder académico, que radica dos processos académicos de ensino, investigação e extensão, cuja autoridade resulta do reconhecimento do mérito académico e científico legitimado pelos pares. Por outro, o poder político-administrativo na academia, que radica dos processos de gestão administrativa e financeira dos diferentes níveis e unidades orgânicas das instituições de ensino superior.

 

Estes dois tipos de poder podem, muitas vezes, se confundir na academia. Principalmente na medida em que mais detentores do poder político-administrativo na academia vão adquirindo títulos e graus académicos. Nos países em que a capacidade e mecanismos de controlo do rigor científico e académico não é inteligível e institucionalizado, a possibilidade de distinguir académicos e administradores é ainda menor.

 

No caso de Moçambique, a estrutura orgânica das unidades académicas e administrativas assemelha-se àquela da administração pública, com Divisões, Secções, Departamentos e outras unidades de cariz especificamente académico, tais como Grupo de Disciplina, Grupo de Pesquisa, Faculdades, Centros de Pesquisa e Extensão, entre outras unidades. Existem também unidades de gestão, estritamente, administrativas e financeiras, como direcções que se ocupam da provisão de bens e serviços académicos, pedagógicos, administrativos e financeiros.  

 

A unidade orgânica que mais se destaca nos processos académicos é a Faculdade. No entanto, a função do gestor da faculdade, ou mesmo do departamento, na configuração das instituições de ensino superior moçambicanas é, fundamentalmente, administrativa e financeira. Para exercer as funções de director de faculdade ou um chefe de departamento, cargos muitas vezes exercidos por académicos, não se requer conhecimento especializado. Na verdade, para se ser director, muitas vezes, basta preencher requisitos burocráticos, político-administrativos e existir uma vaga.

 

Nalguns casos, abre-se a excepção para os directores de Cursos, mas há muitos casos em que mesmo a este nível não é imperioso que alguém tenha alguma especialização no curso que dirige, o que constitui um verdadeiro sacrilégio académico. Ocorre, porém, que ao ascenderem aos cargos de gestão, mais político-administrativos do que académicos, indivíduos com credenciais académicas questionáveis passam a exercer o poder e autoridade administrativa sobre académicos com autoridade e legitimidade científica nacional e até internacional.

 

Esta situação tem sido fonte de conflitos e distorções do templo da ciência, propiciando alguns dos vícios apontados por Mazula. Entre a autoridade científico-académica e a autoridade político-administrativa leva vantagem a segunda, concorrendo assim para uma maior politização e perversão da academia. Assim, a luta política para a ascensão aos cargos de chefia e direcção dos processos administrativos e financeiros é inversamente proporcional à luta pelo reconhecimento académico-científico pelos pares nas áreas de especialização. 

 

É um facto que existe a tendência de associar a ocupação de certos cargos político-administrativos à exigência de credenciais académicas. Por exemplo, cada vez mais se admite menos que um director de faculdade não ostente o título de doutor. O pressuposto lógico, mas não necessariamente funcional, é de que um doutorado teria maior discernimento e competência para administrar assuntos académicos.

 

À medida que as unidades orgânicas estão cada vez mais dotadas de indivíduos com doutoramento, e estando os incentivos administrativo-financeiros indexados aos cargos de chefia e direcção, e não às funções académicas, a luta por cargos na académia tornou-se tão, senão mais, politizada do que a luta por cargos políticos noutros sectores da função pública ou nos partidos políticos.

 

A luta política por cargos político-administrativos na academia passa também pelo controle dos recursos financeiros e adopta, cada vez mais, métodos escrupulosos. Nessa luta, vale tudo para eliminar inimigos, reais ou imaginários, incluindo o uso da autoridade administrativa para perseguir ou obstruir a progressão na carreira, retirar projectos de investigação com financiamento e até mesmo o ataque pessoal e à dignidade, inclusive com recurso ao assassinato público de carácter. Este fenómeno do assassinato público do carácter tornou-se facilitado na era da Internet e das redes sociais, mas também na de uma pseudo-imprensa que sobrevivem do suborno e de sensacionalismo baseado em escândalos fabricados. Este fenómeno, que um de nós designa, nos seus estudos, de economia moral do caractercídio – ou linchamento de carácter – ocorre num país onde a ética e deontologia profissional de alguma imprensa ainda é bastante negligenciada e a difamação impune.   

 

A estética dos conflitos académicos pelo controle dos recursos de poder académico e político-administrativo, particularmente na era das redes sociais e da mídia sensacionalista, atingiu níveis de uma vulgaridade indescritível. O poder político-administrativo na academia moçambicana, do topo à base, funciona de forma bastante discricionária e até mesmo arbitrária. Os chefes, a todos níveis, até mesmo os chefes de departamento, operam numa estrutura burocrática e autocrática que os torna extremamente poderosos a ponto de nem mesmo os órgãos colegiais, altamente manipuláveis e corruptíveis, terem capacidade de contrabalançar esse excessivo poder.

 

O figurino emprestado da função pública do cargo de confiança, quando introduzido na academia, cria uma cultura perversa de seguidismo, culto de personalidade, compra e venda de lealdade e favores. No geral, a importação do modelo de cargos de chefia e direcção por confiança da função pública para a academia, mas em particular ao nível do director de faculdade, elimina a noção de académicos como pares (iguais) e introduz uma hierarquia administrativa que permite a alguns chefes usar o seu poder discricionário de nomeação dos colegas ‘pares’ para cargos de confiança como moeda de troca, abusar do poder, perseguir colegas e até mesmo exigir favores sexuais às mulheres – nomeando-as para cargos de confiança em nome de suposta igualdade de género.

 

A questão do género, legítima que seja, também é um campo bastante susceptível à manipulação e usada como arma de arremesso para eliminar opositores com base em falsas denúncias. Numa sociedade onde a lógica do raciocínio assemelha-se a ‘acusação de feitiçaria’, como diria um renomado sociólogo, do tipo não há fumo sem fogo, basta acusar. Assim, se perpetua uma perversa economia moral do género, que alimenta denunciantes, fabrica vítimas e, com efeito, negligencia a verdade.  

 

Para garantir a sua segurança nos cargos, os chefes, principalmente os directores de faculdades, podem cooptar e aliciar jovens, estudantes e docentes no início da carreira académica, sedentos de confirmação como quadros efectivos ou em busca de promoção na carreira, e os colocam como chefes de departamentos ou nos órgãos colegiais onde servem de marionetas do chefe para legitimar processos que não passariam, muitas vezes, ao escrutínio crítico de académicos mais seniores.

 

Assim, os órgãos colegiais não passam de mais uma fachada democrática na academia, no lugar de serem espaços de análise crítica dos processos de gestão académica. Diante dos problemas estruturais da academia moçambicana aqui descritos, parcialmente, conferir maior autonomia e poder ao chefe de departamento, como propõe Mazula, ou estender o mandato para além daquele do director da faculdade, pode ser parte da solução, mas não é o remédio santo para voltar a sacralizar o templo da ciência. Para ser efectiva, a proposta Mazuliana de reforma académica teria que ousar ir mais longe e ser mais radical. 

 

(continua)

 

[1] Sociólogo, especialista em Estudos do Ensino Superior

[2] Reitor da Universidade Pedagógica de Maputo

Patrício Langa[1] e Jorge Ferrão[2]

 

O Laissez-faire é um termo da língua francesa que simboliza o liberalismo económico. Na acepção mais radical do capitalismo, o neoliberalismo, o mercado funciona livremente sem ingerência do Estado. O papel do Governo, em representação do Estado, é mínimo. O Governo estabelece o quadro legal, normativo e regulatório suficiente para proteger os direitos de propriedade privada. O princípio da mão invisível, termo cunhado pelo economista clássico Adam Smith, determina a auto-regulação do mercado criando as condições de possibilidade para a troca livre de bens e serviços. A recente história social e económica, em particular depois das crises económicas de 2007 e 2008, seguida da intervenção reguladora dos governos, veio mostrar tanto a ilusão da perfeição da invisibilidade da mão do mercado (laissez faire) como a imperfeição da excessiva regulação do Estado. 

 

A expressão laissez faire, mais conhecida e usada do que outras quase sinónimas como laissez aller, laissez passer, significam literal e respectivamente “deixar fazer”, “deixar ir”, “deixar passar”. A subida ao poder de Margaret Thatcher (a dama de ferro), como Primeira-Ministra da Inglaterra, em 1979, em representação do Partido Conservador, e de Ronald Reagan como Presidente dos Estados Unidos da América, em 1980, em representação do Partido Republicano, dois promotores da ideologia neoliberal do mercado livre e da mão invisível, popularizou os programas de reformas macroeconómicas e financeiras com vista a promoção da privatização de bens e serviços públicos sociais como a educação, a saúde e até a defesa.  

 

Em Moçambique, as reformas macroeconómicas foram precedidas de reformas políticas profundas com a aprovação de uma nova Constituição da República, em 1990. Com a morte de Samora Machel, foi a enterrar também o utópico projecto do experimento socialista de sociedade que abordamos no decénio anterior. O que alguns dos nossos pensadores, como Severino Ngoenha e José Castiano, referem como a Segunda República, nasce no regulado do segundo Presidente de Moçambique, Joaquim Alberto Chissano. Cognominado o pai do ‘deixa-andar’, ou ‘deixa-fazer’, Chissano e seu Governo representam, simbolicamente, o período do laissez faire da história política, social e económica do país.  

 

O laissez faire no ensino superior

 

A reforma económica e financeira conhecida como Programa de Reabilitação Económica (PRE) e Social (PRES), ainda que iniciados após a negociada adesão do país ao financiamento e disciplinarização fiscal pelas instituições de Bretton Woods, Banco Mundial (BM) e Fundo Monetário Internacional (FMI), em meados de 1980, ganharam corpo após os acordos de paz que puseram fim à Guerra Civil dos 16 anos entre o Governo da FRELIMO e a RENAMO, em 1992, e a realização das primeiras eleições gerais multipartidárias, em 1994.

 

No ensino superior, a implementação da primeira Lei 1/93 veio abrir espaço para o surgimento das primeiras iniciativas de provisão da educação superior por entidades não públicas. Assim, podemos falar de diferentes fases, estágios, ondas, ou até gerações de instituições de ensino superior (IES) em Moçambique.

 

A origem das primeiras IES privadas

 

A primeira geração de IES, como referimos, gerou apenas uma instituição, os Estudos Gerais e Universitários de Moçambique – EGUM (1962), ainda durante o período colonial, mais tarde elevada ao estatuto de universidade e renomeada Universidade de Lourenço Marques (ULM) em 1968. Após a independência do país, a ULM foi transformada em Universidade Eduardo Mondlane (UEM) em 1976. A segunda geração de IES surge apenas nos anos de 1985 e de 1986, com a criação respectivamente do Instituto Superior Pedagógico (1985), actual Universidade Pedagógica, e o Instituto Superior de Relações Internacionais (1986), actual Universidade Joaquim Chissano. A terceira geração introduz, pela primeira vez, instituições de ensino superior privadas. Este texto aborda as IES até a terceira geração, sendo que as subsequentes irão ser abordadas nos próximos decénios. As primeiras entidades particulares a criarem IES privadas incluem aquelas de natureza secular empresarial e as de natureza religiosa, todas se propondo a prestar serviço público. 

 

A actual Universidade Politécnica (A Politécnica) foi a primeira instituição de ensino superior privada e secular a entrar em funcionamento em Moçambique. Inicialmente designada Instituto Superior Politécnico e Universitário (ISPU), foi criada através do Decreto n.º 44/95, de 13 de Setembro. No entanto, o início do seu funcionamento deu-se apenas no ano académico de 1996/97 quando foi autorizada através da Resolução n.º 16/96, de 6 de Agosto.  

