“Devo esclarecer, a priori, que a presente reflexão é de cariz pessoal e não vincula qualquer que seja instituição pública ou privada. Trata-se do que vejo à minha volta e, infelizmente, noto que parece que nada anda em termos de desenvolvimento económico empresarial, com muito diálogo público-privado que me parece estéril. Porque será? Eis a questão. Para um esclarecimento cabal, recorri à Lei de investimento nacional e estrangeiro, Lei n.º 3/93 de 24 de Junho e a Lei n.º 8/2023, parece coincidir no objecto, não de investimento, mas das entidades visadas pela Lei, pois a Lei n.º 8/2023, de 9 de Junho, que revoga a Lei n.º 3/93, de 24 de Junho (anterior Lei de Investimentos), e que aprova a nova Lei de Investimentos, entrando em vigor 90 dias após a sua publicação, ou seja, no dia 10 de Agosto de 2023.
Diria mesmo que a Legislação atinente ao investimento em Moçambique, quer a de 1993, quer a de 2023, são leis produzidas com objectivos específicos e não gerais, como deve ser a produção legislativa. Se a primeira beneficiava a elite da Frelimo, a segunda, diria que beneficia as elites políticas nacionais no geral, não fosse ela aprovada por três Bancadas diferentes!”
AB
Formas de investimento directo nacional
“O investimento directo nacional pode, isolada ou cumulativamente, assumir qualquer das formas seguintes, desde que suscetível da avaliação pecuniária:
- a) Numerário;
- b) Infra-estruturas, equipamentos e respectivos acessórios, materiais e outros bens;
- c) Cedência de exploração de direitos sobre concessões, licenças e outros direitos de natureza económica, comercial ou tecnológica;
- d) Cedência, em casos específicos e nos termos acordados e sancionados pelas entidades competentes, dos direitos de utilização da terra, tecnologias patenteadas e de marcas registadas, cuja remuneração se limitar à participação da distribuição dos lucros da empresa, resultantes das actividades em que tais tecnologias ou marcas tiverem sido ou forem aplicadas.”
In Lei n.º 3/93 de 24 de Junho
“Âmbito de aplicação: A nova Lei dos Investimentos continua a ser aplicável aos investimentos nacionais e estrangeiros (à semelhança da anterior lei), mas vê o seu âmbito de aplicação ampliado para também abranger potencialmente os empreendimentos de parcerias público-privadas, os projectos de grande dimensão e as concessões empresariais, bem como aos investimentos nas áreas de prospecção, pesquisa e produção de petróleo, gás e indústria extractiva de recursos minerais, e aos investimentos públicos financiados por fundos de Orçamento do Estado, nas matérias não reguladas por legislação específica, entre as quais as actividades de processamento, comercialização e transporte de produtos mineiros e/ou petrolíferos, quando realizados por entidades que se dedicam exclusivamente ao desenvolvimento de tais actividades”
In Lei n.º 8/2023, de 9 de Junho,
A minha reflexão irá compreender duas dimensões diferentes, que são os propósitos da Lei n.º 3/93 de 24 de Junho e da Lei n.º 8/2023 e a minha opinião sobre o marasmo a que está sujeito o Sector Privado nacional. Peço, desde já, a compreensão de todos que lerem esta reflexão. Ela não visa ninguém em particular, se não mesmo uma indução sobre as formas de legislação em geral e o que poderia ser a legislação para o real desenvolvimento da economia moçambicana, constituída por aproximadamente 98% de PMEs.
Olhemos para a Lei n.º 3/93 de 24 de Junho. Trata-se da primeira Lei, visando a economia aberta, resultante do PRE – Programa de Reabilitação Económica, num contexto de partido único, o partido Frelimo. Se estamos atentos, vamos notar que a Lei prevê o investimento directo nacional em numerário. Ora, estamos falando da saída de um sistema de orientação socialista, em que os meios de produção eram propriedade do Estado e que, antes disso, vivíamos num sistema Colonial-Fascista, em que o poder económico era detido pelo colonizador. A questão que se coloca à partida é: quem era o cidadão nacional, com capacidade de fazer investimento em numerário em 1993!? Sim, quem?
