A decisão do CPMO (Comité de Política Monetária) do Banco de Moçambique (BdM) anunciada no dia 27 de janeiro de aumentar a taxa MIMO em 300 pontos base, ou seja de 10,25% para 13,25% é uma alteração brutal já há muito não vista. Em alinhamento com este aumento foram também agravadas as taxas FPD e FPC.
Esta última, a Facilidade Permanente de Cedência subindo para 16,25% é uma mensagem clara que o preço do dinheiro para os bancos e, por conseguinte, para o publico em geral, ficou muito mais caro. De uma assentada impõe uma variação na ordem de quase 30% sobre o seu principal instrumento de gestão de política monetária. Isto é claramente uma mensagem de alarme e de esforço de antecipação sobre o que o BdM receia quanto ao que pode vir a acontecer nos próximos meses.
A taxa do Mercado Monetário Interbancário de Moçambique (MIMO) está em vigor desde Abril de 2017 e é um dos principais instrumentos que o BdM possui para manejar a forma como o sistema financeiro influencia a economia real e os preços dos serviços disponibilizados pelos bancos. A taxa MIMO é a base para o cálculo das operações no Mercado Monetário Interbancário (MMI). Esta taxa tem impacto na inflação porque influencia as expectativas dos investidores e poupadores, o custo do crédito, bem como a taxa de câmbio. O BdM não alterou um outro importante instrumento, que é o das reservas obrigatórias dos bancos, sinalizando que não quer reverter o nível de pressão sobre os capitais e fundos próprios dos bancos.
O CPMO justifica esta brutal alteração com base em factores como o dos “riscos e incertezas associados às projeções de inflação agravaram-se substancialmente” e também devido a uma perspectiva de “recuperação mais baixa da actividade económica em 2021”, diferentemente do que antes se previa. Porém, uma terceira justificação para esta medida – a “pressão sobre as finanças públicas tende a aumentar” – merece uma atenção especial.
Em que é que isto é relevante para a família do cidadão comum que vive de um salário, ou para o empresário de pequena ou média dimensão? Estes agentes precisam de saber quanto vale o dinheiro que recebem ou ganham, bem como em alguns casos o que vai alterar no depósito que tem no banco e/ou quanto vai custar o empréstimo que obteve no banco?
A mensagem do BdM merece uma reflexão e debate.
O custo de vida vai subir porque as “perspectivas de curto e médio prazo apontam para um aumento expressivo da inflação”. Ou seja, o mesmo salário ou receita vão valer menos. Isto é óbvio, mas o alerta vermelho do BdM, embora não seja explicito é o de recear que essa inflação ultrapasse a barreira psicológica dos dois dígitos, ie, os 10%.
Já em dezembro de 2020 haviam previsto uma “aceleração da inflação para o curto e médio prazo, situando-se, ainda assim, em um dígito”. É no “ainda assim” que se escondem os receios do que pode vir a acontecer, pois também já era sabido que para 2021 “mantém-se a previsão de um incremento dos preços domésticos, a reflectir, essencialmente, o efeito do término da vigência de parte das medidas de contenção dos preços dos alimentos no mercado internacional…”
O CPMO, com alguma razão, tem pavor à inflação. Mas ao aumentar a MIMO em 300 pp, sem mexer nas reservas obrigatórias, está a sinalizar aos bancos, algo assim: “não podem conceder mais crédito, mas podem aumentar as taxas de juro”. É conhecida a capacidade de os bancos comerciais fazerem reflectir quase automaticamente estas alterações para cima nos créditos aos clientes que, pelas garantias que deram, não podem fugir das amarras contratuais em que se encontram. E um aumento desta dimensão num crédito ao sector produtivo ou à habitação pode ser fatal para o mutuário.
As consequências lógicas são muitas e perigosas: mais desemprego, menor poder de compra para os que vivem de rendimentos em moeda nacional. Num contexto onde se assiste ao agravamento da pandemia da Covid-19, a calamidades naturais, a deslocação de centenas de milhar de famílias devido ao terrorismo militar, à persistência de crimes como os raptos, às incertezas quanto a alguns megaprojectos ou ao seu ritmo de implementação, o que é que nos falta para nos declararmos como “Estado falhado”?
O regulador da política monetária “atira as culpas” deste cenário para cima da conjuntura, mas acrescenta a “pressão sobre as finanças públicas tende a aumentar”. Sem contar com contratos de mútuo, responsabilidades em mora a dívida pública interna aumentou para quase 184 mil milhões de meticais. Para os que pensam em USDolares isto equivale a cerca de 2,6 mil milhões de US Dolares.
E, contudo, continuamos a assistir a um crescente despesismo do nosso Estado. Não são apenas gastos causados pela guerra ou pelas calamidades. Os custos das reformas dos nossos parlamentares, a duplicação de órgãos públicos a nível das províncias com todas as mordomias a que temos vindo a assistir, entre outras anomalias na gestão das finanças públicas.
Se a economia está em retração, as empresas formais fechando e sem acesso a recursos financeiros, as expectativas dos fabulosos ganhos com a extração dos recursos minerais a esfumarem-se, aonde é que o Estado irá socorrer-se para não se transformar num “Estado falido e falhado”? Agravar as taxas e impostos aos agentes económicos locais é rebentar a corda; aumentar os impostos aos megaprojectos exige uma capacidade e força negocial que não tem sido vista; a continua emissão de Bilhetes de Tesouro agravando a dívida pública tem efeitos perversos, embora melhore os lucros dos bancos.
Que fazer?
A mensagem de dezembro do BdM deu eco ao que vários analistas vêm dizendo: “um crescimento sólido e estável da actividade económica requer o aprofundamento de reformas estruturantes”. De facto, não é apenas com instrumentos de política monetária que se salva e se reverte esta caminhada para a falência.
Mas o que são “reformas estruturantes” de que há décadas se vem falando, sem nada ou pouco sendo feito? Quem tem coragem e capacidade de as desenhar e implementar?
Deixo estas questões apelando a um urgente debate público.
António Souto (economista)