 

No mesmo período, a SOPREL – Sociedade Promotora de Ensino e Serviços Limitada – fundou o Instituto Superior de Ciências e Tecnologia de Moçambique (ISCTEM), aprovado pelo Decreto n.º 46/96, de 5 de Novembro. O Instituto Superior de Transportes e Comunicações (ISUTC) foi instituído pela Transcom, Sociedade Anônima. A sua criação foi aprovada pelo Decreto n.º 32/99, de 1 de Junho de 1999, e a autorização de entrada em funcionamento pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 33/99, de 1 de Novembro de 1999. Iniciou com as Licenciaturas no ano lectivo 2000-01, precedido de um Semestre Zero no início de 2000. Estas são as primeiras IES privadas que surgiram no país, particularmente tendo promotores de cariz privado-empresarial.

 

As primeiras IES de cariz religioso

 

A Igreja Católica de Moçambique, detentora de um património de infra-estruturas sociais considerável, parte da qual nacionalizada a 24 de Julho de 1976, negociou a recuperação do seu património que reverteu a favor do estabelecimento da Universidade Católica de Moçambique (UCM), em 1995, na província de Sofala. Este marco teve um significado simbólico assinalável, pelo facto de a UCM ter levado o ensino superior privado para fora da capital do país pela primeira vez na história, especialmente através de uma entidade privada.

 

Consta que a ideia de criação da UCM surgiu com Dom Jaime Pedro Gonçalves, Arcebispo da Beira. Dom Jaime e outros membros distintos da Cidade da Beira, tal como o antigo governador de Sofala, Francisco de Assis Masquil, propuseram a criação de uma universidade com enfoque nas questões da promoção da paz e reconciliação nacional.

 

Assim, a UCM foi fundada oficialmente em 1995 como uma instituição de ensino superior privada através do Decreto n.º 43/95, de 14 de Setembro. A UCM, portanto, é uma instituição da Conferência Episcopal de Moçambique (CEM), com sede na cidade da Beira, província de Sofala. A UCM, assim como as demais IES, depois se expandiu através de delegações provinciais. Em Agosto de 1996, a UCM abriu uma Faculdade de Economia e Gestão (FEG), na Beira, e uma Faculdade de Direito (FADIR), em Nampula. Subsequentemente, criou a Faculdade de Ciências de Educação, actualmente Faculdade de Educação e Comunicação (FEC)  em Nampula (1998), a Faculdade de Agricultura (FAGRI)  em Cuamba (1999), a Faculdade de Medicina, actualmente Faculdade de Ciências de Saúde (FCS), na Beira (2000), a Faculdade de Gestão de Turismo e Informática (FGTI)  em Pemba (2002), o Centro de Ensino à Distância na Beira (2003) e a Faculdade de Engenharia (FENG), a mais recente, em Chimoio, no ano de 2009. A UCM abriu, ainda, três delegações: uma em Tete (2008), outra em Quelimane (2009) e a terceira, de Informática, na Beira (2010).

 

No Decénio 1993-2003, juntaram-se à família das IES também a Universidade Mussa Bin-Bique (UMB) fundada em 1998. Se as autoridades eclesiásticas cristãs viram na criação da UCM a materialização da ideia de inclusão e expansão do ensino superior para além da capital do país, as autoridades islâmicas, predominantemente no Norte do país, juntaram-se ao movimento criando a Universidade Mussa Bin Bique, abreviadamente designada por UMB. A UMB estabeleceu-se como uma instituição privada de ensino superior criada pelo Centro de Formação Islâmica, ao abrigo do Decreto n.º 13/98, de 17 de Março, tendo a sua sede na cidade de Nampula.

 

O primeiro passo estava dado para o início da expansão do ensino superior privado no país. O contexto regulatório do laissez-faire permitia que, com algum esforço, se pudesse criar uma IES. No entanto, ainda havia alguma timidez por parte das entidades promotoras, mas este cenário prevaleceu apenas no decénio em análise.

 

Neste sentido, podemos falar tanto de uma primeira geração de IES privadas seguida de novas fases onde a pujança para a criação de outras aumentou, como também das exigências, em termos de requisitos, à medida que as alegações de baixa qualidade entravam para a ordem do discurso. 

 

Com o surgimento das IES privadas, o subsistema do ensino superior começou um processo de diversificação e de diferenciação. Destaca-se aqui a diversificação das ofertas de cursos e programas e a diferenciação em termos do tipo de IES, não somente entre públicas e privadas mas também de carácter, estas últimas promovidas por entidades religiosas e por sociedades empresariais. Timidamente, começou a surgir o debate sobre a intenção lucrativa ou não-lucrativa das entidades promotoras, dado que se percebia que, nalguns casos, o investimento para a criação das IES não permitia o provimento de condições mínimas para as actividades do ensino superior.

 

Com efeito, parte significativa da informação sobre as IES neste texto foi obtida com recurso às suas páginas da Internet (vulgo website). É notório como algumas IES com mais de 20 anos de existência, algumas oferecendo formações até ao nível do doutoramento e outras, inclusivamente, em áreas relacionadas com a informática, não dispõem de uma página web funcional, para falar do mínimo. A facilidade de se criar uma IES levou a alguma banalização do ensino superior, sem deixar de referir que nas IES públicas também surgia e se consolidava a expansão por via da abertura de delegações e da abertura do regime pós-laboral. As consequências da expansão desenfreada com um pendor para a comodificação, comoditização e tratamento da educação como um produto comercializável serão escrutinadas nos próximos textos desta série.

 

O relatório da comissão Comiche

 

O relatório da Comissão Comiche da revisão do ensino superior em Moçambique deve ser um dos documentos mais referenciados, mas pouco difundido ou até mesmo indisponível ao público. Um de nós já entrevistou vários actores-chave e personalidades que fizeram parte dos trabalhos da comissão e que o citam como um documento fundamental para entender a reforma do ensino superior, particularmente no decénio após a virada do milénio. No entanto, ninguém tem o documento disponível.

 

Entre 1997/8, a comissão foi constituída e encarregada pelo Presidente Joaquim Chissano para repensar o ensino superior e o papel dos diferentes actores públicos e privados face ao crescente discurso e a preocupação com a necessidade da expansão sem comprometer a qualidade.

 

Consta que é das recomendações da Comissão que o novo Governo saído das eleições gerais de 1999 fundamentou a criação do primeiro Ministério para a Coordenação do Ensino Superior, Ciência e Tecnologia (MESCT), cuja pasta foi assumida pela académica Lídia Brito, saída da Vice-Reitoria da UEM. Foi sob tutela do MESCT que se preparou o primeiro Plano Estratégico do Ensino Superior 2000-2010, no qual os pressupostos da expansão, diversificação e diferenciação, bem como dos mecanismos de garantia de qualidade, foram lançados.  

 

O trabalho da criação de um quadro legislativo, normativo e de regulação, traduzido num plano estratégico e operacional de desenvolvimento do sector, conduziu a necessidade de revisão da primeira Lei do Ensino Superior 1/93, de 24 de Junho, e a aprovação de uma nova Lei, a 5/2003, de 21 de Janeiro. Os instrumentos regulatórios da nova lei abriram espaço para o surgimento da terceira geração de IES e uma nova onda de expansão, diversificação e diferenciação do sistema que iremos abordar no decénio 2003-2013.

 

(Continua*)

 

[1] Sociólogo, Professor de Estudos de Ensino Superior

[2] Reitor da Universidade Pedagógica de Moçambique

segunda-feira, 12 dezembro 2022 08:39

Lipondo - O buraco

Terapia surda

 

Doroteia, nome grego, que significa dádiva de Deus, decidiu quebrar os seus silêncios e se libertar de suas amarras, curando as suas próprias feridas e traumas. Ela escreve o seu primeiro livro e, com base em factos reiais, pretende dizer à sociedade e ao mundo que, muitas vezes, as famílias se enchem de cuidados para que nada de mal aconteça, aos seus filhos, fora de casa, porém, não têm os mesmos cuidados, dentro de casa, e nem sequer passa pelas suas cabeças que o perigo pode estar tão iminente.

 

Lipondo ou Terapia da Fala é uma narrativa que nos conduz para o pior que rapazes e raparigas podem, alguma vez, passar na infância. Entender a profundidade e o âmago destas revelações equivalem a compreender a condição humana e as formas de vida que o ser humano impõe a si próprio, para coexistir e sobreviver, ou se autodestruir. São os caminhos perversos que mais do que tornar a peregrinação um momento aprazível, fazem dela uma outra forma de suprir a existência e felicidade do próprio ser humano. Destituir o essencial da nossa condição significa iniciar outra guerra tão mortífera como a guerra das armas.

 

Estes textos navegam entre diferentes géneros literários. Algumas vezes mais poéticos, outras agrestes e até ficcionais. São como diria Hannah Arendt, a súmula da própria condição humana ou da perversidade dessa mesma humanidade. Sugiro, então, uma leitura cuidada e com tempo, um momento disruptivo e de desassossego. Uma caminhada sofrida e mística. Estamos diante desse buracão, que nos persuade a revisitar temática sobejamente debatida, com estatísticas perturbadoras, porém, cujas soluções continuam tão utópicas, como imprevisíveis e, convenhamos, incompreensíveis. 

 

Estas são as histórias de várias vítimas da violação de direitos humanos, de direitos da criança e do direito de viver um mundo de sonhos e aspirações. Ela descreve, jamais livre, que jaz como menina de saia escocesa vermelha, uma menina morta e sem voz. O funeral profanado de uma infância, a esperança esmiuçada da eternidade dos seus sonhos. Aqui jaz uma inocência; e aqui jaz uma existência.

 

Por vezes, e em certos momentos, a vida nos conduz para os seus próprios fins e destinos. As marcas de um sofrimento que impelem uma relação psicológica distorcida entre o corpo e a mente. Tudo vira disfuncional. Com a autora, essa sensação de não pertença aconteceu. Sentiu, ao longo de anos, um misticismo destorcido da carne distanciada da mente e do seu intelecto. O corpo deixou de ser, somente, o fenótipo, o visível, mas, também, a parte sensorial e mais notável. Passou, uma vez tatuado pelos traumas, à matéria, no seu estado físico material, como provam todas as lições metafísicas, onde o todo se desencontra das suas partes, se descomunga, atravessando as linhas do imaginário e do inalcançável. Só a força de vontade e o desejo de superação podem falar mais alto.

 

Eu sou Doroteia ou Dorinha ou, se quisermos, uma mulher de lutas. Pouco mais do que dádiva de Deus, também, posso ser luz; a fonte de energia suprema que nos liberta de todas as trevas, escreve a autora. É doloroso e repugnante reler estas descrições porque se tornaram senso comum, numa sociedade que se debate com gravidez precoce, casamentos prematuros, com mães que são crianças. Um pouco por todo o país, estas verdades morrem ao sabor do vento e quase deixam de indignar.

 

Relendo Lipondo, e essa apologia ao buraco, um buraco invertido, porque passamos a conhecer o seu interior, sem antes nos atinarmos à superfície, nos recordamos, também, de George Orwell que versou, nas suas obras sobre a paz, a liberdade, a escravidão, sobre a ignorância e a força. Por conseguinte, ele afirmava, que a consolidação do silêncio se comparava ao exercício do direito a voz desse mesmo silêncio. Exercitar o silêncio exigia coragem, da mesma forma que exigia a intuição para a inacção. Libertar a voz era uma terapia, não completa, mas a possível.

 

Doroteia toca nos extremos, aqueles paradoxos que levam as verdades para o túmulo. Dizia, no começo, que recomendaria uma leitura invertida. Os valores do bom senso também se inverteram. Forçar as crianças, mesmo antes da sua puberdade, a uma relação sexual repetida, tem mais do que perverso, tem maldade e indignação. Desumano e malicioso. Pior quando acontece no tecto da mesma família que julga estar a conviver e a educar. O resto da narrativa suaviza os impactos. Factos consumados e essa busca pela superação e compaixão. Reter aquilo que mais nos pertence, o nosso corpo. 

 

O Prefácio deste livro, que tem a missão de orientar o sentido das nossas leituras, fala numa descrição magnífica, mas, igualmente, numa matéria que faz chorar do princípio ao fim, não só pelo inaceitável, mas, igualmente, pelo facto de serem situações recorrentes e que alcançam milhares de Doroteias, naquilo que elas têm de mais sagrado, que é o seu corpo.