Na segunda hipótese de investimento directo nacional vem e passo a citar: “Infra-estruturas, equipamentos e respectivos acessórios, materiais e outros bens”. Ora bem, numa economia planificada e centralizada, quem é o detentor de infra-estruturas, equipamentos e acessórios? Isto quer dizer, em palavras simples, que o Legislador quis beneficiar as pessoas ligadas ao poder político de então, a se transformarem em empresários, porque são essas pessoas que, de forma legal ou não, se beneficiaram das privatizações e passaram a serem detentores de alguma coisa. Não sei se o caro leitor está a acompanhar o meu raciocínio!
No terceiro caso, veja e passo a citar: “Cedência de exploração de direitos sobre concessões, licenças e outros direitos de natureza económica, comercial ou tecnológica”. Se dissemos acima que a independência de Moçambique foi em 1975, depois do colonialismo português, os moçambicanos, de uma forma geral, não eram detentores de concessões e tão pouco de direitos económicos e ou tecnológicos. Mais uma vez, a Lei visava um grupo específico, a questão é: qual?
Não vale a pena irmos ao quarto, que as conclusões serão as mesmas. Feliz ou infelizmente, em 1993, a Frelimo era o único partido representado no Parlamento. Pode-se dizer que, entre os camaradas, estavam se defendendo. Agora, com a Lei n.º 8/2023, a composição do Parlamento é politicamente heterogénea, mas a Lei aprovada visa, igualmente, um grupo restrito de pessoas e o alargamento a que se refere visa abarcar as áreas de exploração dos recursos naturais, petróleo e gás. Aqui também se coloca a mesma questão, deixando os casos acima, quem, de entre nós moçambicanos, se encontra na exploração do Gás! Quem, de entre nós moçambicanos, se encontra na área de petróleo e quem explora os recursos minerais.
Se eu quiser ser original e imparcial na reflexão, concluo que só as mesmas pessoas, com o tempo, podem ter entrado para o grupo um e outro actor, mas, na essência, a Lei visa um grupo restrito especial e, de forma liminar, exclui todos nós! Na minha opinião, isto é incompreensível, na medida em que as mais de 98% das PME não têm beneficiado de nenhuma política de assistência e de formação para o seu crescimento, antes pelo contrário, são as PME que sofrem todo o tipo de perseguição estatal, quer para efeitos de fisco, quer para efeitos de funcionamento normal.
Ontem, 03 de Março de 2024, na Televisão Privada Maningue Magic, no programa “O Peixe na Brasa”, o proprietário do Bar recebeu uma visita da “INAE” e foi-lhe aplicada uma multa de 500.000,00 (quinhentos mil meticais) por não apresentar o nome da pessoa de limpeza. Trata-se de uma Novela, dirá o amigo leitor, mas é uma Novela que retrata aquilo que é a realidade dos moçambicanos, no sector privado. Ainda que tivesse muitos clientes, aquele Bar jamais conseguiria obter de lucro 500.000,00 para fazer face à multa, ou seja, aquilo tem uma finalidade, acabar com o negócio do homem. É realmente o que se passa na vida real.
Em contrapartida, nas grandes explorações mineiras, se calhar, nem o Inspector da INAE é permitido entrar, bastando, para isso, um simples telefonema a quem toma decisão para dizer ao inspector retirar-se! Lembre que esses recursos são esgotáveis e a sua exploração é feita com o capital intensivo e emprega muito poucas pessoas comparado com as PME nacionais.
Finalmente, o DPP – Diálogo Público-Privado, que existe entre o Governo e o Sector Privado, é bem-vindo, mas tenhamos consciência de que são muitos operadores que o DPP não abrange e, nessa falta de abrangência, existe um mal maior que é os agentes do Estado, responsáveis pelo DPP, aproveitarem-se deste para dividir, cada vez mais, os privados! Esse exercício de divisão pode ser benéfico, igualmente, para um grupo de pessoas, mas é tóxico para a economia no geral. É urgente, na minha opinião, virarmos a atenção para as pequenas e médias empresas de moçambicanos.