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segunda-feira, 16 março 2020 05:52

Obituário: Jorge Arroz (1981-2020)

O médico especialista em Saúde Pública, Jorge Alexandre Harrison Arroz, que morreu ontem de complicações cardíacas numa clínica de Maputo, foi um grande activista dos direitos dos médicos e outros profissionais de Saúde moçambicanos. Presidente da Associação Médica de Moçambique entre 2012 e 2013, ele liderou uma mobilização (em Maio de 2013) que levou jovens médicos e outros profissionais de Saúde a uma greve sem precedentes no sector em Moçambique, incluindo manifestações de rua que tiveram uma considerável adesão de simpatizantes em Maputo.

 

A 26 de Maio de 2013, um domingo, ele acabou sendo detido acusado de “sedição". Profissionais de Saúde, que estavam em greve há sete dias, exigindo um aumento salarial de 100 por cento e a aprovação do Estatuto Médico pela Assembleia da República, reuniram-se no exterior da Esquadra e só saíram de lá quando Arroz foi restituído à liberdade. A notícia da sua detenção havia corrido célere nas redes sociais, arrastando centenas de simpatizantes para a esquadra onde ele estava recluso.

 

Nessa mesma noite, o chefe das Operações do Comando Geral da Polícia, António Pelembe, disse que Arroz não tinha sido detido, mas sim notificado para prestar declarações. “A polícia encontrou Jorge Arroz em flagrante delito, reunido na Associação Médica de Moçambique a delinear um plano estratégico de como levar avante a greve no dia de amanhã. Tal plano visava o encerramento de todas as unidades sanitárias de modo a impedir os que por consciência prestam serviços mínimos aos doentes, e a evacuação de todos os doentes para fora dos hospitais”.

 

O antigo Juiz-Conselheiro do Tribunal Supremo, João Carlos Trindade, desmontou essa argumentação, dizendo que “a reunião dos representantes de uma classe profissional, numa sala da sede da sua organização e no exercício do direito constitucional à greve, não se pode confundir com motim ou tumulto”. No dia seguinte ao da sua detenção, Jorge Arroz juntou a classe dos médicos num encontro onde manifestaram a intenção de não vergar diante das “intimidações”. Os médicos consideraram que a detenção do seu líder tinha sido apenas uma tentativa frustrada de intimidação da classe, que manteve a greve. "Não me sinto nada intimidado, o que eu sofri não vai abalar de nenhuma forma a causa. Mesmo os polícias que me detiveram, identificam-se com a nossa causa", afirmou Jorge Arroz, no final de uma reunião de profissionais de saúde.

 

A detenção de Jorge Arroz fez mobilizar simpatias extra-classe às reivindicações dos médicos e outros profissionais. A Ordem dos Advogados de Moçambique (OAM) escreveu que a detenção tinha ocorrido  debaixo de inúmeras ilegalidades, “nomeadamente, mas não exclusivamente, porque os factos imputados àquele não preenchem o tipo legal de crime de sedição, previsto e punido pelo artigo 179º do Código Penal e pelo facto do artigo 213º, conjugado com o artigo 305º, ambos do Código de Processo Penal, referir expressamente que ‘Ninguém pode ser preso por crime que admita a liberdade provisória mediante caução’, como é o caso presente".  A OAM tinha na altura à cabeça o advogado Tomas Timbane, que apelava ao diálogo entre o Governo e os grevistas.

 

Foi isso que aconteceu. O pacote reivindicativo dos médicos incluía a melhoria das condições de habitação (sobretudo para os médicos trabalhando no interior do país) e a aprovação do Estatuto do Médico, para além de um pacote remuneratório atractivo. Houve acordos pontuais para cada um dos aspectos e algumas expectativas goradas. O assunto “estatuto do médico” foi mais pacifico. Mas a questão salarial arrastou-se até finais de 2013.

 

Após deixar a liderança da AMM, Jorge Arroz dedicou-se aos estudos. Já tinha, entretanto, concluído um Mestrado em Saúde Pública no ISCTEM, em Maputo. Depois rumou para Lisboa, onde em Julho de 2018, defendeu seu Doutoramento no Ramo de Saúde Internacional, especialidade de Saúde Pública Tropical, com uma tese intitulada:”Comparing two models of massive distribution of mosquito bed nets in rural districts of Mozambique.” Quando regressou, deixou o Sistema Nacional de Saúde e foi trabalhar numa organização não governamental. Era natural de Tete. (M.M.)

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