 

O abuso sexual de menores e, igualmente, de qualquer outra mulher, de qualquer idade, continua um crime repugnável, que iliba o criminoso e pune, duplamente, as suas vítimas. Estes actos infames e violentos e, muitas vezes, desproporcionais, não geram, apenas, a dor e a revolta, mas, enterram e sepultam a mulher e seus sonhos. Eles vão acontecendo a cada segundo, todas as horas, todas as semanas e, muitas vezes, nos mesmos locais.

 

O nosso país vive esta encruzilhada. O mundo também. São as histórias de terror que ninguém preza escutar. As aporias que, jamais, nos esforçamos a resolver, e os mantos do pior com que o ser humano tem de conviver, a bom rigor, os dissensos com os quais convivemos e, também, em silêncio, nós os homens, ou nós os pseudo-homens.

 

Quebrar as barreiras do silêncio, como diz Doroteia, tem a missão de tornar em inspiração para outros e para outras. Esse é o sinal de luz, como refere Dorinha.

 

É necessário que todas as Doras de Moçambique se inspirem na jornada do autoconhecimento. Estas mulheres têm que provar que homem nenhum tem poder sobre elas e nós, que escutamos estas declarações, destas vítimas da violência, precisaremos de entender que só exercitando o poder de escutar, de ajudar e de ser solidário, fará de nós próprios, pessoas mais corajosas, destemidas, solidárias e fraternas.

 

Precisamos de acreditar que temos, todos, um propósito, pois as histórias de nossas vidas começam muito antes de qualquer escrita ou de qualquer leitura. O sinal da luz está sempre presente nas planícies, nas montanhas, na infinita superfície do mar, no interior de qualquer lipondo. Que esta leitura nos ajude a transformar uma terapia surda em acções que nos libertem e que nos ajudem a falar, sem medos, sem receios e em busca de uma cura que tenha o sentido de todos os sons e de todas as cores das canções. Quando as mulheres vítimas de violência sexual poderem falar, elas serão e estarão empoderando todas as mulheres que vieram antes delas próprias, e até, daquelas que ainda não passaram por esse trauma.

[1975/6 (1986) - 1990/3]

 

Patrício Langa[1] e Jorge Ferrão[2]

 

Este é o segundo de uma série artigos que dedicamos à análise crítica e social do percurso sócio-histórico, institucional, ideológico e filosófico do ensino superior em Moçambique e Angola, por ocasião das celebrações das seis décadas desde a instituição formal deste tipo de ensino em Agosto de 1962.

 

Assim, em forma de decenário, analisámos os processos inerentes à génese e estruturação do ensino superior década a década, com maior enfoque para a realidade moçambicana.

 

No texto anterior, encerramos a análise do período 1962-1975/6, sugerindo que o estabelecimento do ensino superior foi paradoxal na medida em que visava manter o status quo ideológico do regime colonial.[3]

 

Por outras palavras, a universidade instalada em Moçambique e Angola, entre 1962 e 1974, não só era reflexo da sociedade colonial Portuguesa como também da ideia de uma universidade europeia exclusivamente dedicada à reprodução da elite intelectual e académica para a perpetuação de uma sociedade desigual de cariz colonial.

 

Em Portugal, a Universidade de Coimbra era o modelo de universidade não só para aquele país, mas também para a Europa. Coimbra era, para a elite Portuguesa, o que Oxford e Cambridge eram para a elite colonial Britânica. Essas universidades não eram, e em alguns casos continuam não sendo, para as massas ou, como se diz em Moçambique, para o povo.

 

Assim, a transposição da universidade da metrópole para a colónia, metaforicamente designada de província ultramarina de Portugal nos anos 1960, seguiu o mesmo princípio ideológico ainda que com característica sui generis. A universidade na colónia também não era para o povo, muito menos para o povo indígena, no vocabulário colonial, mas para a elite colonial branca da eufemística província ultramarina, reproduzindo assim a estratificação social de carácter ideológico, político, económico, cultural e racial de Portugal.

 

Quando os Estudos Gerais Universitários de Moçambique (EGUM) foram estabelecidos pelas autoridades coloniais, em referência ao antigo termo latino-medieval para uma universidade, Studium Generale, a ideia na origem não privilegiava cursos de orientação tecnológica. No entanto, a transposição da universidade para a colónia enfatiza precisamente a necessidade dos cursos de matriz tecnológica com raríssimas excepções para os cursos de cariz pedagógico.

 

A universidade não visava a reprodução duma massa crítica pensante capaz de questionar o status quo. Pelo contrário, visava a reprodução de tecnocratas para a materialização da diferenciação social e da divisão social do trabalho na sociedade colonial.

 

Os cursos da EGUM eram introdutórios e, assim que os alunos começavam a especializar-se em uma determinada disciplina, deviam seguir para a metrópole para completarem os seus estudos. Após cinco anos, em 1968, a EGUM foi elevada ao estatuto de universidade e institucionalizada com a denominação de Universidade de Lourenço Marques (ULM), passando a conferir graus académicos sem depender, necessariamente, da validação da metrópole.

 

A independência e a nova ordem política

 

A chegada da independência, a 25 Junho de 1975, impôs uma nova ordem político-ideológica e, com esta, uma outra concepção de sociedade e da função do ensino superior na sociedade. A universidade passou a integrar o projecto de construção de uma nova nação e sociedade independente, livre da discriminação com base em ideologias racistas e sexistas, tendo agora como principal função a promoção do desenvolvimento.

 

Neste artigo, dedicamos especial atenção à segunda década cobrindo o período de 1975/6 a 1990/3. Este período corresponde ao início do novo Estado independente, marcado ideologicamente pela tentativa de implantação de uma República Popular e de uma sociedade de cariz político-ideológica e económica socialista.

 

Esta nova realidade desenvolvia-se num contexto dominado por uma ordem social global de clivagem política e ideológica devido à Guerra Fria, com dois blocos dominados um dominado pelos Estados Unidos da América (EUA) e o outro pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), que se confrontavam pela expansão do seu modelo de desenvolvimento social, político e económico.

 

O bloco liderado pelos EUA, também designado como Ocidente, seguia e expandia o modelo da democracia liberal, multipartidária, bem como o princípio da economia do mercado como modo de produção económico e social. Por seu turno, o modelo Soviético defendia a via da economia de planificação assente num Estado centralizado e com um sistema político predominantemente monopartidário.  

 

A década em análise tem como característica estrutural esta clivagem global e Moçambique, ao ascender à independência, adopta a via Soviética da economia de Estado centralizada e planificada, bem como um sistema político monopartidário.

 

Esta via conduziu o país até à derrocada do experimento socialista sinalizado pela adopção da segunda constituição de 1990. A nova constituição altera o modelo ideológico do socialismo para o liberalismo, assente numa economia de mercado e num regime de democracia multipartidária. As mudanças no país continuam consistentes com a alteração da ordem social e política mundial na sequência do fim da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e a queda do Muro de Berlim, que dividia a Alemanha Oriental e soviética, – para onde foram estudar e trabalhar muitos de nossos compatriotas – e a Alemanha Ocidental, de orientação liberal.  

 

Ao concentrarmos a análise em cada década, pretendemos amplificar alguns dos acontecimentos e factos marcantes que consideramos terem concorrido para definição do carácter do ensino superior em Moçambique, até ao momento, quando se celebra o sexagenário desta instituição social. Um reparo metodológico importante é necessário sempre que se tenta demarcar eventos históricos com recortes cronológicos.

 

O ano de 1975 marca o corte formal com o regime colonial, ainda que a herança cultural e institucional, como a língua oficial, entre outras formas imateriais de património cultural e institucional, transcendam limites cronológicos.

 

O recorte do fim do segundo decénio também é difícil se atendermos ao facto dos acontecimentos de relevo não respeitarem fronteiras temporais. Em princípio, dez anos após 1975 seria o ano de 1985. No entanto, um dos acontecimentos mais relevantes para o ensino superior neste período, e que merece o nosso destaque, seria o da criação do Instituto Superior Pedagógico (ISP), como a segunda instituição de ensino superior no país, e a primeira após a independência. Logo de seguida, em 1986, nasce a terceira instituição de ensino superior, o Instituto Superior de Relações Internacionais (ISRI).

 

No entanto, 1976 constitui igualmente um marco histórico por ser o ano no qual, a 1 de Maio, a única instituição do ensino superior foi atribuída o nome de Eduardo Mondlane, em homenagem feita pelo Presidente da República Samora Machel ao fundador da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO). Machel veio a falecer tragicamente   em 1986.

 

A morte de Machel também simboliza um marco histórico, o da derrocada do experimento socialista, que vem a ser institucionalizado com a adopção da Constituição da República de 1990, inaugurando uma nova ordem política, económica e social de cariz democrática e liberal.  Portanto, 1990 como marco histórico-cronológico já não representa um decénio, mas uma quinzena.

 

Para o ensino superior, em particular, o ano de 1993 simboliza a adopção, pela primeira vez, de uma Lei de Ensino Superior que acaba com o monopólio do Estado como único provedor e liberaliza a oferta de bens e serviços de educação superior através da introdução de operadores privados na lógica da demanda e oferta num mercado do ensino superior no qual o Estado passa a acumular as funções de provedor e regulador.  

 

A universidade pós-colonial

 

A década em análise aborda o ensino superior numa sociedade em transição para a constituição de um país soberano. Com a soberania surge a possibilidade de criação ou de transformação das instituições consistentes com a nova visão de um país livre, igualitário e cujo substrato ideológico assentaria num entendimento específico de um Marxismo-Leninismo instituído a partir do III Congresso da FRELIMO (então ainda um movimento de libertação).

 

Neste III Congresso, o movimento libertador transforma-se em Partido Político da Vanguarda Socialista e se assume como o único e legítimo representante do Povo. Neste sentido, todas as instituições do Estado deveriam conformar-se com as directivas do Partido como Guia do Povo.

 

A única universidade existente até então não foi excepção e teve de se conformar com as directivas do Partido como guia omnisciente do Estado, do Povo e de suas instituições. A visão de uma sociedade e das suas instituições guiadas por uma Parte do Todo, que se entendia como legítimo representante do Todo, de antemão, chocava com alguns dos princípios fundacionais universais da ideia da universidade: a autonomia institucional e a liberdade académica.

 

FRELIMO: guia da universidade

 

A ideia de autonomia institucional das universidades e a liberdade académica dos seus profissionais estão no âmago da condição de possibilidade de uma universidade moderna enquanto instituição social global.

 

No geral, o conceito de autonomia universitária descreve e examina as relações de governação entre as autoridades do Estado (Governos, mas também eclesiásticas) e a universidade tanto ao nível de todo o sistema de gestão do ensino superior como ao nível das instituições, como também ao nível da liberdade individual dos académicos de ensinar, pesquisar e comunicar com a sociedade de acordo com os preceitos éticos e deontológicos emanados da própria universidade.

 

A ideia de autonomia não só não é inteiramente transposta da universidade da metrópole para a universidade do ultramar como é imediatamente questionada na nova universidade pós-colonial.

 

A visão da nova administração da universidade, liderada pelo Reitor Fernando dos Reis Ganhão, o primeiro após a independência, surge bem expressa numa entrevista concedida à um jornal da altura:

 

“O conceito de universidade autónoma e independente é impossível. Isto está intimamente ligado a um sistema socioeconómico e político que não pode funcionar num país que está a construir uma via revolucionária. E não se pode permitir que uma determinada organização absorva verbas extraordinárias e esteja a dar a sua orientação independente”.[4]

 

O excerto acima sugere que a universidade pós-colonial em Moçambique ressurge confrontada com um desafio existencial na medida em que um dos seus princípios fundacionais consagrados era questionado pelo partido. Por um lado, a autonomia universitária, geralmente entendida como condição sine qua non para que uma instituição reclame à si esse título, era negada à universidade pós-colonial. Por outro lado, a nova universidade renasce sob a égide da gesta libertária, da autodeterminação e para servir as necessidades do ‘Povo’, como articula o Reitor Ganhão:

 

E não se pode permitir que uma determinada organização absorva verbas extraordinárias e esteja a dar a sua orientação independente. Esta orientação tem de ser dirigida pelas necessidades do povo e só ela estando realmente dentro desse processo impulsionado pelas massas populares através do partido pode participar no processo revolucionário’’.

