Imprimir esta página
terça-feira, 13 novembro 2018 03:01

"Carta" investigou: o misterioso Shakira Lectícia e de como ele usou o Facebook para exaltar a insurgência no norte de Moçambique

Uma conta no Facebook em nome de Shakira Júnior Lectícia, criada 20 dias depois do primeiro ataque à Vila de Mocímboa da Praia (Cabo Delgado), em Outubro de 2017, foi usada até esta segunda-feira (10 de Dezembro) para aliciar jovens, difundir informações e exibir “troféus” dos ataques protagonizados pelo grupo que há 14 meses vem criando pânico e terror em 7 distritos do norte de Moçambique. 

 

Shakira Júnior Lectícia identificou-se, no seu perfil, como residente em Pemba, vivendo no bairro de Expansão. Na segunda-feira começaram a circular nas redes sociais “screenshots” com fotos e textos que Shakira publicava, exaltando a ação dos insurgentes, mobilizando jovens para o extremismo. Na noite desse dia, a conta foi descontinuada. “Carta” já havia, no entanto, copiado o essencial das imagens e textos que ele andou a difundir ao longo de 13 meses.

 

Seguimos alguns rastos com a ajuda do nosso correspondente em Cabo Delgado e localizamos parte dos jovens cujas fotos foram publicadas por Shakira num quadro de manipulação e uso recorrente de identidade falsa. Durante meses, a rede social de Mark Zuckerberg foi usada em Moçambique para objetivos vis, eventualmente fazendo alastrar a insurgência. Shakira, certamente um nome fictício, partilhava informações sobre os ataques que iam sucedendo, celebrando o sangue e a morte de civis. Vilipendiava o Presidente da República, Filipe Nyusi, insultava militares e população, e exibia a carnificina vigente nas aldeias remotas de Cabo Delgado.

 

O Facebook de Shakira Júnior Lectícia começa a chamar atenção quando, em Maio deste ano, ele acusou o Procurador Distrital de Macomia de estar envolvido numa burla a cidadãos e de alegadamente ter manipulado a Juíza do Tribunal Judicial local. A magistrada viria a ser expulsa devido a várias irregularidades. Mas, a partir desse momento, a conta de Shakira ganha visibilidade e atinge o limite máximo de 5000 amigos. Em finais de Maio, Shakira Júnior Lectícia passa a escrever sobre outros assuntos, criticando os atos da governação do distrito de Macomia, chamando de incompetentes o executivo local e as Forças Defesa e Segurança.

 

Desde lá até segunda-feira desta semana, Shakira esteve ativo escrevendo sobre aspetos do conflito em Cabo Delgado. Postava fotos de jovens alegadamente recebendo dinheiro por sua participação em ataques. Era um chamariz para a adesão doutros jovens da região na matança. Mas nem todas as fotos e personagens por ele usadas eram genuínas. O que parece ser verossímil, isso sim, é a sua ligação aos insurgentes.

 

Uma análise da "Carta" mostra que Shakira tinha acesso à informação privilegiada sobre os ataques ocorridos. “Carta” fez uma comparação entre datas de ataques e os “posts” de Shakira sobre os mesmos. Ele estava melhor informado que qualquer meio de comunicação, suspeitando-se que tinha ligação direta com alguns operacionais do terror. Eis alguns exemplos:

 

No passado dia 28 de Novembro teve lugar um ataque que só foi reportado pelos órgãos de comunicação nacionais e internacionais nos dias 30 e 1 de Dezembro. Shakira publicou no mesmo dia 28 um comentário sobre esse ataque: “O rescaldo que tivemos ontem em Nacutuco, hoje Manica, até Napala, avisem aos militares para um confronto de balas”.  

 

No dia 22 de Novembro, pelas 9h45, aconteceu um ataque em Nangade, onde morreram 11 pessoas. O facto foi imediatamente apresentado na sua página de Facebook, onde exibia a foto de um jovem confirmando, com um maço de notas de 1000 Meticais, de que tinha recebido uma recompensa pelo ataque. “Confirmada a transação”. Este ataque só foi noticiado pelos órgãos de comunicação social na noite desse dia. Para quem era amigo virtual de Shakira, o noticiário era como que uma confirmação da publicação por si feita naquela manhã.

 

No dia 24 de Novembro ocorreu um ataque em Nangade, onde foram mortas nove pessoas. Shakira publicou as fotos das vítimas sem censura, mas o Facebook esteve alerta e baniu-as, considerando-as como imagens chocantes.

 

No passado dia 6 de Novembro, o suposto insurgente exibiu-se nas redes sociais dizendo o seguinte: “Do Rovuma ao Maputo querem conhecer-me e estou sendo procurado em todo canto (…) mas não será fácil, eu sou um hacker formado. Nem PIC, SISE e Policia secreta vão me pegar”. 

 

Numa outra publicação feita no mesmo dia, escreveu: “Cruzei com esses macacos (mostra uma foto com militares num carro) fazendo patrulha na estrada. Porquê não entram na mata para lutar com meus homens. Militares de merda! Só estão a acabar comida e não fazem nada”.  

 

Quando a localidade de Pangane foi alvo de um ataque em Outubro, Shakira exultou, horas depois: “Sabem de onde vem o barco a motor que foi encontrado sem ninguém? Os donos estão por perto; fiquem de olho se não haverá massacre por aí”. O ataque a Pangane deu-se no dia 8 de Outubro mas só seria reportado na imprensa nos dias subsequentes.

 

O mês de Junho de 2018 foi o que mais ataques teve desde que a insurgência começou em Outubro de 2017. Nos dias 2,4,5, 7 e 13 foram sangrentos, com aldeias queimadas e dezenas de pessoas deslocadas. Shakira estava em cima dos acontecimentos. “Jovens do distrito de Palma se juntam aos militares para uma caçada humana. Olha o que resultou: 8 abatidos”.  Os “media” haveriam de reportar a morte de 7 pessoas e 74 casas incendiadas.  Já no dia 5 de Junho, ele escreveu: “Distrito de Macomia, na aldeia de Naunde, foi muito triste o que aconteceu na madrugada de hoje. Mais de 50 casas, carros e há confirmação de 2 óbitos”. As agências noticiosas só reportariam sobre este ataque no dia 13 de Junho.

 

“Carta” procurou por pistas de Shakira Júnior Lecticia. Descobrimos que é um homem natural de Nampula e residente em Cabo Delgado. No seu perfil, Shakira dizia que trabalhava para uma empresa de nome Mobílias Yuran, em Nampula. Mas isso era mentira. “Carta” localizou uma loja com esse nome mas noutra cidade do Norte. O registo legal da empresa, levou-nos ao seu dono. O empresário disse à “Carta” que não sabia nada do assunto. 

 

Na segunda-feira, como dissemos, a página do Facebook deixou de estar disponível online. Mas quem são os jovens que aparecem nas fotos que ele andou a publicar? Como ele obteve tais fotos? Onde estes jovens estão e o que fazem? Na edição de amanhã, “Carta” traz algumas das respostas a estas questões e detalhes inéditos sobre a perversa atividade de Shakira Lectícia, um homem que usou o Facebook para passar uma mensagem de exaltação diante das mortes em Cabo Delgado, fazendo propaganda da ira contra o Estado e apelando sempre e sempre a mais matança. (Omardine Omar, com Saíde Abibo)

 

 

Sir Motors

Ler 9299 vezes