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segunda-feira, 20 março 2023 11:26

Ordens superiores?

Escrito por

mia couto

Publiquei no passado sábado um texto nas redes sociais encorajando os jovens a perpetuar a memória do cantor Azagaia. Alertei sobre a necessidade de se protegerem contra o aproveitamento oportunista de partidos políticos. Enviei esse texto para a Carta de Moçambique quando as forças polícias começavam a reprimir violentamente a manifestação de jovens em Maputo.

 

Ainda esperei por alguma explicação, algum pedido de desculpa, alguma razão que explicasse esse acto de violência contra uma marcha que estava devidamente autorizada. Esperei em vão. Durante todo o dia os noticiários dos principais canais televisivos reagiram como se nada tivesse acontecido. Nem uma linha por parte dos jornalistas. Nem uma palavra por parte de qualquer dirigente. Este silêncio constitui uma espécie de reedição do gás lacrimogénio que abundantemente foi lançado nas ruas de Maputo. Esse silêncio é demasiado ruidoso, essa ausência é demasiado indiscreta.

 

Considero inclassificável o comportamento das forças policiais reprimindo o que devia ser protegido, criando desordem onde havia ordem, atropelando a lei perante um evento legal.

 

Os jovens que queriam desfilar nas ruas da capital estavam desarmados, não representavam nenhuma ameaça à ordem ou tranquilidade pública. O funeral de Azagaia mostrou o tamanho da frustração e descontentamento de muitos jovens nas cidades de Moçambique. A polícia que cumpriu “ordens superiores” agigantou esse descontentamento. Há ordens “superiores” que criam desordem e inferiorizam os seus autores.

 

A nossa maior conquista, depois da Independência, foi o calar das armas após dezasseis anos de guerra fratricida. Essa conquista aconteceu porque houve diálogo, houve vontade de escutar aqueles que pensam de modo diferente. Se fomos capazes de abraçar os chefes de um exército armado por que razão espancamos jovens que se apresentam desarmados, respeitando as normas democráticas do direito à palavra e à manifestação pública?

 

Não imagino o que motivou a “ordem superior” que deu luz verde à violência policial. Mas estou certo de que a única ordem superior correta apontaria exatamente na direção oposta. Uma ordem que encorajasse a escutar estes jovens que amam o seu país, uma ordem que protegesse o espaço onde se pudessem expressar livre e pacificamente.

 

Mia Couto

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