 

Ao lermos estes excertos do pensamento do período revolucionário é importante colocar o texto no contexto e evitar uma análise anacrónica e normativa. Em 2022, aos celebrarmos 60 anos do Ensino Superior e 47 da independência nacional, pode-se ficar tentado a julgar o pensamento de outrora como um erro óbvio. Os termos da análise social não se confundem com os do julgamento.

 

O que nos parece facto histórico relevante é que a euforia da independência, no contexto ideológico global já descrito, não permitiu que se pudesse conceber uma universidade sob égide de princípios universais de independência e autonomia da universidade como um tipo de instituição. Esse é facto histórico e, não necessariamente, um contra-senso.  

 

Na leitura da FRELIMO, traduzida nas palavras do Reitor Ganhão, parece que existia um paradoxo entre os princípios da revolução socialista e aqueles da independência e autonomia universitária, como se pode ler no excerto que se segue:

 

Permitir que uma Universidade de isole, se enclaustre, fique anquilosada, em determinados princípios para defender determinadas tradições de pseudo-independência não creio que isso seja compatível com a via revolucionária’’.

 

Parece paradoxal que os receios de uma universidade autónoma expressos pelo Reitor em 1975, até certo ponto, ainda se mantêm, não obstante as mudanças ocorridas no decurso de quase cinco décadas. Ainda que as universidades, em particular as públicas, tenham formalmente em seus estatutos a autonomia como um princípio fundamental, a materialidade da experiência sugere limites à autonomia que carecem de análises mais profundas do modus operandi, bem como do grau e consequências do seu cerceamento.

 

Do ensino superior da FRELIMO à FRELIMO do ensino superior

 

A FRELIMO celebra este ano o seu 60º aniversário, data que coincide com a da celebração da independência nacional a 25 de Junho. Moçambique tem na FRELIMO o seu ADN. A análise do pensamento da FRELIMO, e de seus membros, enquanto movimento e indivíduos movidos pela gesta libertária, é fundamental para compreender a formação social das instituições do país.

 

O que se tornou ensino superior nos primórdios da independência é, grosso modo, reflexo da (di)visão do mundo da FRELIMO.  É legítimo, por isso, conceber o ensino superior, nesta fase, como sendo o da FRELIMO. O produto desse ensino superior, por seu turno, gerou não apenas uma nova FRELIMO, isto é, aquela que resultou da formação no ensino superior, como também uma nova sociedade moldada pelas políticas públicas e acção governativa dos diferentes governos da FRELIMO.

 

No período em análise, o Governo da FRELIMO foi, maioritariamente, liderado pelo seu segundo Presidente, Samora Machel, desde 1975 até sua morte a 19 de Outubro de 1986, num fatídico acidente de aviação nas colinas de Mbuzini, na vizinha África do Sul. Graça Machel, esposa de Samora Machel, foi quem dirigiu, neste período, o Ministério da Educação no qual as políticas públicas eram formuladas.

 

A Universidade Eduardo Mondlane (UEM), até então única instituição do ensino superior, a qual se vieram juntar o ISP, em 1985, e o ISRI, em 1986, era tutelada pelo Ministério da Educação de onde emanavam as directivas para a governação da instituição.

 

O ensino superior da FRELIMO, podemos concluir, foi produzido nos primeiros anos da independência quando a FRELIMO era o único guia da universidade e do país. Essa FRELIMO produziu os primeiros quadros nacionais através das suas políticas de formação ao nível nacional e internacional, por via dos acordos de cooperação que viram vários compatriotas seguirem para formação no exterior, em particular nos países do leste de orientação socialista.

 

Desde a ‘sacrificada’ geração 8 de Março – cujo perfil académico e profissional foi directamente afectado pelas políticas de afectação nas áreas de estudo e de trabalho consideradas prioritárias pelo governo, subalternizando os sonhos e escolhas individuais – até à adopção da Constituição de 1990, podemos falar de um ensino superior da FRELIMO. A FRELIMO era o Guia do Povo.    

 

A FRELIMO do Ensino Superior surge, a posterior, do impacto das ideias e acções dos quadros que a FRELIMO formou, sobre a própria FRELIMO como organização, mas também sobre o sistema do ensino superior e da sociedade no geral. As duas faces, a do ensino superior da FRELIMO e a Frelimo do ensino superior, são objectos de estudo importantes para compreendermos a relação entre o ensino superior e a sociedade moçambicana passadas seis décadas.  

 

Afro-moçambicanizar a universidade

 

Os novos governos africanos herdaram instituições coloniais que não tinham a confiança do público. Essas instituições eram vistas como instrumentos de opressão. Com a independência, as instituições de ensino superior, nos países africanos, procuraram reformar-se de modo a responder ao que entendiam ser a nova missão no contexto de um país soberano.

 

Após a independência, a universidade além da função da formação de quadros foi concebida como instrumento para a construção de uma nova nação moldando nos jovens de todo o país uma nova identidade nacional e um processo de africanização da universidade até então concebida como instrumento de dominação colonial europeia.

 

No caso de Moçambique, a política do ensino superior da FRELIMO visava a moçambicanização da universidade, começando pela atribuição do nome do fundador da FRELIMO considerado o arquitecto da unidade nacional dos moçambicanos, Eduardo Chivambo Mondlane.

 

Como outras universidades africanas, o principal papel da UEM era o de contribuir para a construção da nação moçambicana através da formação de quadros nas diversas áreas de saber para os diversos sectores de actividade, particularmente no aparelho do Estado.

 

Moçambicanizar a universidade, portanto, significava não somente alterar a sua denominação, visão e missão, mas também a sua função social e, como diria Severino Ngoenha, nosso filósofo-mor, o seu estatuto axiológico. Iniciou um processo de reformas da universidade a todos os níveis, sobretudo a nível organizacional, funcional, curricular e cultural, de modo a continuar com a tarefa de forjar uma nova identidade nacional.

 

Todo este empreendimento iria requer da universidade e do governo um esforço gigantesco em termos de recursos materiais, financeiros e de pessoal qualificado. Tudo isto numa altura em que o ensino superior em África entrava para uma das suas maiores crises existenciais, como iremos abordar a seguir.  

 

A crise dos anos 1980s

 

Em 1986, o Banco Mundial reuniu-se, em Harare, com Reitores de universidades africanas. A mensagem era clara, aconselhar aos Reitores que fazia sentido económico encerrar as universidades nos países africanos recém-independentes e delegar a formação dos seus recursos humanos às universidades no ocidente.

 

Por razões que se pode descortinar, uma vez que tal medida tinha implicações directas para os próprios Reitores, que deixariam seus cargos pomposos, estes prontamente se recusaram a acatar a recomendação. Incapaz de convencer aos Reitores e governos de seus países a encerrar as universidades, o Banco Mundial mudou de táctica e introduziu uma nova estratégia de passar a condicionar a ‘ajuda’ (na verdade um presente envenenado) às reformas do sector. A receita passou a ser a liberalização, a privatização e até a mercantilização do ensino superior, com consequências estruturais profundas até à actualidade.

 

Pedro Guiliche, um promissor cientista político moçambicano, lançou, no âmbito das celebrações dos 60 anos do ensino superior, uma obra na qual disserta sobre a intervenção do Banco Mundial no ensino superior em Moçambique e as consequências perversas das suas políticas no sector. O valor da obra de Guiliche, mais do que criticar as políticas do Banco Mundial como quase todos o fazem, reside no contributo que faz ao campo de estudos do ensino superior no país, por nós fundado e, por isso, ainda numa fase bastante incipiente. Guiliche analisa as consequências desmobilizadoras da acção endógena da política pública e a subordinação a uma agenda externa com carácter de determinismo tecnocrático que despolitiza a acção dos actores locais e torna o sistema um objecto de intervenção externa para correcção de patologias diagnosticadas pelo próprio jargão conceptual do Banco Mundial.

 

Mergulhados numa crise económica sem precedentes, a seguir à crise petrolífera dos anos 1970s e 1980, os países africanos sucumbiram aos ditames do Banco Mundial e abriram o sistema do ensino superior ao jogo do mercado guiado por princípios de um neoliberalismo de Margaret Thatcher e Ronald Reagan sem precedentes, que vêem na educação um bem-privado, em termos de investimento e benefícios, e uma mercadoria passível de ser regulada pelo princípio da mão invisível e pelas leis da procura e oferta do mercado.

 

O fim do experimento socialista

 

O fim do experimento socialista do ensino superior em Moçambique é, legalmente, marcado pela aprovação da Lei n.º 6/92, de 6 de Maio, que procedeu ao reajustamento do quadro geral do sistema educativo e aprovou os principais objectivos e estrutura do Sistema Nacional de Educação na República de Moçambique. A Lei n.º 1/93, de 24 de Junho, regula a actividade do ensino superior na República de Moçambique. Foi a partir destes dois instrumentos legais que se criou o espaço para o surgimento de entidades privadas provedoras de serviços e bens educacionais ao nível do ensino superior que serão objecto do próximo texto, combinando o período 1993-2003.

 

(Série: Continua)

 

[1] Sociólogo, Professor de Estudos de Ensino Superior

[2] Pesquisador Socioambiental, Reitor da Universidade Pedagógica de Maputo

[3] Vide: https://cartamz.com/index.php/blogs/item/9719-o-decenario-do-ensino-superior-mocambicano-1962-1972-5-6-da-genese-ideologica-do-status-quo

[4] Entrevista de Areosa Pena com Fernando Ganhão, 17 Janeiro de 1975, Jornal Kapital. Disponível Online: https://www.mozambiquehistory.net/education/higher_education/19750117_frelimo_sera_guia_da_universidade.pdf   

Um centenário parece uma eternidade que esta imerecida lógica da vida impõe sobre a humanidade e nos condicionou às ausências infinitas. A mão invisível persuade-nos a abdicar da presença dos líderes que pavimentaram os caminhos de verde para deixar passar a liberdade e o futuro. De forma prematura, teríamos adorado seguir a revolução, ainda devotados pelas memórias e serenidade poética de Agostinho Neto. Foi como se uma estrela se tivesse escurecido no espaço celestial. 

 

Fiz parte do grupo que saiu para as ruas para receber o Presidente Agostinho Neto, na sua última visita a capital moçambicana. Ele era discreto e exagerado nas suas aclamarias. O oposto de um Samora vibrante e extrovertido. Vimo-los abraçados e em franca cavaqueira. Algumas vezes, mais comprometidos e serenos. Uma cumplicidade que escondia uma amizade que se reconfigurava em irmandade.  Meses depois, a força desse inapelável destino roubou, de todos nós, esse lutador intransigente, com visão profética e mobilizadora. O líder que frequentou mais cadeias e celas políticas, que qualquer outro da sua época. Como prisioneiro político, deambulou por Luanda, Lisboa, Cabo Verde, entre Santo Antão e Santiago e, novamente, Lisboa.  Mas não era a ele que se prendia, mas sim aos seus poemas. Como se pudessem colocar algemas nas suas palavras.

 

Nenhuma masmorra, ainda assim, o privara de escrever esses proféticos poemas que denunciam as amarras e amarguras de um povo que vivia subjugado e oprimido. As prisões de Agostinho Neto desencadearam uma incontestável onda de protestos e de petições, de inúmeros intelectuais, de entre os quais o célebre filósofo francês Jean Paul Sartre; quem diria. Outros celebres intelectuais e artistas, apelaram, igualmente, a sua libertação, como se uma onda de grandes proporções e comoções tivesse invadido os corações de André Mauriac, Aragon e Simone de Beauvoir e, ainda, do prestigiado Nicolás Guillén, poeta cubano. A indignação não deixou de fora o pintor mexicano Diogo Rivera. Tamanho reconhecimento ditou que António Agostinho Neto fosse eleito o prisioneiro político do ano pela Amnistia internacional.

