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segunda-feira, 16 novembro 2020 06:42

Cabo Delgado: graves sinais de etnicização da guerra

Na semana passada, o terrorismo em Cabo Delgado mostrou outra das suas facetas cruéis: e escolha de um alvo étnico a abater. Muidumbe, e também em Mueda, bastiões da etnia Maconde, foram palco de chacinas sem conta certa. A narrativa de quem corresponde conosco a partir do terreno enfatizava uma pretensa perseguição as macondes. Verdade ou não, o facto é que, nos últimos três dias, de Muidumbe e Mueda começou uma "debandada" de deslocados para Montepuez, cerca de 300 kms a sul.

 

[A geografia dos deslocados apresenta agora dois eixos: o dos distritos do litoral para Pemba, via barco; e o dos distritos do interior para Montepuez, via estrada, caminhando; Muidumbe já está sem pessoas, abandonada como Mocímboa da Praia; a transportadora Nagi terá feito sua última escala em Mueda no passado sábado; a banca comercial está a fechar seus balcões, retirando dinheiro vivo].

 

E de Mueda chegam-nos relatos de milhares de pessoas deixando a vila e arredores, incluindo familiares das principais figuras da elite maconde (Pachinuapa, Chipande, Nyusi). Consta que eles estão saindo, abandonando bens (comércio, gado), buscando guarida em Montepuez.

 

Desde que o terrorismo começou em 2017, as regiões macondes foram as menos visadas, eventualmente porque melhores protegidas. Visar-se particularmente as gentes macondes remete para uma espécie de vingança de cariz étnico. Está assente que entre os terroristas há centenas de jovens moçambicanos, de etnia mwani, alguns dos quais foram forçados a abandonar seu garimpo de rubis em Montepuez, nomeadamente na zona concessionada a Gemfields (onde Pachinuapa ganha suas rendas milionárias).

 

Algumas linhas de pesquisa sobre a gênese do terrorismo em Cabo Delgado apontam que ele é resultado, em combinação com outros factores, de um sentimento de marginalização a que os mwani sempre foram votados pelo Estado, desde a Independência, cujas estruturas (principalmente naquela província) foi sempre dominadas por macondes, devido ao seu “papel” na luta de libertação.

 

Há também relatos, ainda em surdina, de uma historiografia não oficial que aponta para um passado de perseguição a mwanis, por parte de macondes, incluindo matanças sem apelo nem agravo em campos de reeducação no interior da província. O avanço do terrorismo contra os macondes de Muidumbe e Mueda, na semana passada, é considerado nalguns círculos de opinião como uma “vingança” dos mwanis. Esta colocação aponta para uma etnização do conflito em Cabo Delgado, o que é grave, não bastasse a geografia dos deslocados mostrar uma separação étnica dos destinos (mwanis para Pemba e macondes para Montepuez).(Marcelo Mosse)

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