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quinta-feira, 21 março 2019 07:19

A tragédia não foi evitada não por falta de informação: o INAM alertou, mas ninguém fez nada

Não foi por falta de informação que as autoridades nacionais não minimizaram o impacto do Ciclone Tropical IDAI (sobretudo no que diz respeito à perda de vidas humanas) que, na passada quinta-feira (14), fustigou a zona centro do país, província de Sofala em particular, provocando esta tragédia que ainda mantém Moçambique e o mundo em estado de choque.

 

Desde o início deste Março que o Instituto Nacional de Meteorologia (INAM) vinha alertando para a formação de uma depressão tropical que iria atingir a costa moçambicana a partir do dia 12 e uma vaga pluviométrica aterradora na ordem dos 150 milímetros, que teria um impacto devastador sobre vidas, produção agrícola e infraestruturas nas províncias do centro do país.

 

Era previsível um cenário de cheias nas bacias dos rios Buzi e Púnguè. Mas ninguém fez nada.

 

O Governo emitiu um alerta vermelho no dia 11, terça-feira, mas, depois disso, ninguém fez nada. Os cidadãos foram deixados à deriva, sobretudo nos distritos do interior, como o Buzi. Daqui, a administradora local escreveu uma carta ao Governador de Sofala já depois de a vila ter sido invadida pelas águas e muita gente ter sido varrida para a lama, sucumbindo. Os que sobreviveram treparam árvores e casos. Muitos estão ainda à espera da magia de uma resgate que tarda. Há relatos de gente desistindo de viver, largando-se, impotente, para a água.

 

Neste momento em que o país chora as vítimas da tragédia, com estimativas preliminares apontando para mais de 200 mortos, “Carta” recua no tempo para trazer o histórico dos Boletins Meteorológicos (BM) emitidos pelo INAM entre os dias 04 e 14 de Março, que não faltou alerta, mas ninguém fez nada.

 

No dia 04 de Março, segunda-feira, no qual o INAM lançava um sinal “laranja” sobre o Canal de Moçambique e as províncias de Tete, Zambézia e Sofala, alertando sobre uma possível intensificação de uma Depressão Tropical (ventos entre a 65 km/h), que podia atingir o estado de tempestade tropical moderada (ventos de 63 a 89 km/h). De acordo com o BM do dia 04 de Março, o sistema deslocava-se a uma velocidade de 07 km/h em direcção à costa das províncias de Sofala e Zambézia. Nesse dia, o INAM também alertou sobre a possível ocorrência, a partir daquele dia, de intensas chuvas (mais de 100 mm/24h), acompanhadas de trovoadas e ventos fortes (acima de 80 km/h).

 

No dia 06 de Março, pelas 15 horas, os serviços meteorológicos emitiram um aviso de “sinal vermelho”, prevendo a continuação de chuvas muito intensas (mais de 100 mm/24h), acompanhadas de trovoadas severas e ventos com rajadas nas províncias de Sofala, Nampula e Cabo Delgado, nas 48 horas seguintes. No BM do dia 07, emitido pelas 12 horas, ainda com aviso vermelho, o INAM continuava com a previsão de intensas chuvas (mais de 100 mm/24h), acompanhadas de trovoadas severas e ventos com rajadas fortes, até 60 km/h, em alguns distritos das províncias da Zambézia, Tete, Sofala, Manica, Nampula e Niassa.

 

Primeiros sinais da “aterragem” do IDAI

 

No BM do dia 08 de Março, com o aviso “laranja”, os meteorologistas mantinham a previsão de chuvas muito intensas (mais de 75 mm/24h), acompanhadas de trovoadas severas e ventos com rajadas até 60 km/h nas mesmas províncias, excepto Nampula. Nesse dia, o INAM também emitiu um comunicado mais detalhado sobre a situação meteorológica nacional, dizendo que as províncias da Zambézia, Niassa, Tete, Sofala e Manica estavam a ser influenciadas por um “sistema de baixas pressões muito activo”, que se deslocava para o mar.

 

Previa-se que o sistema em causa atingisse o canal de Moçambique no dia 10.“As projecções dos centros de monitoramento de ciclones tropicais dão indicação de evolução desse sistema a partir do final do dia, atingindo o estágio de depressão tropical”, dizia o referido comunicado. E prosseguia referindo que, se as condições das águas superficiais do Canal de Moçambique fossem favoráveis, o tal “sistema de baixas pressões muito activo” poderia atingir o estágio de tempestade tropical severa.