 

Já nos trajes de Presidente da República de Angola, Neto Kilamba, pseudónimo que o consagrou esse médico de profissão, poeta por vocação e iconoclasta líder revolucionário por missão, colocou Moçambique no topo das suas prioridades. Com Machel, sofreram juntos as agressões belicistas da África do Sul racista e da Rodésia de Smith.

 

As visitas de Estado entre Angola e Moçambique se regavam sob o manto da fraternidade. Por isso, Agostinho Neto tem o seu nome associado a toponímia nacional moçambicana, numa auspiciosa avenida no coração da cidade de Maputo. Igualmente, centenas de aldeias mais recônditas ostentam seu nome. Pelo menos, 36 escolas primárias e secundárias de Moçambique tem Agostinho Neto como seu patrono. A empatia e simpatia que granjeou no seio dos moçambicanos alimentaram esse caudal, tão devoto, de memórias que continuaram sendo invocadas entre distinções e designações. Agostinho Neto vive e se imortaliza como líder estrangeiro, patrono do maior número de escolas em Moçambique. Não deve ser obra do acaso.

 

O poeta e presidente que trouxe a independência à Angola foi dos mais proeminentes e carismáticos líderes africanos. Ombreia nesse estatuto com tantos outros intelectuais e líderes como Eduardo Mondlane, Samora Machel, Amílcar Cabral, Marcelino dos Santos ou, ainda, com Léopold Senghor, Patrice Lumumba e Kwame Nkrumah. Também eles, rendidos e impregnados de veia e pensamentos utópicos, com uma dose de pragmatismo e humanismo. Agostinho Neto, sonhou Angola e todas as antigas colónias portuguesas como territórios e espaços livres e independentes, como Estados de justiça social, nações prósperas e unidas pela irmandade e solidariedade, educadas e, sobretudo, democráticas.

 

A meio da azáfama das eleições no seu próprio país, das cerimónias fúnebres de seu sucessor José Eduardo dos Santos, da fatídica guerra da Ucrânia e de outras intermináveis reuniões partidárias, ficamos, todos, devendo uma homenagem ao saudoso António Agostinho Neto, no seu centenário. Uma espécie de missa reconciliatória e purificadora. Um reencontro com os fundamentos dos nossos Estados e com os sonhos que seguiram outros rumos e horizontes. Ele próprio escreveu, em tantos poemas, que nunca se esta só e nem se deve ignorar a presença do outro; todavia, parece abandonado e sem convicções, no mausoléu que o alberga para que jamais desapareça do nosso imaginário.   

 

Parece, pois, imperdoável que esta amnésia colectiva e ausência de pronunciamentos públicos e de outra índole, não sejam, por conseguinte, merecedores da indignação. Como nos alheamos a esse espírito revolucionário que serviu de menu para a nossa caminhada inicial? Não creio que seja, simplesmente, pela cultura de esquecimento que esta celebração ficou invisível, pois, não pode existir tanto descaso, sem razão, que omita a celebração deste centenário. Fomos presunçosos e, marcadamente desatentos, por quaisquer que sejam as razões.

 

Mesmo que não queiramos fazer-lhe aqui a biografia, seria incontornável reviver seu percurso, desde esse longínquo 17 de Setembro de 1922. Foi no Município do Icolo, Bengo, arredores de Luanda que tudo começou. Ali foi enterrado o cordão umbilical e o jovem António viu a luz do sol pela primeira vez. Oriundo de uma família já assimilada e com créditos evidentemente reconhecidos, seu pai, Agostinho Neto, era pastor metodista e catequista da mesma missão metodista americana, em Luanda. Sua mãe, Maria da Silva Neto, por outro lado, era professora primária. Se aglutinavam os condimentos para que o jovem António enveredasse e revelasse sua apetência pela literatura e rigor escolar.

 

Ele foi educado para saber usar o verbo na sua plenitude.  Esse mesmo poder da palavra o transformou e marcou profundamente a sua personalidade e irreverência. Do poema à utopia revolucionária foi um passo subtil e mágico. Essa utopia o personificou e fez dele jovem inconformado, atento as dinâmicas do seu povo, alguém que não se evadia da realidade e do sofrimento, e que referenciava, nas suas quadras e estrofes, a realidade que o circundava. Emancipou-se e jurou usar essa mesma palavra para combater, sem tréguas, a descriminação e o colonialismo. A deambulação de seus escritos e a tonalidade de suas palavras, converteram-lhe naquele sujeito poético que a humanidade testemunhou e que lutou contra a ordem existente até a independência de Angola.

 

Amadurecido pelas circunstâncias e com o apoio da igreja metodista, foi uma lança que desferiu golpes contra o regime colonial português. Importante salientar a igreja Metodista como a mesma igreja que ajudou tantos outros nacionalistas a prosseguirem seus estudos para melhor combaterem a presença colonial em seus países. Nem mesmo a Congregação dos Padres Burgos ou mesmo Jesuítas teve tanto impacto na preparação e financiamento de estudantes nacionalistas. Eduardo Mondlane teve e recebeu o mesmo apoio.  Não se pode, portanto, dissociar o papel e a responsabilidade da igreja metodista no apoio aos processos revolucionários nas ex-colónias portuguesas.

 

Neto Concluiu o Liceu “Salvador Correia”, em Luanda, onde terminou o 7º ano em 1944, e partiu para Coimbra, Portugal, onde frequentou a Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra e depois Lisboa. A capital portuguesa fervilhava e transbordava a lava de vulcão da revolução. As dinâmicas propiciaram o momentum e os espaços para que a militância política ganhasse suas letras de ouro e glória. Por ironia do destino, o controlo da polícia política portuguesa fraquejou e permitiu que Lisboa se convertesse na sede embrionária da subsequente revolta anticolonial.

 

Em 1947, António Agostinho Neto integrou o movimento dos jovens intelectuais de Angola, cujo lema era vamos descobrir Angola. Associou-se aos não menos carismáticos Lúcio Lara e Orlando Albuquerque, publicando seus textos iniciais nas revistas Momento e Mensagem, que pertenciam aos órgãos da associação dos naturais de Angola. Casou-se, mais tarde, com Maria Eugenia Neto, seu maior amor e mulher, com quem partilhou todas as cumplicidades que, igualmente, visitou Moçambique, passeando todo o ar da sua descrição, generosidade e sabedoria. Eles tiveram três filhos, sendo Mário Jorge Neto, o primogénito, depois, Irene Alexandra Neto e, finalmente, a Leda Neto.

 

Os seus exímios poemas e a colectânea de textos publicados, insuflaram as mentes e o sentimento libertador. Pelos seus dedos e caneta, transfigurava a vontade de libertação. Neto foi esse esclarecido homem de cultura para quem as manifestações culturais tinham de ser, antes de mais, a expressão viva das aspirações dos oprimidos e a arma para a denuncia da injustiça e crueldade colonial. Um exemplo a seguir pelo simbolismo que representa e pela multiplicidade de acções que desenvolveu.

 

Em 1956, fundaram-se, nos arredores de Luanda, em Angola, vários movimentos patrióticos para formar o MPLA. A 4 de Fevereiro de 1961, as prisões de Luanda foram assaltadas por homens munidos de catanas e armas de fogo. Algumas das quais capturadas em acções anteriores. Mesmo sem lograrem os intentos, estava lançada a primeira salva da luta armada que se alastraria pelo solo angolano. A resposta dos portugueses foi cruel. Bombardearam aldeias e milhares irmãos angolanos sucumbiram aos métodos mais horrendos do colonialismo.

 

Em 1962, sai, de forma clandestina, de Portugal e se estabelece em Léopoldville, Kinshasa, onde o MPLA tinha já a sua sede. O primeiro congresso do MPLA elegeu Ilídio Tomé Alves Machado como seu primeiro presidente, permanecendo em funções até ser preso, em 1959. Foi substituído pelo secretário-geral, Mário Pinto de Andrade, que exerceu o cargo entre 1959 e 1960. Em 1963 foi declarado Presidente do MPLA, substituindo Mário Pinto de Andrade. No interior de Angola, outros movimentos libertadores faziam já a sua luta, a UNITA, de Jonas Savimbi e o FNLA, de Holden Roberto.

 

Ao poeta António Agostinho Neto foi-lhe atribuído, em 1970, o prémio Lótus, pela Conferência dos Escritores Afro-asiáticos. Publicou vários livros cujo substrato e pendor exaltavam o sonhar e lutar pela independência. Ainda hoje, guardo um dos seus poemas, a bom rigor, dos meus substratos favoritos. Este poema foi musicado por Rui Mingas. Minha Mãe/tu me ensinaste a esperar/como esperaste paciente nas horas difíceis/mas a vida matou em mim essa mística esperança/eu não espero/sou aquele por quem se espera. Agostinho Neto revelava e recorria a metáfora da Mãe, como representação da pátria e como o centro de toda a sua narrativa. 

 

Tive o ensejo e prazer de ler um texto escrito por Beto Van-Danem, enquanto encerrava minhas memórias sobre António Agostinho Neto. O autor recorda episódios pitorescos que mostravam a grandeza e personalidade de Agostinho Neto. Era existente e transparente. Só isso permitiu que se mantivesse leal a uma gestão digna, criteriosa, rigorosa e exemplar. Ele entendeu a liderança partidária como uma forma de servir ao povo e não de se servir do Estado. “O Neto era um homem honesto, não vivia deste país e é por isso que morreu pobre”, comenta Van Dunem. Saudades desse tempo e da justeza do movimento pós-colonial.

 

Ninguém ousou jamais questionar, ao longo dos anos, sobre a possibilidade de Agostinho Neto ter deixado contas no estrangeiro. Elas simplesmente nunca existiram. Neto morreu com a roupa que tinha no corpo. Não tinha dinheiro, concluiu Van Dunem. Era, convenhamos, um Machel numa versão Atlântica.

 

Neto partiu quatro anos depois de ter sido proclamado Presidente. Para trás, uma única mancha que pode ter marcado seu brilho: 27 de Maio de 1977. A forma como os revolucionários responderam a um movimento interno e uma alegada tentativa de golpe de Estado. Angola já se retractou, mas as mágoas ficaram muito para além do por do sol. Aqui estão os 100 anos de uma vida plena e tumultuada, uma poesia profética, porém, verdadeiramente, instigante.

 

António Agostinho Neto e seus camaradas e amigos de sempre, Amílcar Cabral, Lúcio Lara, Eduardo Mondlane, Samora Machel, Marcelino dos Santos, Orlando Albuquerque, Ilídio Tomé Alves Machado e tantos outros, incluindo Jonas Savimbi, já tiveram tempo de prestar as contas a divindade e recebem as últimas notícias de José Eduardo dos Santos. Os tempos são adversos onde a revolução e os revolucionários perderam a centralidade e os novos ventos aniquilam os anseios de outrora. Os líderes revolucionários, parafraseando Machel, nunca morrem, porque ganham o tamanho e estatuto de um povo. Povo nunca morre. (X)

quarta-feira, 01 junho 2022 13:37

Enxoval em Cadeiras em Cadeiras de Rodas

A luz com que vês os outros é a luz com que os outros te vêem a ti.  Provérbio africano

 

Este primeiro de Junho tem de ir além das comemorações, para ser, igualmente, um momento de reflexão sobre o quanto crianças com deficiências precisam ser olhadas, respeitadas e incluídas em todos os espaços da nossa sociedade. Na realidade, independente do que julgamos ser, saber e possuir, temos todos, grosso modo, uma deficiência temporária ou permanente. Esta deficiência se revelará em algum momento das nossa vidas. Quando isso suceder, as experiências podem ser mais ou menos marcantes, mas não deixarão de ser histórias de vida, de amor e de compaixão.

