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Maputo -

Actualizado de Segunda a Sexta

segunda-feira, 04 março 2019 03:58

A conspiração para soltar Nini Satar que tramou 17 agentes do SERNAP

Os 17 agentes do Serviço Nacional Penitenciário (SERNAP) detidos na passada segunda-feira em Maputo e Matola são acusados de terem orquestrado o processo de liberdade condicional de Momade Assif Abdul Satar, ou simplesmente Nini Satar, solto a 1 de Setembro de 2014. Nini fora condenado a 24 anos de prisão maior por autoria moral do assassinato do jornalista Carlos Cardoso. Estava a cumprir pena na cadeia de máxima segurança, vulgo BO.

 

Como tudo começou

 

Informações em nosso poder indicam que tudo começou no ano de 2013, quando Nini Satar submeteu um pedido de liberdade condicional ao Conselho Técnico da BO, por alegadamente ter cumprido metade da pena e ter um comportamento que não constituía qualquer perigo para à sociedade. O pedido viria a ser chumbado pelo Tribunal Judicial da Cidade de Maputo, alegadamente porque a personalidade do requerente ainda representava um perigo na sociedade, exigindo por isso a sua manutenção em regime de segurança

 

A 16 de Dezembro de 2013, o Conselho Técnico da BO reuniu-se extraordinariamente para apreciar e decidir sobre o comportamento e mudança de regime (de segurança para o regime comum) a favor de Nini. O colectivo concluiu, por unanimidade, que Nini Satar devia ser mantido em regime de segurança. Só que devido à insistência do próprio visado, no dia 14 de Março de 2014, a direcção da BO recebeu um ofício da 10ª Secção do Tribunal Judicial da cidade de Maputo, assinado pelo Juiz Adérito Malhope, solicitando informação sobre o comportamento do Nini Satar. Coincidência ou não, no dia 20 de Março de 2014 o Conselho Técnico voltaria a reunir-se em mais uma sessão para avaliar se Nini Satar poderia ser mantido em regime de segurança ou não. A decisão final foi a de mantê-lo em regime de segurança.

 

Apanhado com cinco telemóveis

 

Segundo os membros do Conselho Técnico, arazão por que as duas deliberações foram desfavoráveis prendeu-se com o facto de, anteriormente, Nini ter sido encontrado em flagrante na posse de cinco telemóveis, que usava para se comunicar com o mundo exterior. A outra razão foi a de Nini Satar ter enviado, mesmo preso, à direcção da Cadeia Central da Machava, várias cópias de brochuras contendo informações confidenciais e respectivos ofícios partilhados com várias pessoas ligadas à administração da justiça, sem que tivessem passado pela direcção da BO.

 

Uma informação que consta no “dossier” em nosso poder indica que José Machado (agora preso), na altura Director da BO e do respectivo Conselho Técnico, de que faziam parte João Doa, Hermínia Chilaúle, Constantino Simone, Francisco Neto, Milate Evaristo, Josefa Sambo e Moniz António, emitiu pareceres favoráveis ao recluso Nini Satar. Todos os membros do Conselho Técnico da BO subscreveram. Todos eles estão presos. Depois de chancelarem o parecer favorável a Nini, os agentes simularam sua transferência da BO para a Cadeia Central da Machava. Posteriormente, emitiram uma nota para a 10ª Secção do TJCM, endereçada ao juiz Adérito Malhope, que deu entrada no dia 9 de Julho de 2014. A nota dizia que Nini Satar passou para o regime comum, e tudo o que dissesse a ele respeito devia ser solicitado à à Central.

 

 A nota dirigida à 10ª Secção do TJCM dava a entender que Nini Satar tinha sido conduzido para a Central, quando na verdade ainda estava sob o regime de segurança. Conforme se apurou, todos estes actos aconteceram sem o conhecimento do Director-Geral do SERNAP, Eduardo Mussanhane, ou seja, os arguidos do processo agiram e ignoraram o seu superior hierárquico, porque tudo o que estavam a fazer era da competência do DG daquele sector.

 

Artimanhas de José Machado

 

Para a consumação do processo da transferência simulada da BO para a Cadeia Central da Machava, no dia 10 de Julho de 2014, José Machado chancelou e ordenou a remessa do expediente da primeira para a segunda. No pacote constava o processo individual do recluso, um atestado de comportamento e a acta do Conselho Técnico-Social, com assinatura de outros agentes ora detidos. O processo dessa simulação foi recebido na Cadeia Central por Ramos Zamboco, então Director substituto daquele estabelecimento prisional, que por coincidência foi adjunto de José Machado na BO. Tal como os membros do Conselho Técnico da BO, todos os membros do Conselho Técnico da Cadeia Central da Machava foram envolvidos na trama. Todos eles, nomeadamente Félix Simbine, Jorge Lúcio Manjate, Jamussidine Faquirá, Alberto Ndaluza, Júlio Marcos, Lídia Alberto e Notisso Alexandre, estão igualmente detidos. Aliás, este colectivo reuniu-se no dia 17 de Julho de 2014 para discutir a proposta de liberdade condicional a favor de Nini Satar.

 

E no dia 21 de Julho de 2014, o colectivo da Cadeia Central da Machava concluiu a formulação do juízo opinativo favorável à concessão da graciosa liberdade condicional, tendo ordenado a remessa do expediente ao Tribunal, que deu entrada no TJCM no dia 30 de Julho do mesmo ano. No dia 1 de Setembro de 2014, o juiz Adérito Malhope, da 10ª Secção do TJCM, concedeu a graciosa liberdade condicional a Nini Satar, através do despacho de soltura.

 

A acusação do Ministério Público

 

Os 17 agentes do SERNAP encontram-se agora detidos em prisão preventiva. “Carta” apurou que todos os agentes vão ser acusados de violação do artigo 368 da Lei da Organização Penitenciaria (LOP), aprovada pelo Decreto-Lei nº 26643, de 28 de Maio de 1936, conjugado com o artigo 3 da Lei nº 3/2013, de 16 de Janeiro. Incorreram também na declaração de falsas qualidades por terem proposto liberdade condicional a favor de um réu preso num estabelecimento penitenciário sobre o qual não tinham jurisdição. Também usaram informação da BO para atestar como “bom” o comportamento do mesmo réu, sem que eles próprios tivessem feito o acompanhamento dentro do período normal de seguimento para efeitos de confirmação. 

 

Segundo consta na acusação, de acordo com fontes de “Carta”, os 17 arguidos cometeram o crime de abuso do cargo ou função, puníveis nos termos do artigo 507 do Código Penal. O outro crime que pesa sobre eles é o de falsificação. Incorreram igualmente no crime de falsas declarações.

 

Facto curioso é que durante as investigações do MP não ficou demonstrado que os 17 arguidos obtiveram contrapartidas de natureza patrimonial ou de outra índole pela soltura de Nini. Curioso também é que o juiz Adérito Malhope, que assinou o despacho de soltura, não foi arrolado no processo.(Omardine Omar)

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