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quarta-feira, 21 setembro 2022 07:17

Nova proposta de Lei das Organizações Não-Governamentais é uma forma de acabar com as ONG - diz Sociedade Civil

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As ONG afirmam que a nova Proposta das Organizações Sem Fins Lucrativos na República de Moçambique, aprovada recentemente pelo Conselho de Ministros, se também for aprovada pela Assembleia da República nos termos em que se encontra, pode ser uma das formas de acabar com as organizações.

 

Dizem igualmente terem sido surpreendidas com o anúncio da aprovação desta proposta, na medida em que, se for aprovada pela Assembleia da República, revoga os instrumentos legais que regulam as associações e organizações não-governamentais estrangeiras, nomeadamente a Lei nº. 8/91 de 18 de Julho, o Decreto nº 55/98, de 13 de Outubro e todos os dispositivos que contrariem a presente Lei.

 

Falando à imprensa, nesta terça-feira, mais de 60 organizações da sociedade civil dizem ter constatado que parte significativa das disposições que constam da proposta de lei, a ser submetida à apreciação da Assembleia da República para efeitos de aprovação em Lei, representa um retrocesso nos esforços feitos ao longo dos anos para a consolidação do Estado de Direito Democrático e salvaguarda dos direitos e liberdades fundamentais, na medida em que apresenta diversas disposições que violam a Liberdade de Associação, a Participação Pública, e outros Direitos e Liberdades Fundamentais conexos que são fundamentais para o exercício da cidadania, bem como para o processo da democratização do País e desenvolvimento do espaço cívico, conforme o Estabelecido na Constituição da República de Moçambique (CRM) que estabelece, no artigo 52, que "os cidadãos gozam da liberdade de associação".

 

As organizações apontam ainda que a presente proposta não se mostra em conformidade com a CRM por constituir uma ameaça à essência da liberdade de associação estabelecida no artigo 52 e 78 da CRM e, sobretudo, por manifesta contradição com os princípios e objectivos fundamentais constitucionalmente consagrados, o Princípio do Estado de Direito Democrático plasmado no artigo 3 da CRM que determina: “a República de Moçambique é um Estado de Direito, baseado no pluralismo de expressão, na organização política democrática, no respeito e garantia dos direitos e liberdades dos cidadãos".

 

“As normas da proposta de lei das organizações sem fins lucrativos estabelecem uma ambígua e abusiva interferência do governo no seu modo de funcionamento. Aliás, as normas da Proposta de lei em causa limitam rigidamente o funcionamento dos órgãos sociais das organizações sem fins lucrativos, são contrárias à prática da democracia. Mais do que isso, a proposta de lei em referência foi aprovada pelo Governo sem a necessária participação pública dos maiores interessados que são as próprias organizações sem fins lucrativos, numa clara ignorância do facto da participação pública ser inerente ao princípio do Estado de Direito Democrático estabelecido no artigo 3 da CRM, de tal sorte que violar a participação pública é, simultaneamente, violar o princípio do Estado de Direito Democrático do qual se funda a nossa Constituição e que deve nortear a actividade do Estado”, referiu Paula Monjane, Directora Executiva do Centro de Aprendizagem e Capacitação da Sociedade Civil (CESC).

 

Segundo Monjane, que falava em representação das ONG, a Proposta de lei estabelece limitações à liberdade de associação não previstas na Constituição da República, sendo que um dos papéis das organizações da sociedade civil é monitorar a actividade do Governo no quadro do Estado de Direito Democrático. No entanto, a proposta de lei em causa confere poderes exacerbados ao Governo que passam por extinguir as mesmas e determinar como elas devem realizar as suas actividades, o que é contrário à independência e essência das mesmas previstas nos artigos 52 e 78 da CRM.

 

Mais adiante, as organizações assinalam que nesta proposta há uma extrema violação da supremacia constitucional relativamente ao processo de limitação dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos quanto à autonomia das organizações sem fins lucrativos.

 

“Importa referir que, em consonância com a CRM, o artigo 9 da proposta de lei que estabelece o regime jurídico de criação, organização e funcionamento das Organizações Sem Fins Lucrativos na República de Moçambique relativamente à autonomia estabelece: "as Organizações Não-Governamentais Nacionais gozam de autonomia administrativa, patrimonial e financeira e prosseguem os seus fins livremente, de acordo com os princípios gerais do direito e a vontade dos associados expressos nos estatutos, e nas deliberações dos órgãos sociais sem interferência de qualquer entidade pública ou privada, nacional ou estrangeira, salvo as que resultem de decisão judicial e nos casos previstos na presente Lei”.

 

"Na presente proposta, o que mais preocupa e assusta as organizações é o facto de se pretender sancionar a organização com a medida grave de extinção da mesma pelo Governo por não apresentação do relatório de actividade e da contabilização dos fundos. Daqui percebemos que o Governo pretende eliminar as organizações sem fins lucrativos nos termos concebidos na Constituição da República, sem, no entanto, rever a própria Constituição da República, o que é juridicamente incoerente e inaplicável”, diz o grupo.

 

As ONG também defendem que a entidade governamental que procede o reconhecimento das organizações sociais não tem poder de interferir e orientar o funcionamento das Organizações Sem Fins Lucrativos e muito menos de pedir a estas a prestação de contas das suas actividades como se de uma relação governamental de subordinação se tratasse, ou seja, como se existisse uma relação hierárquica administrativa.

 

Entretanto, o n.º 3 do artigo 41 da referida proposta de lei defende: “as organizações beneficiárias de doações não podem dar descaminho às verbas recebidas, nem afectá-las a outras actividades, sob pena de responderem civil e criminalmente, juntamente com os órgãos sociais, nos termos da lei civil e da lei penal’’. Os signatários referem que esta norma é mais uma inequívoca evidência de interferência injustificável no funcionamento das organizações sem fins lucrativos, pretendendo policiar, no sentido prejudicial, às suas actividades, na medida em que cabe às próprias organizações e seus parceiros decidirem sobre onde afectar as verbas recebidas e que actividades realizar, ainda que as alterem, desde que caibam no objectivo e finalidades das mesmas de acordo com a liberdade de associação, à luz do artigo 52 e 78 da Constituição da República.

 

Pelo que, não há espaço para responsabilidade civil ou criminal por essa actuação. Caso contrário, ficam prejudicadas as actividades de emergência e quaisquer outras de fiscalização da actividade estadual que as organizações pretendam desenvolver ainda que não tenham planificado aquando do recebimento das verbas e, consequentemente, prejudicado o exercício da ampla liberdade do exercício da democracia e da cidadania.

 

No entanto, as organizações dizem não encontrar fundamento para as alegações segundo as quais, a referida lei foi aprovada para combater o branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo porque não existe um estudo que encontrou ligações entre o branqueamento de capitais e o funcionamento das organizações da sociedade civil.

 

''Nós como sociedade civil não estamos de forma alguma contra o regulamento das actividades das organizações, mas a ser aprovada esta lei, as associações comunitárias e de base que fazem trabalhos ao nível do desenvolvimento comunitário serão extintas por conta deste poder exacerbado”, explicou Vanessa Cabanelas, representante da Justiça Ambiental. (Marta Afonso)

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