 

O leitor tem, em suas mãos, a primeira experiência literária de uma jovem mãe, guerreira, destemida, obstinada e que não se conforma com fatalismos e desigualdades. Uma mulher que conquista nossos corações e ganha estatuto de mulher solidária.  Percorrendo estas páginas, reencontramos alguém que se predispõem a partilhar suas privacidades, contrapondo com o ostracismo e silêncios. Um exercício de reconstituição de memórias e convulsão de sentimentos. Benilde Mourana encontrou na deficiência todas as razões para interagir com o grande público leitor.

 

As facetas mais fascinantes da vida são, quiçá, as mais simples de serem descritas. As outras, mais complexas, obedecem e sugerem roteiros distintos. Temos de conformar a dor e o sofrimento, para reencontrar o caminho do alívio e da tranquilidade. Porém, a vida, este dom divino que desfrutamos na plenitude ou em partes, nos ensina fundamentos e lições diversas. Revelar estas facetas pode ser uma experiência fenomenal ou traumática. Mas, ignorar as diferentes dimensões da vida parece ser inconsequente. Então, reencontre nesta narrativa a revelação da inquietude e do amor, do sofrimento e da paz, a retoma pelos modelos de superação, reinvenção das memórias e a alucinante vontade de estabelecer uma comunicação horizontal.

 

A autora deste livro, nesta primeiríssima viagem descritiva, não cuida apenas de uma filha com problemas, trata de várias dezenas de crianças e jovens. Ao assim proceder, ela não só repõe a esperança aos familiares, mas, também, devolve um sorriso às crianças, jovens e até adultos com deficiência. Nesta relação, fica escancarada a certeza de que o amanhã se escreve com as cores do arco-íris de hoje. A autora converte-se numa espécie de Madre Teresa de Calcutá, que vence as emoções e empenha-se no essencial. Uma mulher de causas, recriando ou ressignificando os caminhos da indiferença e da negação da felicidade e do futuro.

 

As famílias moçambicanas mais carentes enfrentam, em diferentes em períodos históricos, a questão moral e ética de como lidar, incluir e apoiar, com mais perspicácia, com ou sem recursos, as pessoas com deficiência. Essa tarefa torna-se, cada vez, mais premente com o avançar da idade destas crianças e adolescentes. Em causa esta a tipologia e a demografia deste grupo populacional. A situação está longe de fácil, compreensível e aceitável. Em jogo estão cuidados primários, alimentares, apoio psicológico e moral. Em causa está a vida e a qualidade de vida que tem de ser providenciada. Enfim, a vivência nos limites da capacidade emotiva, física e emocional. Porém, estas famílias não vergam e nem viram, nunca, a cara a luta. Cada dia tem sido um dia, e em cada sorriso infantil rebuscam das cores invisíveis dos raios solares, a energia e foco para levarem a bom porto a sua missão.

 

Ao longo da obra, entendemos o sentido primário e ético de vocação; o sentido superior de missão; a face da virtude. Pela história de Luana, essa jovem menina que agora beijou os seus dez aninhos de vida, reencontram-se estes conceitos associados a crença e a fé. Este escrito, ainda que force a leitura com os olhos embaciados, leva-nos de volta ao sentido de chamamento. Benilde e seu grupo de colegas e profissionais, aqui superiormente narrados, repõe uma espécie de despertar, refazendo o convite para ampliar o valor intrínseco de sua vida, abandonando a inércia ou a zona de conforto, abraçando, deste modo, essa causa que faz dela e delas, verdadeiramente, pessoas especiais. Ao cuidar de crianças e jovens com deficiência, elas próprias se transformam em pessoas especiais, perseguindo novos sonhos, objectivos e, na maior parte dos casos, transformando-os em realidade.

 

A deficiência perpassa a estabilidade familiar e emocional, colocando-se num plano da inserção dos portadores de deficiência, ao nível societário na estabilidade e no próprio desenvolvimento de Moçambique. Existem evidências de que pessoas com deficiência experimentam os piores resultados socioeconómicos e pobreza, se comparadas com as pessoas não deficientes e mais independentes. Todavia, apesar da magnitude desta situação, carecemos tanto de consciência, como de informação científica das reais causas ou consequências da deficiência. Não existem consensos sobre definições, nem credíveis informações, que permitam comparar, com exactidão, a incidência, distribuição e tendências da deficiência. São escassos os documentos com análises comprovadas, sobre como lidar com a deficiência e, sobretudo, sobre as respostas para abordar as necessidades das pessoas com deficiência.

 

Historicamente, as pessoas com deficiência têm, em sua maioria, sido atendidas através de soluções segregacionistas, tais como instituições de abrigo e escolas especiais. As pessoas com deficiência apresentam piores perspectivas de saúde, níveis mais baixos de escolaridade, participação económica menor e taxas de pobreza mais elevadas em comparação as pessoas sem deficiência. Naturalmente, isto acontece pelo facto de as pessoas com deficiência enfrentarem barreiras no acesso a serviços que muitos de nós consideram garantidos, como saúde, educação, emprego, transporte e informação. Tais dificuldades são exacerbadas nas comunidades mais pobres.

 

O relatório Mundial sobre a deficiência múltipla, de 2012, dava conta de que mais de um bilhão de pessoas em todo o mundo convivia com alguma forma de deficiência, dentre os quais cerca de 200 milhões experimentam dificuldades funcionais consideráveis. A previsão era de que, nos próximos anos, a deficiência seria uma preocupação ainda maior, porque a sua incidência tem aumentado exponencialmente. Este aumento tem a ver com o aumento global de pessoas expostas ao risco de deficiência crónica, tal como as diabetes, doenças cardiovasculares, canceres e distúrbios mentais. A saúde humana também tem sido afectada por factores ambientais, tais como água potável e saneamento do meio, nutrição, pobreza, condições de trabalho, clima, ou até acesso a atendimento de saúde. Mas, a desigualdade tem sido das principais causas dos problemas de saúde e, por conseguinte, da deficiência.

 

Em Moçambique, estas razões encaixam na sua plenitude. Porém, existem, ainda, as causas sobrenaturais ou espirituais. Não admira que um país que continua tendo mais de metade da sua população recorrendo a tratamento fora de unidades hospitalares, socorra-se a espiritualidade para explicar o fenómeno da deficiência. Assim, a explicação mais lógica tem sido o fenómeno da reencarnação dos espíritos. Os defuntos das famílias nem sempre são tratados com a devida dignidade e, assim, eles regressam à terra para se instalarem em determinadas pessoas. Esta crença explica uma relação difícil e complexa entre as famílias e seus filhos com deficiência.

 

Existem casos de filhos com deficiência que são retirados da família para serem enviados para o campo ou para as periferias, longe do núcleo central da família. Famílias que exerçam lideranças tradicionais convivem mal com o fenómeno deficiência e imputam as culpas às suas esposas por estas ocorrências. A autora foi acusada de ter cometido adultério. Esta é uma explicação comum e despropositada, não tem nenhuma prova nem racional científico.

 

Benilde Mourana quis partilhar a narrativa da sua trajectória e desmistifica e desconstrói factos complexos da deficiência, conferindo um carácter de humanismo, simplicidade e uma bênção divina. Deus, como ente superior, determina o caminho de cada ser e sabe qual o papel que cada um de nós precisa de seguir e desempenhar na terra. Com mestria de quem quer transmitir e escrever a meio de tantos outros afazeres, ela sugere que são estas crianças e jovens que fazem e convertem a todos nós como pessoas especiais.

 

Na sua descrição sobre Luana, sua filha de quem teve uma gravidez normal, e que embora não estivesse disposta a seguir com a gravidez, ela revela que a mesma não aparentava nenhuma complicação até ao nascimento. Seguiu as recomendações médicas e fez as consultas pré-natais com a devida regularidade. Só descobriu e tomou consciência da gravidade do problema da sua Luana, depois de ter visitado diferentes médicos no país e na África do Sul e em Portugal. Portanto, um caso de doenças raras, mas, que mudou de alguma forma a sua rotina e o modo como lida com a situação. Por isso, estas páginas pincelam essa angústia, mas, e sobretudo, a certeza de que o mundo foi feito para todos e, cada um a seu tempo, seguirá trazendo felicidade ou infelicidade para os que acreditam e para os menos crentes.

 

Esta narrativa nos transporta para outras facetas e para a essência de uma trajectória que faz questão de não esconder ao mundo. Fá-lo com orgulho e com uma capacidade de escrever e expurgar a dor. Exorcizar os fantasmas e colocar a divindade no centro do destino e da criação humana. Porém, tem sido claro que a maioria das pessoas com deficiência no mundo, tem extrema dificuldade até mesmo para sobreviver a cada dia, quanto mais para ter uma vida produtiva e de realização pessoal. Enquanto, algumas poucas pessoas, pelo mundo, tem a sorte de ter apoios e recursos para viver uma vida que vale a pena, a autora não tem perspectiva de que o seu pequeno espaço possa beneficiar de meios eficazes para levar a bom termo o seu trabalho. Mas, ela encontra algo bem mais significativo e importante: a superação, o apoio dos amigos e uma legião de pessoas que abraçam a causa da cidadania.

 

Embora a autora reconheça que, nas últimas décadas, o movimento das pessoas com deficiência ganhou novos contornos e atenção, a sua obra não tem o efeito de chamada de atenção, mas o de educar e transpor o papel das barreiras físicas e sociais vis-à-vis a deficiência. Para a autora, as pessoas são vistas como deficientes pela sociedade, porém muito para lá destas incapacidades, esta uma vida, um sorriso e o amor incondicional que eles oferecem a todos sem excepção. Portanto ela apela a uma abordagem conceptual mais equilibrada, que deveria dar mais ênfase ao enquadramento social, dos que propriamente ao estado físico.

 

A autora tem o mérito de explicar, de forma simples, que a deficiência afecta seja a criança recém-nascida com uma condição congénita, tal como paralisia cerebral, como também afectaria vítimas de acidentes, de guerra, pessoas que sofrem de artrite ou alguém que passa por algum infortúnio, que sofra de demência, de entre muitas outras causas. Um enxoval em cadeira de rodas como sugere o título. Quando terminar esta leitura entenderá que os problemas de saúde podem ser visíveis ou invisíveis, temporários ou de longo prazo, estáticos, episódicos ou em degeneração, dolorosos ou inconsequentes. No final estas crianças, como a sua Luana, natalina, e as dezenas de Luanas, que estão sob seus cuidados nem sequer se consideram pessoas com deficiência ou enfermas, são os seres que nos fazem especiais. (X)

Existe uma história de um animal pequeno, chamado porco-espinho. Conta a lenda que num dia de frio, alguns destes porcos-espinhos juntaram-se para se aquecerem com o calor dos seus corpos. Mas, logo, viram que se espetavam e se afastaram. Ficaram com frio. Na tentativa de reaproximação, descobriram a distância adequada.

 

Assim, também, acontece na nossa sociedade. O vazio, a descrença, a pobreza, a mingua e as amarguras existenciais, aproximam as famílias e o cidadão comum. Porém, muitos de seus defeitos desagradáveis os repelem. Por outras palavras, toleramos a proximidade dos outros só quando é necessária à nossa própria sobrevivência e bem-estar, porém, de outro modo, evitamo-nos.

 

É comum a abordagem dos nexos e conexões que se estabelecem entre os diferentes grupos religiosos, pois é nesses nexos e conexões que se encontram as linhas estruturantes para o diálogo intra-religioso, elemento fundamental para uma convivência pacífica entre eles. Para Moçambique, em particular, intriga e fascina rever o processo de construção do Estado moçambicano e a interacção com os diferentes grupos religiosos. Com a implantação do Estado colonial, viu-se que, por exemplo, a igreja católica era parte integrante do processo de espacialização, territorialização do aparelho burocrático-administrativo, nos espaços assumidos como Moçambique. É certo que a igreja católica teve essa relação íntima com o Estado colonial, porém, outras confissões religiosas, os protestantes e os de confissão islâmica, em particular, foram parte integrante da construção do Estado.

