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sexta-feira, 27 agosto 2021 08:30

MUITA POEIRA MESMO…

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Eu, apóstolo da desgraça

 

O processo das dívidas ocultas passou a uma nova fase. Após um sem número de negociações políticas e uma batalha jurídica empoeirada propositadamente, eis que o camarada Chang parece regressar ao solo da pátria amada. Chang no meio desta tempestade de poeira parece ter desempenhado o papel de sargento executor, negociador e de angariação do ´tako´. Isto porque, o comandante parece nada ter assinado. Mandava assinar como dever patriótico.

 

Entretanto, o “chefe” sabia de tudo através dos responsáveis de briefings, realizaram-se reuniões na presidência. Houve vozes que desaconselharam o avanço do projecto. Mesmo assim, a orientação foi: avance-se.

 

Não se pode sumarizar um processo tão longo, tenebroso, “gangsterizado” de saque da pátria e do povo (recordam-se desse conceito?), composto por um grupo de artífices, de assinantes patrióticos ou patrioticamente obrigados, aldrabões de camuflagem e da mentira e pombinhas brancas que até nada sabiam do que acontecia e de “facilitadores” dos fluxos de branqueamento de capitais.

 

A organização do projecto alegava, como fundamento principal, a capacitação do país contra os riscos da pátria: terrorismo, guerras, tráficos de droga, pirataria marítima, etc. Que bonito! Bonito porque, afinal, altas instâncias do poder e/ou seus dependentes estão involucradas nesses crimes da droga, tráficos de madeira, pescado e minerais e produtos faunísticos e até em negócios da guerra. Sabendo-se dos preparativos para uma guerra desde 2012, eis que nada se fez ou, como se diz, estavam mais preocupados em matar Dhlakama.

 

Quando soaram as primeiras notícias no exterior, eis que estas, para os aldrabões da camuflagem de serviço, diziam ser acção do inimigo, sem fundamento, boatos. Internamente organizações e membros da sociedade civil que procuravam a verdade foram, de imediato, ou foi intensificada, a designação de “apóstolos da desgraça”, aconteceram ameaças e espancamentos. As acções dos esquadrões da morte intensificaram-se.

 

E o processo de denúncia continuou. A sociedade civil foi exemplar contra ameaças e perseguições, muitos dos seus membros colocaram-se na linha de tiro e grande parte não recuou. As redes sociais de defesa do regime aumentaram a produção, tanto com linguagem primária e boçal, como de ameaças e de propaganda refinada; também nestes espaços, pessoas da sociedade civil resistiram e continuaram o dever de qualquer cidadão.  Internacionalmente desenvolveram-se acções de acusação e defesa com implicações na alta finança, também parte desta comprometida com a corrupção e o não-cumprimento de procedimentos para créditos deste tipo, na política envolvendo presidentes de repúblicas.

 

A PGR e outras instâncias judiciais actuaram politicamente, lentamente e sem opções face aos avanços dos processos fora do país. Muito democracia nesta “pátria amada”.

 

Iniciado o julgamento, assiste-se a exposições dos acusados absolutamente ridículas. Não se sabe onde foram aplicados 650 mil dólares: ah sim, afinal foi na machamba com produtos para comer! mas por que não comeu logo o dinheiro? E, perante o juiz, há afinal respostas que os chefes proibiram de responder. E o juiz acata.

 

E os advogados, alguns com nome na praça, não obstante o princípio da presunção de inocência e o direito de defesa dos supostos criminosos ou infractores da lei, e a função do advogado em defender casos perante o tribunal, assumem posições provocatórias (contra as regras de comportamento pessoal em sala de julgamento). Parte das estratégias dos advogados de defesa é geralmente em desviar atenções, concentrar-se em questões secundárias e processuais (muitas vezes não regulamentadas), orientar os seus clientes para alegar segredo de Estado. Será que, sendo advogado, é ético (não digo ilegal nem inconstitucional) defender casos de quase evidente corrupção, assassinatos e outros crimes? Ou ser advogado reduz-se à prestação de um serviço mercantil?

 

São reveladas transferências e valores dos projectos acima dos contratados, parte destinadas à corrupção directa, com abertura de contas em Moçambique ou no estrangeiro, utilizando, em muitos casos, intermediários de camuflagem. Nada de novo, só a poeira pensando que os moçambicanos são burros. Também são comuns processos de sobrefacturação ou da prática de preços exorbitantes. Neste caso, como é normal, todos os advogados estão coordenados. Como disse o juiz, na audição do dia 25 de Agosto, até vão juntos fazer as necessidades vitais (WC) e saem todos na mesma altura. Até as necessidades estão sincronizadas!

 

Esta palhaçada criminosa revela: que estamos perante um Estado e o respectivo partido no poder, capturado por ladrões, aldrabões e assassinos, que distribuem o roubo por serviços à “pátria” (assinando contratos livremente ou sob ameaças, pactos de silêncio, negociações, camuflagem e diversionismo). Pessoas que se dizem de libertadores da terra e dos homens, contra a dominação estrangeira, afinal, roubam, desprezam o povo em quase escravatura, fuzilam, matam, chicoteiam e fazem desaparecer pessoas em valas comuns em nome da defesa da revolução e suportados pela violência revolucionária contra a violência reaccionária. Gatunos que se apoderam de bens do Estado (dos cidadãos, a tal palavra esquecida de povo), de dinheiro de bancos, de casas e moradias, de empresários de sucesso que nada sabem de empresas, de gente com dinheiro sem nunca ter produzido ou em cargos.

 

As dívidas ocultas enquadram-se em contexto de um país onde as elites político-empresariais, onde o Estado organiza a economia e alberga grupos de interesses assentes em famílias, no regionalismo/etnicidade, suportados e protegidos pelo partido, com alianças internas e externas num emaranhado de pessoas, grupos e do Estado.

 

Dois mil milhões de dólares americanos, são, certamente, peanuts, quando comparado com as negociatas de Cahora Bassa, a fuga de capitais, os contratos de gás e de outros recursos naturais, da energia para o exterior, do pescado e da fauna bravia dizimada, do açambarcamento de milhares de hectares concedidos/licenciados fora da lei, da lavagem de dinheiro e muito mais. E, mais importante, as escolas, centros de saúde, estradas, incentivos à produção, formação de moçambicanos, modernização do Estado e do tecido económico, não construídos, que não se realizaram por conta da corrupção. E pobreza gerada em consequência dos biliões de dólares sugados ao povo moçambicano.

 

Muita poeira… mas os poeirentos são, afinal, aqueles que procuram camuflar o roubo evitando ou desviando as atenções para questões de menor importância. Há muita poeira, sim, Sr. Guebuza.

 

Vocês libertadores, que mereceriam o reconhecimento histórico pela independência (não obstante processos sinuosos durante a luta de libertação nacional), passarão para a história como gangues de malfeitores e, eventualmente, com a categoria de lesa-pátrias. Mas afinal, quem lança a muita poeira? É poeirada para esconder crimes. Neste caso não é poeira ou boato …. É uma “desorganização organizada”.

 

Como a história já não é só escrita pelos vencedores (ainda com a agravante do enorme défice de confiança gerada), A HISTÓRIA NÃO VOS ABSOLVERÁ.

 

João Mosca

Sir Motors

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