 

Sublinhava que o sistema iria aproximar-se da costa moçambicana a partir do dia 12 de Março. E que as províncias de “entrada” seriam as da Zambézia ou Sofala. Ou seja, a partir de 08 de Março as autoridades moçambicanas já tinham conhecimento da “chegada” do IDAI, embora não houvesse clareza quanto à sua “porta de entrada”. Mesmo assim, as autoridades do nosso país nada fizeram para minimizar o impacto. Nestas situações, não só se recomenda a activação dos alertas laranja ou vermelho, mas também a evacuação da população residente nas zonas de risco. Nem uma, nem outra coisa aconteceu.   

 

Ainda no comunicado em questão, o INAM recomendava à população que reside ao longo da costa das províncias acima referidas para acompanharem as “actualizações” dos avisos e alertas, para evitarem ser apanhados de surpresa. O aviso laranja manteve-se também no dia 09 de Março e com referência à Depressão Tropical, aventando-se a hipótese de ganhar maior intensidade nas horas seguintes, podendo mesmo atingir o estágio de tempestade tropical moderada (ventos de 63 a 89 km/h). Foram, igualmente, mantidos os prováveis locais de entrada (norte de Sofala e sul da Zambézia) da referida tempestade, mas levantava-se uma dúvida em relação à data da sua chegada (entre 12 e 13 de Março).

 

No mesmo dia e em relação à navegação marítima, o INAM referiu-se também à ocorrência de uma depressão tropical, com a previsão de ventos fortes com a velocidade até 80 km/h, que podiam agitar o mar e gerar ondas com alturas até cinco metros. Previa-se ainda a ocorrência de chuvas muito intensas (mais de 100 mm/24h), acompanhadas de trovoadas severas.

 

IDAI identificado no dia 10

 

No dia 10 de Março, a depressão tropical surge já com nome de baptismo, IDAI, evoluindo nesse mesmo dia para Tempestade Tropical Moderada, com ventos de 75 km/h e rajadas até 110 km/h. Previa-se que o IDAI atingisse o estágio de Tempestade Tropical Severa, deslocando-se em direção à costa das províncias de Sofala e Zambézia. Aventava-se a hipótese de aquela Tempestade atingir o estágio de Ciclone Tropical, influenciando o estado de tempo a partir do dia 13 de Março nas quatro províncias do centro do país. No dia 11 de Março, de acordo com o BM emitido pelas 13 horas, a tempestade tinha evoluído de “tropical moderada” para Ciclone Tropical Intenso, com as chuvas a atingir mais de 100 mm/24h. Nesta previsão meteorológica, o INAM avançava que o IDAI iria atingir o continente no dia 14 de Março, através da costa da província de Sofala, influenciando o estado de tempo em todos os distritos das províncias da Zambézia e Sofala.

 

No dia 13 de Março, o INAM não só previa que o IDAI ia fazer-se sentir no dia 14, mas também referia ostentaria a categoria 3. Prevaleciam dúvidas em relação aos locais que sentiriam primeiro o impacto do IDAI (distritos de Dondo, Muanza ou Cheringoma). Mas, clarificava-se que afectaria as províncias de Sofala, Manica, Zambézia e Inhambane, e que os ventos seriam muito fortes (180 a 200 km/h), acompanhados por chuvas muito intensas (mais de 150 mm/24h) e trovoadas severas. A partir daquele dia, o sinal já era vermelho, revelador do perigo que se aproximava.

 

IDAI passa de categoria 3 para 4

 

No dia 14 de Março, pelas 15 horas, o INAM reajustou a categoria daquele Ciclone, subindo a sua categoria de 3 para 4. Também fazia referência ao ponto e hora de entrada (Beira e Dondo, pelas 18 horas daquele dia), com a chuva a atingir mais de 150 mm/24 horas e o vento a soprar entre 190 a 220 km/h. No mesmo dia, para a navegação marítima, o INAM previa a ocorrência de ventos muito fortes, velocidade até 165 km/h, com rajadas que podiam atingir 190 km/h, gerando com ondas de 10 metros. Esperava-se igualmente a ocorrência de chuvas muito fortes (mais de 100 mm/24h). São estas evidências que a “Carta” traz para mostrar, claramente, que as autoridades moçambicanas tiveram informação bastante para agirem com antecedência, de modo a evitar, no mínimo, a perda de vidas humanas. Contam-se até ao momento mais de duas centenas de mortos. O número pode chegar a mil, como avançou o Presidente da República, mas há que crê em muito, muito mais. (Abílio Maolela)

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