 

As relações entre o Estado colonial e as duas confissões retrocitadas nunca foram pacificas, ou seja, foram de desconfiança, de conflito e de confrontações. Este tipo de relações conflituosas ou de desconfiança manteve-se durante a primeira República.  Foi, portanto, uma relação com rupturas, mas, desde os finais dos anos 1980, mormente, depois da constituição de 1990, muito esforço e empenho para entendimentos foram feitos, com o fito de aproximar as confissões religiosas, na sua diversidade, ao Estado.

 

Em boa hora, foi celebrada, a jornada Mundial da Religião, que teve o beneplácito das Nações Unidas, apelidada como dia internacional da fraternidade humana. Esta celebração serviu, para o nosso país rever os diálogos que englobam as diferentes confissões religiosas, repensar suas raízes e percursos. Foi, sobretudo, uma reflexão sobre a multiplicidade de religiões e o seu papel no processo de pacificação de um país que tarda a encontrar os caminhos da paz, da tranquilidade, da justiça social e da reconciliação.

 

Considerando a diversidade religiosa em Moçambique, subdividida entre cristianismo, islamismo e animismos, e outras formas de religiosidade, constatou-se que os distintos grupos são constituídos por pessoas de fé e, até, inegável alcance espiritual. Os discursos podem, salvaguardadas as devidas proporções, seguir  na contramão dessa religiosidade e espiritualidade sã e estruturante para o bem do nosso país. No fundo, os diferentes discursos das confissões religiosas ainda ajudam a amolecer os corações, encaminham seus rebanhos para o bem supremo, veiculam união, fraternidade e amor entre os homens.

 

Acedi, gentilmente, o desafio de debater a fraternidade humana e o diálogo religioso, no contexto moçambicano, à semelhança dos vários seminários e conferências que ocorrem, um pouco pelo país, promovidos pela academia ou pelas organizações da sociedade civil. Convocar o diálogo religioso, ou a utopia de um diálogo religioso, que englobasse mais do que a fé, mas, que tivesse subjacente a reconciliação nacional, a paz efectiva, a concórdia e harmonia social. Quer dizer, revisitar a ideia da ausência de hierarquias entre as profissões ou confissões religiosas, a inexistência, portanto, de religiões superiores ou inferiores, de convicções mais ou menos comuns e incomuns, que perpassam a vontade de aglutinar os seus fiéis.

 

Comecei, precisamente, por uma revisão conceptual sobre a misantropia, quer dizer, como se posicionariam as nossas congregações e confissões religiosas diante de tantas desilusões, planos económicos e sociais falidos ou falhados e, até, pelo crescente vilipêndio pelas liberdades civis e pela vida.  Indaguei se o diálogo religioso serviria de trampolim para libertar os crentes e fiéis das desconfianças, do sarcasmo do pessimismo e das aporias de um Moçambique que tarda a se reencontrar com o destino que deveria ser o seu, um Moçambique onde reina a concórdia, a justiça social e o progresso económico inclusivo.

 

Iniciei as minhas reflexões retomando conceitos clássicos sobre a fraternidade humana, rebuscando diferentes autores e o próprio “frater”. Concordamos que essa fraternidade era um pouco mais que irmandade, pois, abarcava aspectos relacionados com os direitos humanos, o respeito pela dignidade da pessoa humana e, sobretudo, a igualdade de direitos e deveres. Ou seja, a consagração da própria ideia de ser Homem, tanto no plano filosófico como no antropológico. 

 

Revisitamos outrossim as encíclicas do Papa Francisco, que exalta a “Fratelli Tutti”, uma ideia que ele buscou em São Francisco de Assis. A propósito, o Papa Francisco afirma que a humanidade  “cresceu em muitos aspectos, porém continuava analfabeta no acompanhar, cuidar e sustentar os mais frágeis e vulneráveis nas sociedades desenvolvidas”. Então, essa fraternidade não se reflecte num convívio social são, muito menos no amor, na convivência ou no reencontro são e fraterno. O Papa Francisco, ao voltar ao século XII para buscar as raízes da ideia que encerra a “Fratelli Tutti”, indaga-se sobre o sentido de humanidade nas sociedades pós-modernas, onde o individualismo excessivo, a indiferença e as desigualdades sociais tornaram-se a característica fundamental dos tempos hodiernos.

 

O livro a “Origem” do romancista e escrito americano, Dan Brown, ajuda-nos a percorrer os caminhos das religiões abraâmicas, ou seja, religiões monoteístas. Concebidas por Abraão, e com tradições e identidades e princípios muito aproximadas. Elas, à semelhança das religiões asiáticas, sobretudo, a Indiana, Darma, se espalham por todo o mundo e dominaram as diferentes crenças humanas que se estabeleceram.

 

O Cristianismo, o Judaísmo e o Islamismo converteram-se nas religiões com o maior número de seguidores e espalharam-se globalmente. Neste século são contabilizados mais de 3.8 biliões de seguidores das três principais religiões monoteístas. Cerca de 54% da população mundial. Portanto, se 16% da população não professa uma  religião, significa que os restantes 30% professam outras religiões.

 

Extrapolando estes indicadores no contexto Moçambicano, em particular, podemos dizer que as tendências globais podem ter algumas parecenças. Moçambique é, também, monoteísta, sem descurar o animismo que mora em todos nós.

 

Numa conversa que fluiu, e na qual fomos unânimes em muitos aspectos, discordamos noutros, fomos fundo nalgumas questões fundamentais, sobretudo, na utopia, no sentido que o cultor do deste termo, Thomas More, quis dar, de um diálogo mais consentâneo, mais inclusivo e pacífico.

 

Um primeiro questionamento, cingia a obrigatoriedade de entender a comunhão do diálogo religioso, e ao surgimento de uma teologia contemporânea africana centrada, tal como nos foi proposta por Mbog Bassong no seu livro “La réligion africaine: de la cosmologie quantique à la symbologie de Dieu (2014). Como seria que os africanos poderiam criar uma fraternidade religiosa, sem deixar de ser africanos; como é que essa fraternidade, poderia ser evocada, sem deixarmos de ser moçambicanos. Estas duas interrogações integram-se nas primeiras interrogações, da primeira e segunda gerações dos que desenvolveram a teologia africana, a teologia que assumia que se o cristianismo é único, ele é vivido de forma diferente, em função das praticas culturais de cada contexto. Há aqui questões de ordem meramente teológico-religiosas, mas igualmente de ordem epistemológicas profundas.

 

Em segundo lugar, tocamos nas nossas crenças animistas e avaliamos como elas conflituam com o processo de evangelização que foi apanágio dos diferentes missionários e pregadores, geralmente vindos do ocidente, que criaram as diferentes seitas religiosas no nosso país. Vivemos com o animismo impregnado em nossas consciências, em nossas práticas culturais e sociais. Podemos, por isso, dizer que o animismo é parte integrante da nossa percepção sobre o mundo, no geral, e do mundo religioso, em particular. É habitus, no sentido que lhe dá  Pierre Bourdieu. Os momentos mais difíceis nos levam de volta às origens, porque é nelas que se encontram as estruturas e as potenciais respostas às nossas principais indagações existenciais e religiosas.

 

Aliás, os escritos de Desmond Tutu testemunham uma variedade de teólogos africanos que estudaram essa transição de interculturalidade entre as religiões monoteístas e as religiões animistas africanas. Existem precursores bem conhecidos como Joseph-Albert Malula, Meirand Hegba, Vicent Mulago, Engelbert Mveng, Jean-Marc Ela, John Mbiti e Fabien Eboussi Boulaga.

 

Uma terceira questão estava relacionada com a questão da misantropia, nas relações humanas, e como este espírito de fraternidade religiosa, que nos deveria unir, por vezes, nos separa. Diante de tantos problemas, pobreza, guerras e terrorismo, esse espaço de religião converteu-se num refúgio. Então, a normalidade da vida e da produção vai retirar os fiéis de suas igrejas?

 

Em quarto lugar, verificamos que uma postura misantropa e pouco solidária, já adoptada, tem feito dos moçambicanos concidadãos pouco solidários com as angústias e vicissitudes vividas dos outros. Dividimo-nos por questões de ideologia ou, ainda, por uma questão de supremacia de determinados partidos sobre os outros, ou ainda de aspirações pseudo-religiosas sobre os outros. É a própria ideia de Moçambique que tem sido desafiada quando estas clivagens se tornam normais e comuns na nossa sociedade, pois somos, como país, um projecto cujo sucesso depende do que formos capazes de fazer, e que a ideia de ser moçambique signifique aceitar e aquiescer o outro como sua própria continuidade. Somos solidários tão somente em casos de desastres naturais.

 

E esta postura que desperdiça oportunidades, convívio fraternal  e um assumir de não fazermos parte do mesmo grupo. Mantemos um diálogo estéril e de desproveitos. Por vezes, consideramos que os contactos, para além dos mesmo grupos, são contaminação ou violação, o que é contrario aos fundamentos fundacionais da ideia de Unidade Nacional, elemento que nos é muito caro como moçambicanos.

 

Não poucas vezes, olhamos para irmãos e concidadãos, de diferentes ideologias e ideais, e achamos a aproximação inaceitável e perigosa. Acontece no plano politico, social, étnico e, agora, no religioso. Atitudes que são exacerbadas por discursos inflamados e produtores de rupturas e conflitos entre as pessoas. Aqueles jovens que passam pela doutrinação, sobretudo no norte do país, respaldam-se num discurso religioso fanático, teologicamente irracional, socialmente inconcebível, antropologicamente diruptivo e violento. Essas escolas religiosas, cuja liderança, assente em pessoas nacionais e estrangeiras mais radicais, têm fabricado fanáticos religiosos perigosos para a nossa unidade, para o nosso contrato social, para a fraternidade que tentamos, tão bem construir e consolidar.

 

As confissões religiosas necessitam de prestar mais atenção a estes processos que criam problemas até de sua própria legitimidade, de sua imagem social. Existem relatos assustadores de promoção de ódio e vingança, com base no sentimento de pertença religiosa. A questão da religião é hoje, como nunca foi, um problema central no processo de construção e formação do Estado moçambicano, de construção e consolidação da Unidade Nacional, do aprofundamento no nosso contrato social.

 

Existe muito interesse, em muitos de nós, em procurar o espírito da tradição para que possamos encontrar o espírito da reconciliação. Isto tem sido parte das subjectivações, quer das nossas classes mais esclarecidas, como do cidadão comum. Será que o diálogo inter-religioso e intra-religioso da paz, irmandade e  reconciliação, ajudaria na difusão dos  valores essenciais dessa narrativa de fraternidade humana?

 

Encerrei a conversa, com os líderes de todas as confissões religiosas ali presentes, regressando aos tempos de infância e adolescência. Passei uma parte da adolescência na cidade de Nampula, convivendo com jovens cristãos e islâmicos. O meu discernimento juvenil jamais encontrou diferenças entre um lado e o outro da fé e espiritualidade.

 

Numa das missas, na S. Catedral, ainda com o Bispo Dom Manuel Vieira Pinto, dei conta de um jovem cujo nome era Omar Momad, que foi chamado para uma das leituras sagradas. Só, anos mais tarde, dei conta do significado desse gesto.

 

Este foi dos exemplos que mais e melhor me remeteu à questão da solidariedade humana e do convívio religioso que perpassa todos os valores e preceitos. Mas foi, também, um ponto de partida e de ruptura, para entender como nos podemos  reconciliar e aniquilar preconceitos, como moçambicanos, e manter os exemplos de convivência religiosa que nos tipificam. Abraçar essa fraternidade como um dos principais factores nas nossas relações.

 

O nosso país tem muito mais conflito e muito mais dissonância entre políticos, do que propriamente entre religiosos. Precisamos de uma nova utopia, de uma moçambitopia, e de um diálogo que nos una, não apenas como moçambicanos, mas como irmãos e pessoas de fé e espiritualidade. A fé africana de Desmond Tutu, que despe de preconceitos e desconfianças. (X)

Por Jorge Ferrão e José P. Castiano

 

Talento é quando um atirador atinge um alvo que os outros não conseguem. Génio é quando um atirador atinge um alvo que os outros não vêem. Nyerere pode não ter sido nem um génio, nem uma pessoa extraordinária, porém, foi uma notável figura da África pós-colonial e um sábio, no sentido ancestral da sociedade africana.

 

Existe um fascínio exacerbado quando retractamos líderes africanos que marcaram o continente, na década 60. E nesse sentido, Julius Nyerere converte-se em referência obrigatória e consensual. Nyerere será, continuamente, recordado como um homem de grande sabedoria, que evitou o derramamento de sangue e confrontos violentos, no seu período político mais activo. Isto foi graças a essa sabedoria e ao seu alto sentido de humor, onde colocava a sua luta pela independência, sem guerrilha, e com uma apologia permanente sobre a paz.

 

Nyerere, conhecido pelo seu nome suaíli, Mwalimu, que significa professor, tinha uma paixão incessante por uma África unida que contrapunha, até a Nkrumah, do Gana. Ele traduziu William Shakespeare para suaíli e assumiu a sua política Ujamaa, que nem por isso foi bem-sucedida na mudança do panorama económico da Tanzânia. Ujamaa revelava a sua experiência como filho de uma grande família e toda a sua imersão no pensamento socialista da sociedade.

 

Apesar dos erros, que esta política económica representou, dois factores fundamentais marcaram o perfil de Nyerere enquanto dirigente da Tanzânia. Em primeiro lugar, o seu não alinhamento, expresso no seu bem elaborado discurso, de Outubro de 1967, na conferência da União Nacional Africana do Tanganica (TANU), onde afirmou que ele jamais seria anti-ocidental e, muito menos, anti-leste. O segundo factor esta relacionado à sua capacidade de articular as negociações; procurar privilegiar os valores africanos e assumir os valores do humanismo e do africanismo. O facto de nunca ter constituído uma fortuna pessoal e de se ter retirado do poder, em 1985, por livre vontade, fizeram dele um líder diferente cuja preocupação centrava-se apenas no seu povo.

 

No dia 13 de Abril celebraremos 100 anos de Julius Kambarage Nyerere, se ele estivesse ainda vivo. Nascido em Butiana, este homem marcou e atravessou todo um século libertário da África, com o seu pensamento e acção, e viria a morrer, ironicamente, em hospitais de Londres, a 14 de Outubro de 1999.

 

Presidente, escritor, sábio e intelectual, Nyerere usou a política para difundir os seus ideais. Poucos, que o viveram como Presidente da República da Tanzânia, sabem que ele foi um prolífico escritor do seu pensamento político[1], mas, sobretudo, um homem de acção política, de uma visão estratégica que ia para além do seu tempo. O Mwalimu dizia o que pensava e pensava, profundamente, no que dizia; também agia segundo o seu pensamento e pensava, profundamente, também nas suas posições e acções políticas.

 

No centro do seu pensamento esteve sempre a busca da Paz e não-violência, mesmo que admitisse uma fase de “violência organizada”, na luta pela liberdade. Por isso, recebeu, ainda em vida, condecorações e prémios tanto do Ocidente (Canadá, Suécia, etc.), como do Leste (Prémio Lenin da Paz, Prémio Gandhi da Paz).

 

Para Moçambique, a mais marcante acção de Nyerere foi o seu apoio à Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) (também apoiou as lutas da África do Sul, Uganda, Angola, Guiné-Bissau e Namíbia), permitindo que o seu país albergasse bases militares. E este apoio à violência armada organizada aos países vizinhos, não foi sem conflitos morais que precisavam de ser reflectidos: Como um pacifista, que sem dúvidas ele era, pôde apoiar grupos armados de libertadores, tanto mais que, na altura, eram conotados com o terrorismo.

 

Numa palestra sob o tema Stability and Change in Africa, em 1969, na Universidade de Toronto, convidado para a recepção de um doutoramento honorário, Nyerere reflecte sobre o sentido e significado da liberdade para os povos africanos, em particular na África Austral. Primeiro, preocupava-lhe a questão sobre como alcançar a liberdade (by peace or violence?) e, segundo, preocupava-lhe estabelecer uma clareza teórica sobre a dialéctica entre liberdade e desenvolvimento. De uma forma mais pronunciada, o livro Uhuru na Maendeleo (Liberdade e Desenvolvimento, 1974) é uma confrontação teórica sobre ambos dilemas.

 

Reflectindo sobre se a liberdade deveria ser alcançada por meios pacíficos ou violentos, Nyerere deixa claro, numa argumentação ímpar, a seguinte posição: primeiro, a batalha de todos os africanos é de alcançarem a Independência (que tinha o sentido na sua profunda convicção, da liberdade colectiva dos povos em decidirem por si mesmo o modelo de desenvolvimento a seguir).

 

É neste contexto que ele cria a teoria das portas para o diálogo. “Há muitas pessoas” – dizia ele – “que parecem acreditar que há uma virtude (heróica) na violência e que somente se a luta pela liberdade for conduzida em forma de uma Guerra e derrame de sangue pode conduzir à uma (verdadeira) liberdade”.

 

E acrescentava Nyerere, logo de seguida: “Eu não sou uma dessas pessoas” que pautam pela violência, porque nutria um respeito profundo pelas formas pacíficas de transferência de poderes, daí se explique o Prémio da Paz Gandhi.

 

A partir daqui, Nyerere desenvolve a sua teoria de portas abertas e entreabertas para um diálogo pacífico entre o colonizado e o colonialista, ou racista, em torno dos caminhos para a Liberdade. Se a porta para as negociações pacíficas estiver fechada, os movimentos de libertação deveriam, primeiro, no seu entender, fazer esforços para a abrir. Se, em contrapartida, a porta estiver entreaberta, ela deveria ser empurrada de tal modo que fique completamente escancarada. E acrescenta: “Em nenhum dos casos a porta deveria ser explodida à custa dos que estão do lado de dentro[2].

 

Entretanto, Nyerere continuava dizendo que se a porta, em contrapartida, estiver fechada à chave e, ainda, por cima disso, aparafusada (ou gradeada), e os porteiros se recusarem abrir a fechadura e a retirar os parafusos, então, a nossa escolha deve ser clara: ou aceitamos continuar a viver na opressão ou arrebentamos com a porta. Portugal era um desses gate keepers, que não aceitava abrir a porta para um diálogo civilizado[3]. Não restava mais nada à Tanzânia, senão apoiar aos movimentos de libertação que lutavam contra os teimosos colonialistas. Mas, esse apoio da Tanzânia era bem específico e à medida das suas possibilidades: “nenhum tanzaniano vai participar directamente nesta Guerra. Também reconhecemos que não poderemos fornecer armas aos freedom fighters. Mas, nós não podemos chamar atenção (ao Mundo) para a necessidade da libertação na África Austral e ao mesmo tempo negar a assistência (…) sabendo que as portas para as negociações estão fechadas e aparafusadas”.

 

O segundo significado de Liberdade, que Nyerere tratava de sublinhar, denominava-o por Principle of Self-determination and of National Freedom. Cada país faz ou decide fazer o que bem achar com a Liberdade alcançada. Nyerere tratava de sublinhar que, uma vez independente, a escolha do modelo de desenvolvimento é um affair dos povos que habitam os mesmos países, e não de potências ocidentais e de outros países africanos. Pois, escolher se cada país africano independente devia seguir a via socialista, comunista ou capitalista de desenvolvimento não competia aos países europeus, nem americanos, nem asiáticos. Portanto, sublinha-se, aqui, a ideia da Liberdade enquanto opção para o desenvolvimento. (Mais tarde, Amartya Sen e num plano mais teórico, viria a vincar uma tese complementar à de Nyerere, nomeadamente Development as Freedom de 1999).

 

É na sequência desta última ideia que devemos ler o sentido e o significado da luta de Nyerere, no plano internacional, por consolidar a ideia da União Africana e do não-alinhamento. Ele foi muito activo na luta pelas relações comerciais Sul-Sul, membro-fundador da OUA e organizador acérrimo das conferências internacionais dos países não-alinhados.

 

O seu colega e amigo, do movimento pan-africanista, Nkrumah, presidente do Ghana, viria, talvez, resumir melhor este pensamento de Nyerere quando dizia que “em questões de desenvolvimento não nos interessa se a direcção é o Este ou o Oeste: caminhamos para a frente[4]. O “para frente” significava, para Nkrumah, duas frentes de luta: internamente, um investimento massivo na educação e formação, na construção de infra-estruturas e de um Estado nacionalista independente; externamente, entretanto, o “para frente” significava um trabalho alinhado de todos os povos e nações africanas com os objectivos da organização continental, a OUA.

 

Para Nyerere, em contrapartida, a frente imediata, antes da OUA, era, por um lado, mais concentrada na concepção de uma agenda endógena e nacional de desenvolvimento (neste quadro ele desenvolve a teoria e a prática do Ujamaa e education for self-reliance); e, por outro, no plano regional, a consolidação da SADCC, sem com isto querermos dizer que Nyerere era menos pan-africanista do que Nkrumah.

 

Neste ano das celebrações do seu centenário, não seria despropositado celebrar este filho prominente da nossa África no seu pensamento e na sua acção. Como pensador, ele preocupava-se por fundamentar as condições e possibilidades para não se fecharem as portas do Diálogo, da Paz e da Reconciliação; todavia, quando se tratasse de conquistar e defender a Liberdade, ele admitia a “violência organizada”. E, mesmo já nos anos 70, Nyerere alertava para o perigo de Guerras posteriores às independências na região Austral da África devido à acumulação de armas na zona.

 

Se o Ocidente continuasse a fornecer armas a Portugal, África do Sul e Rodésia do Sul, na escalada que fazia, então não haveria outra chance de os Movimentos de Libertação para prosseguirem, senão também pedirem armas à China, União Soviética e outros países do Leste. Dizia Nyerere: Not even the most skilled guerilla movement can fight machine guns with bows and arrows, or dig elephant traps across surfaced roads. Tivemos que recorrer às armas do Bloco do Leste.

 

E assim foi escalando o nível de violência armada na nossa zona. E isto acontece, como diz, e não se cansou de ensinar-nos Nyerere, quando as portas para o diálogo e negociações estão não somente trancadas à chave, se não também gradeadas e aparafusadas.

 

No seu próprio país, em 1977, ele quis dar um exemplo de concórdia e de “portas abertas ao diálogo” que tanto pregava. Por isso unificou os partidos Tanganyika African National Union (TANU) e o Afro-Shirazi Party do Zanzibar para formar o Chama cha Mapinduzi (Partido da Revolução). Pensava, assim, alcançar uma maior harmonia, paz e reconciliação social na República que liderava. 

 

Um homem de paz, sabedoria e acção que foi Mwalimu a quem vale a pena celebrarmos o seu centenário (X).

 

[1]    1968: Freedom and Socialism; 1974: Freedom & Development, Uhuru na Maendeleo; 1977: Ujamaa-Essays on Socialism; 1979: Crusade for Liberation; 1978: Development is for Man, by Man, and of Man.

[2]    In neither case should the door be blown up at the expense of those inside (Cfr. Stability and Change in Africa. In: Nyerere, J. (1973): Freedom and Development/Uhuru na Maendeleo. A Selection from Writings and Speeches 1968-1973. Oxford University Press, Nairobi, London, New York. (pp108-125). Os que estão por dentro e não queriam abrir a porta são, na altura (1969), os regimes racistas da RSA, Rodésia do Sul e o regime colonialista português. Mas, a todos Nyerere chama por racialists.

[3]    No mesmo tom, mais tarde, e durante os Acordos de Lusaka e perante a proposta portuguêsa de se fazer um referendum para aferir a Independência, Samora Machel viria a radicalizar esta tese dizendo que não se pergunta a um escravo se quer ser livre ou não.

[4]   We face neither East nor West; we face Forward.

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